Maurício Simões Lopes*
Há algumas semanas, o Banco Central anunciou a sétima alta consecutiva da Selic. Os atuais 15% ao ano representam um patamar de taxa de juros que não se via há quase 20 anos no Brasil e embora haja sinais de que a sequência de altas deva acabar, não há nenhuma expectativa de baixa no curto prazo. Os juros longos seguem em alta também.
Acontece que, taxas de juros nesse nível, já dificultam as tomadas de decisão de investimentos em negócios no Brasil, seja pelo alto custo do crédito, ou pelas oportunidades de bons retornos em aplicações financeiras de baixo risco. Mas no caso do investidor em transporte de gás natural, o desafio é ainda maior.
Um dos principais componentes para o cálculo da receita das transportadoras é o WACC (weighted average cost of capital, ou custo médio ponderado de capital). O WACC corresponde à taxa de remuneração que as transportadoras devem receber em cima dos investimentos em ativos, como gasodutos, estações de compressão, pontos de recebimento e entrega e etc.
Essa taxa é aprovada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e recalculada a cada cinco anos, conforme a Resolução nº 15 de 2014 (ou “RANP 15”) e é determinante para tornar atrativo o investimento em ativos de transporte por investidores.
Calculando o WACC
Segundo a RANP 15, a taxa de retorno sobre o capital para a atividade de transporte, deverá considerar um “modelo financeiro amplamente reconhecido e adotado pelo mercado, tal como o método do custo médio ponderado de capital”. Esse método pode conter muitas variações de parâmetros, mas, em geral, leva em consideração a alíquota de imposto, o nível de alavancagem (da empresa ou do setor), além de uma série de variáveis que compõem os custos de capital próprio e de terceiros.
Além disso, alguns reguladores permitem ajustes às suas metodologias, como, por exemplo, a concessão de prêmios no WACC, atrelados a metas de sustentabilidade. Outro exemplo de ajuste, bastante comum na Europa, é quando o WACC calculado não é atrativo o suficiente para viabilizar investimentos e o regulador concede um “bônus” para estimular o agente regulado a investir.
Geralmente, quanto melhor anda a economia, menor é o WACC. Um país com a economia estável e próspera é percebido como menos arriscado por investidores, gerando menores prêmios de risco. A taxa de juros também é um fator relevante, pois a atividade de transporte, assim como qualquer outra que seja intensiva em capital, requer alavancagem financeira e daí vem a importância do custo da dívida.
Além disso, o conceito de receita máxima permitida garante às transportadoras fluxos de caixa previsíveis, que somados à perspectiva de crescimento, torna a atividade mais atrativa para investidores, resultando em retornos requeridos ainda menores.
Infelizmente, essa não é a nossa situação atual. Entre os BRICS, o Brasil foi o segundo país que menos cresceu, em 2024, superando apenas a África do Sul. Também, no ano passado, não batemos a meta da inflação e a alta incerteza fiscal contribuiu para o real sofrer uma desvalorização de mais de 20%.
O WACC vigente para as transportadoras é de 7,25%, conforme aprovado pela ANP, através da Nota Técnica nº 013/2019-SIM. Em julho de 2019, quase ao mesmo tempo em que a ANP redigia essa nota técnica, a taxa de câmbio real/dólar era de R$ 3,80 e o Copom reduzia a Selic a 6% ao ano. Esse cenário econômico no Brasil, diferentemente do atual, se refletiu nas séries históricas que foram utilizadas pela ANP para o cálculo desse WACC.
Pois então, qual é o problema?
O problema é que essa metodologia de cálculo não “envelheceu bem”. Se a ANP aplicasse os mesmos parâmetros usados em 2019 para o cálculo do WACC do novo ciclo tarifário, a taxa resultante seria de 5,08%, o que é claramente demonstrativo da imprevisibilidade que a aplicação da atual metodologia traz para o ambiente de negócios. Essa incerteza, somada à dificuldade em se projetar retornos, tornam investidores mais cautelosos.
Não é necessário ser nenhum especialista para perceber que um WACC de 5,08% é irreal, tendo em vista o nosso atual cenário macroeconômico. Não só esse WACC destoa das taxas de todos os projetos de infraestrutura de outros setores regulados, mas também é significativamente inferior à rentabilidade de títulos do tesouro nacional, como as NTN-B, que atualmente rendem aproximadamente 7%, mais a variação da inflação (IPCA).
Não faz sentido a rentabilidade de uma aplicação financeira, praticamente livre de risco, ser maior do que o retorno de um investimento no setor de transporte.
A ANP já sabe desse problema e está trabalhando em uma revisão da RANP 15, mas embora tenha declarado que pretende finalizá-la até outubro, há uma série de investimentos necessários para a malha de transporte que não podem mais esperar. Não se pode ignorar que a agenda regulatória do gás natural tem sofrido sucessivas revisões e está atrasada em cinco anos.
A Estação de Compressão de Japeri é um exemplo de um projeto da NTS que já recebeu Autorização de Construção da ANP, mas não poderá ser iniciado até que se tenha uma definição de metodologia de WACC.
Esse projeto resolverá um importante gargalo que existe na malha de transporte entre o RJ e SP, viabilizando o transporte do tão esperado gás novo do pré-sal. Com as reduções na produção do gás da Bolívia e do campo de Mexilhão, que, ao longo da próxima década, serão substituídos pelo gás da Rota 3 (já em operação) e Rota 5 (prevista para 2029), se faz cada vez mais necessária a adequação da malha de transporte. O que está em jogo não é só o abastecimento do país, mas também a monetização do gás nacional.
Dentro desse atual contexto regulatório, não é possível projetar um fluxo de caixa de projetos de transporte de gás. A metodologia atual resulta em um número que não faz sentido e a futura depende da conclusão da revisão da RANP 15. Antevendo esse problema, o Ministério de Minas e Energia, através do decreto presidencial nº 12.153 de 2024, reforçou que a ANP poderia aprovar um WACC transitório até que a agenda regulatória fosse concluída, mas infelizmente isso nunca aconteceu.
Pelas transportadoras, existe todo o interesse e disponibilidade para a realização dos investimentos necessários à malha, contudo é fundamental que haja um ambiente regulatório estável e previsível.
*Maurício Simões Lopes é gerente geral institucional da NTS.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.








