Minigeração de energia avança e expõe ruído no sistema elétrico

*Agnaldo Brito

Quem acompanha o setor elétrico brasileiro conhece os desafios enfrentados por anos pelo país para a construção de uma matriz elétrica razoavelmente estável e confiável. Uma matriz que fosse capaz de oferecer ao país aquilo que o Brasil hoje já dispõe: o direito de reivindicar o status de potência ambiental global.

Nada disso seria possível sem a invejável capacidade de suprimento de energia a partir de fontes predominantemente renováveis, com hidrelétricas, usinas solar e eólica e, mais recentemente, a chamada micro e a minigeração distribuída, tema central aqui – carente hoje de certa compreensão mais amistosa por parte das autoridades do setor elétrico.

Por mais dificuldades que o setor elétrico tenha enfrentado nas últimas cinco décadas, quando criou e consolidou o que chamamos hoje de SIN (Sistemas Interligado Nacional), são inegáveis os avanços e a liderança mundial do Brasil nesse campo.

Ocorre que o país segue crescendo e é inevitável que novas dificuldades e desafios continuem a surgir. A diferença é que tais dificuldades têm cada vez menos a ver com a carência da geração de energia, mas o ponto diametralmente oposto – ou seja, as possibilidades que o país tem de desenvolver novas formas de gestão de energia dentro de um sistema de dimensões continentais.

A geração centralizada em parques eólicos e solares permitiu e permite uma evolução extraordinária. Recordo-me de acompanhar o primeiro leilão para suprimento do mercado cativo em que a geração eólica surpreendeu o mercado com preços competitivos por megawatt/hora, desbancando fontes tradicionais e assumindo contratos importantes com as distribuidoras.

Desde então, o avanço da geração eólica e solar tem sido impressionante, os números são expressivos. Sumário executivo do PAR/PEL 2023 (Plano da Operação Elétrica de Médio Prazo do SIN) – relatório que trata do ciclo de expansão de 2024/2028 – indica que a capacidade de geração solar e eólica do Brasil vai crescer dos atuais 38 GW para 53,7 GW, o que representará simplesmente mais de um quinto de toda base instalada no Brasil.

É quando o país terá elevado sua capacidade de geração de energia elétrica dos atuais 215 GW para 251 GW, com quase 90% da capacidade em fontes renováveis. Que país do mundo tem algo assim?

No rastro desse movimento dos parques de renováveis (eólica e solar), surge também uma outra nova revolução, protagonizada prioritariamente pela geração solar, a chamada MMGD, como salientado acima a micro ou a minigeração distribuída. Neste momento, essa base de geração já representa 12,4% dos 215 GW de capacidade instalada reconhecida no Brasil, ou 26,6 GW, o equivalente a quase duas Itaipus.

A redução de custos dos equipamentos de geração, principalmente de painéis solares, criou possibilidade, prevista pela resolução da Aneel nº 482 de 2012, que instituiu o sistema de compensação de energia elétrica, de o consumidor gerar a sua própria energia.

A Lei 14.300/2022, consolidou o marco legal da micro e da minigeração distribuída. Para além da própria demanda – ou da demanda do empreendedor –, esse pequeno gerador tem a possibilidade de enviar excedentes de energia gerado para a rede à qual está conectado, ajudando a energizá-la e garantindo assim que a oferta de energia de fontes não convencionais ganhe novos protagonistas. Ainda que pequenos, esses mini/micro geradores começam a representar blocos relevantes de energia ofertada, como os números demonstram.

Dados do ONS (Operadora Nacional do Sistema Elétrico) mostram que em 2023 esse novo protagonista assumiu grande relevância, representando como indicado acima 26 GW de base instalada conectada ao SIN. Algo de grande relevância, não fossem os problemas que isso – na outra face desta moeda – começam a criar.

