Ludmylla Rocha, da Agência iNFRA
Fatores climáticos de mais longo prazo estão afetando as precipitações na área conhecida como subsistema Sudeste/Centro-Oeste, que concentra a maior parte dos reservatórios de hidrelétricas do país, afetando a geração de energia.
Atualmente, ocorre um fenômeno chamado Oscilação Interdecadal do Pacífico, que foi identificado inicialmente na década de 70. São períodos de 20 a 30 anos nos quais ocorrem mais La Niñas, intercalados com períodos equivalentes em que há mais El Niños. A afirmação é do meteorologista Celso Oliveira, da Climatempo, em entrevista à Agência iNFRA.
A La Niña consiste no resfriamento das águas da superfície de parte do oceano Pacífico e acaba diminuindo as chuvas nas principais bacias hidrográficas do Sudeste.
“Nos últimos dez anos tem chovido abaixo da média na região. Então, o que eu falo é que tem o efeito do El Niño, tem o efeito da La Niña, mas o que a gente percebe é que tem também outros fatores que vêm também fazendo com que as chuvas fiquem abaixo da média nessa região [dos principais reservatórios]”, diz Oliveira.
Mais La Niñas nos últimos dez anos
Segundo o meteorologista, atualmente o Brasil está no meio de um período de fase fria, que tem mais La Niñas do que El Niños. “Faz dez anos que vem chovendo menos do que o normal nas áreas da ‘caixa d’água'”. Oliveira afirma que, no passado, nas décadas de 50 e 60, também chovia menos do que o normal, com predominância de La Niñas. Já na década de 1980 choveu mais, com mais El Niños.
A ocorrência desse fenômeno, explica, é um dos indicadores de que, independentemente do curto prazo, tem se observado um resultado similar na pluviometria da região durante períodos mais longos, de mais de duas décadas. O meteorologista ressalta, porém, que, embora o período atual com menos chuvas tenha começado há dez anos, ainda não é possível verificar qual será sua duração.
Ciclos de 20 a 30 anos
“As estações meteorológicas mais antigas do Brasil têm pouco mais de 100 anos. Isso é um período curto para que a gente consiga determinar com mais certeza de quanto em quanto tempo a gente tem esses períodos mais secos e mais chuvosos. Fala-se em algo entre 20 e 30 anos, mas não se sabe exatamente se o atual período seco vai terminar em 2030 ou antes disso”, pondera.
Ele cita que, em maio, a Organização Meteorológica Mundial, vinculada à ONU (Organização das Nações Unidas), apresentou uma previsão para os próximos cinco anos na qual é possível verificar chuvas abaixo da média na região da ‘caixa d’água’ do país.
“Você não consegue ter uma ideia exata do nível de falta d’água. Se vai ser leve, drástico ou moderado, se oscila e se vamos ter três anos ruins e dois bons, e no final das contas o mapa fica negativo. A gente não sabe muito bem, mas o fato é que essa simulação mantém a ideia de que as precipitações não devem vir com uma grande intensidade para a chamada região da ‘caixa d’água’ pelo menos até 2025.”
Primaveras mais secas desde os anos 60
A meteorologista Márcia Seabra, do Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), concorda que não é apenas a ocorrência do La Ninã que vem afetando o volume de chuvas no país.
A especialista cita um levantamento que realizou considerando as primaveras de 1961 a 2020. “A gente tem uma tendência de diminuição das chuvas e elevação da temperatura no Brasil como um todo, um padrão muito diferente na temperatura. Então não é só a La Niña de um ano que pode deixar o reservatório mais seco, isso é uma coisa que já vem acontecendo há algum tempo”, reforçou.
Outros fenômenos incorporados
Seabra lembra ainda que ocorrências como o aquecimento das águas do oceano Atlântico em sua porção mais ao Sul também são relevantes para a formação de chuvas no país.
“Ela [La Niña] não é o principal fenômeno que pode realmente dizer se a chuva vai ficar acima ou abaixo da média. No caso específico da região Sul, por exemplo, a gente tem que acompanhar a temperatura da superfície do mar do oceano Atlântico, ali próximo ao Rio Grande do Sul e ao Uruguai. Neste último mês de outubro, quando foi configurada a La Niña, a água ali daquela região estava muito quente. E, por isso, a gente acabou tendo um outubro muito chuvoso no estado do Paraná, por exemplo”, explicou.
Projeções para os próximos meses
A Climatempo prevê que os próximos dois meses devem ser de chuvas abaixo da média na maior parte do país. Oliveira explica, no entanto, que normalmente os anos de La Niña caracterizam-se por chuvas acima da média no Norte e no Nordeste e em partes do Centro-Oeste e mais seco mais ao Sul e em São Paulo e Mato Grosso do Sul.
Na região da chamada ‘caixa d’água’ do Brasil, que fica entre os dois extremos, “você acaba tendo chuvas mais fortes no Paranaíba, que está um pouquinho mais para o norte, mas o Rio Grande não é tão beneficiado assim”, afirma. “Isso numa situação normal, e as previsões estão mostrando justamente isso”, ressalva.
Já Seabra, no Inmet, aponta que, no todo, a região deve ter chuvas dentro da normalidade. “Olhando mais para essa área [caixa d’água], a gente pode ver que no estado de São Paulo, em quase todo o extremo sul de Minas onde fica ali o reservatório do Rio Grande, a tendência é de chuva normal ou ligeiramente acima da média”, disse.
“Esse acima da média é em torno de 50 milímetros acima, para uma região que chove entre 500 e 800 milímetros. Então, se normalmente chove entre 500 e 800, é como se eu tivesse prevendo chuva entre 550 e 850. Considerando que o volume de chuva médio é muito alto, a gente pode dizer que a chuva prevista está basicamente dentro da normalidade”, completa.
Ela reforça ainda que este La Niña deve ser de fraco a moderado e com curta duração. Configurado em outubro, ele deve já ter se desmobilizado até o fim do verão. A meteorologista reforça, no entanto, que seus efeitos podem levar mais tempo para deixarem de ser sentidos na atmosfera.