Leila Coimbra, da Agência iNFRA
A economista e advogada Elena Landau já presidiu o conselho de administração da Eletrobras e foi a responsável pelo programa de privatizações do governo de Fernando Henrique Cardoso, no BNDES.
Em entrevista à Agência iNFRA, ela disse que o governo de Jair Bolsonaro deveria retirar do Congresso o projeto de lei que prevê a privatização da Eletrobras e mandar um novo texto ao Legislativo.
Para Elena, o novo projeto a ser enviado deve ser o mais sucinto possível, apenas recolocando a estatal no PND (Programa Nacional de Desestatização). Definir o modelo de venda, na visão da economista e advogada, é atribuição do Executivo, e não do Congresso Nacional.
Segundo a advogada, o modelo de venda da holding é o melhor, e a separação das subsidiárias para a sua posterior privatização é inviável politicamente. Ela acredita que a palavra final no governo sobre a privatização da Eletrobras ficará com a Secretaria de Desestatização do Ministério da Economia, e não com o Ministério de Minas e Energia.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como você avalia o modelo de privatização da Eletrobras que está no projeto de lei?
Eu não concordei com a forma como a privatização foi conduzida. Uma coisa é anunciar, com a ideia de diluição da parte da União no capital da empresa. Isso é uma forma moderna, prevista na lei, não tem problema nenhum.
Tem uma outra questão, que é a minha principal crítica: para vender a holding você precisa do Congresso para uma única decisão, que é aprovar um único projeto de lei, ou medida provisória, que diga que a Eletrobras está no Programa Nacional de Desestatização. É a única licença do Congresso Nacional que é necessária.
E a partir daí que se começa a discutir o modelo, contrata-se consultoria, e por aí vai.
Qual a sua crítica ao modelo apresentado?
O que eu acho que foi o grande erro: primeiro anunciou-se a privatização com o modelo já fechado. Ficou muito pouco claro por que se decidiu valorizar o Rio São Francisco de forma X, ou como se chegou ao valor da outorga de R$ 12 bilhões, mais o limite de 10% de participação do investidor privado.
Ao mesmo tempo você deixa de explicar para a sociedade porque escolheu daquela forma. Quando se tem um estudo que baseia a sua decisão, você apresenta à sociedade o estudo. Nos velhos tempos publicava-se os estudos no data-room, no edital, e ali se explicava porque o preço era aquele.
Houve uma inversão da forma tradicional de se fazer a coisa. Tudo bem, não precisamos ficar apegados às tradições, mas foi uma troca ruim porque você passa a delegar ao Congresso Nacional uma série de decisões que não competem ao Congresso Nacional.
Não cabe ao Legislativo decidir se a participação máxima do investidor é 10%. Não cabe ao Congresso decidir qual o destino dos recursos oriundos com a privatização. Tudo isso é prerrogativa do Executivo. Acabou que não deu certo.
O que você acha do modelo de vender as subsidiárias da Eletrobras separadamente?
Eu gosto da forma que foi proposta, de venda da holding. Porque eu acho o seguinte: ter que fazer a cisão das subsidiárias, avaliar cada uma delas, abrir capital de Furnas etc., para então ir fazer a privatização, no fim não vai fazer nunca. Politicamente é muito difícil. Uma outra hipótese seria dividir por segmento: criando uma empresa de transmissão e outra de geração. Tudo isso é uma discussão sobre o que seria ou não o ideal. Só que não acho factível.
Isso tudo aumenta a dificuldade do processo. Assembleias, reação dos empregados, necessidade de apoio no Legislativo, emendas… tudo isso multiplicado por quatro. Do ponto de vista prático, eu acho que é inviável vender separado.
Acredita que o Congresso aprovará neste ano o projeto que está na Câmara?
Eu acho que o ideal, e acredito que todo mundo vai me criticar por dizer isto, é retirar o projeto de lei do Congresso Nacional. Eu acho que é a melhor coisa a se fazer, ainda que no fim o governo acabe escolhendo por um modelo muito parecido. Mas essa decisão tem que ser do Executivo.
Ainda mais agora que se tem uma nova estrutura do Executivo, em que se tem a Secretaria de Desestatização, com o Salim Mattar, vinculada ao Ministério da Economia, tem-se um novo ministro de Minas e Energia, um novo secretário de Energia, é preciso ouvir desse novo grupo que entrou se eles concordam com o que está aí.
Eu acho que retirar o PL do Congresso não é um acinte ao Legislativo. Inclusive o relator não foi sequer reeleito.
Acho que se tem todas as condições para se recomeçar, de forma mais calma. Não estou dizendo que é pra ser devagar, mesmo porque uma operação de aumento de capital é muito mais ágil que uma operação de venda de controle.
A proposta de privatização poderia então ser encaminhada por MP (medida provisória)?
Poder, sempre pode, porque medida provisória é lei. O problema é que tira um pouco da legitimidade. Ao se recolocar a Eletrobras no PND [Programa Nacional de Desestatização] por MP, aí sim eu acredito que pode haver algum questionamento, alguma dificuldade junto ao Congresso, que poderia avaliar a medida como uma imposição do governo.
E recentemente o governo teve que voltar atrás e enviar por projeto de lei coisas que haviam sido encaminhadas por MP.
A dificuldade é que no caso da Eletrobras, Petrobras, Caixa Econômica e Banco do Brasil não serve apenas um decreto presidencial para que sejam incluídos no PND. Para todas as outras companhias estatais, basta um decreto presidencial para que sejam incluídas na Lei Geral de Privatização.
Você prefere a diluição da fatia da União ou venda do controle da Eletrobras?
Depende do que o governo vai querer fazer. Se você faz a venda do controle, em geral os recursos vão para a União, não para a empresa. É um ativo da União.
Quando se faz o aumento de capital, o dinheiro vai para o caixa da empresa. Por isso essa decisão do pagamento do bônus da outorga, mudando o modelo de cotas para produtor independente. Seria uma forma desses recursos chegarem ao Tesouro.
Você acredita que o Ministério da Economia vai comandar o processo de privatização da Eletrobras ou ficará mesmo no Ministério de Minas e Energia?
No passado as modelagens não eram feitas pelos ministérios setoriais. Eram feitas pelo BNDES, que representava o Tesouro Nacional. O foco dos governos privatizantes passados, FHC e Itamar, era claramente a maximização dos recursos. Tinha o foco nisso.
Teve uma exceção, que foi o caso das Telecomunicações, que teve outro foco: de reestruturação do setor. Mas está muito cedo pra eu dar a minha opinião porque ainda não ouvi o [ministro da Economia, Paulo] Guedes, e o Salim [Mattar, secretário de Desestatização] a respeito desse assunto.
Primeiro a gente tem que saber do governo qual o objetivo. Arrecadar recursos? Reestruturar o setor? Quem vai fazer a modelagem? Quanto custa?
Na minha opinião, inegavelmente, alguma participação do Ministério de Minas e Energia vai ter que ter, e eu não sei como o Guedes e o Salim vão estruturar isso no novo governo. Mas acredito que a palavra final deverá ser da Secretaria de Desestatização, e não do Ministério de Minas e Energia.