Do ponto de vista da gestão do SIN, tamanha oferta permite ao país economizar recursos mais estratégicos, como a água dos nossos reservatórios – que atualmente estão em 60% de sua capacidade, na média nacional.

Isso permite maior capacidade de gestão da água armazenada, permitindo o enfrentamento de períodos mais secos, sem o uso maciço de termelétricas a gás ou a óleo, com efeitos pesados em termos de custos na conta de luz dos brasileiros, como já vimos em passado recente.

O ONS, entretanto, têm feito queixas sobre a forma de atuação das MMGD e como isso tem gerado instabilidade para o sistema elétrico brasileiro. Na visão do órgão, o setor tem se convertido em fator de risco para eventuais apagões de grandes proporções no país. Há duas questões básicas apontadas pelo operador.

A primeira é a qualidade da conexão desse gerador ao SIN, o que, na visão do ONS, tem criado problemas em relação aos padrões de tensão e frequência às quais operam a rede de transmissão e distribuição. Para o ONS, essa situação amplia riscos de desligamentos de sistemas, o que pode gerar reações em cadeia.

Isso já ocorreu, segundo relatório disponibilizado pelo ONS em seu portal na internet. O segundo ponto é a chamada “rampa”, quando grandes volumes de energia solar começam a sair do sistema ao final do dia. Diz o ONS em relatório que isso exige a mobilização de outras fontes de geração para restabelecer a carga no sistema. O órgão alega que a tal “rampa” coincide com o momento em que o pico de demanda entre 18h e 20h começa no país.

Artigo publicado por um diretor do ONS alerta que o operador chegou, em determinado período de 2023, a ter de mobilizar capacidade de geração de 28 GW em apenas três horas, tudo em função da chamada “rampa”. Essa é uma questão que tende a se tornar ainda mais importante nos próximos anos.

Em 2023, chegamos a 100 mil MW no pico de demanda, um recorde para o país, principalmente em razão das altas temperaturas da Primavera. Em 2028, esse patamar poderá chegar a 110.985 MW. É importante dizer que o setor elétrico tem capacidade instalada para atender esses limites de demanda, que são pontuais e muito relacionados com as ondas de calor, que estão mais frequentes.

Tais queixas do ONS estão em relatórios, mas não deveriam assumir esse tom acusatório da chamada micro e minigeração distribuída. As autoridades do setor elétrico, ONS incluído, precisam adotar uma postura mais amistosa e colaborativa com a geração distribuída.

Acusá-la como potencial culpada para eventual novo mega-apagão não parece ser razoável ou postura adequada para um gestor do sistema. Há valores, ganhos e oportunidades que a geração distribuída está incorporando ao Sistema Elétrico Brasileiro que são muito mais estratégicos, o que justifica inclusive um esforço geral das autoridades para apoiar tecnicamente os MMGD.

Se há o risco alertado pelo ONS para apagões relevantes em razão da geração distribuída, cabe a esta e às demais autoridades as ações para controle e mitigação desses riscos. Aproveitar as fontes renováveis é imperativo e o Brasil abriu um modelo que pode se tornar referência mundo afora.

Os desafios técnicos devem ser vencidos com o apoio das MMGDs, do ONS e das autoridades do setor elétrico. Os agentes MMGDs devem cumprir as regras do sistema ao receber a autorização para conexão e se enquadrar àquilo que determina as novas resoluções. As distribuidoras também são o elo desse pequeno gerador com o SIN e também devem assumir responsabilidades da qualidade dessa conexão. Os investimentos em transmissão em alta tensão também precisam acontecer para que sejam aproveitados volumes ainda maiores de geração de usinas eólicas e solares país afora. O ONS precisa apoiar a coordenação disso tudo, junto com as autoridades. Apenas imputar à micro e à minigeração distribuída a responsabilidade sobre eventual futuro problema no SIN não parece ser o melhor caminho.

*Agnaldo Brito é jornalista, especialista em infraestrutura e diretor da Infracomunicação.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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