Marcelo Mendo e Frederico Viana*
Na indústria de mineração as negociações de ativos minerários enfrentam um dilema recorrente: como definir o preço justo? Isso se torna ainda mais desafiador quando os valores dos projetos dependem de estimativas das reservas minerais.
Vendedores tendem ao otimismo, projetando altos volumes de extração, enquanto compradores adotam cautela diante da volatilidade de preços, dos riscos geológicos e regulatórios, além dos custos de Capex e Opex que podem variar à medida que o projeto avança. Além disso, o ciclo de retorno dos investimentos em pesquisa e exploração minerária tendem a ser longos. Nesse cenário, as debêntures participativas surgem como uma alternativa estratégica para alinhar expectativas e distribuir riscos.
Previstas na Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), as debêntures participativas são títulos híbridos que combinam características de dívida com participação nos resultados financeiros. Ao contrário das debêntures convencionais, que oferecem remuneração fixa, essas podem ser estruturadas para pagar rendimentos vinculados a indicadores como: produção, lucro líquido ou EBITDA (um dos principais indicadores financeiros para analisar a saúde e performance de uma empresa).
Durante um processo de fusão e aquisição, por exemplo, podem ser utilizadas como parte de pagamento do preço: o vendedor recebe uma parcela fixa e outra variável conforme o desempenho do ativo. Essa parcela variável pode ser estruturada na forma de debêntures participativas. Isso permite que o comprador evite pagar por expectativas não realizadas e que o vendedor mantenha exposição ao potencial de valorização futura do ativo negociado.
A aplicação mais emblemática de debêntures participativas no Brasil ocorreu com a mineradora Vale, durante seu processo de privatização em 1997. Na ocasião, foram emitidas debêntures que garantiam aos antigos acionistas, participação nos lucros futuros de jazidas ainda em fase inicial de exploração. Esses títulos se tornaram referência no mercado.
A Vale anunciou recentemente a conclusão da recompra de parte dessas debêntures no mercado, representando 23,01% do total em circulação. O movimento, avaliado em R$ 3,8 bilhões, demonstra a relevância e a liquidez que tais instrumentos podem alcançar, mesmo décadas após sua emissão.
Essa mesma lógica negocial é bastante útil quando transportada para estruturação de investimentos ou venda de ativos minerários, especialmente em projetos de minerais críticos, como terras raras, lítio, níquel e cobre. Sendo possível remunerar o vendedor com base em métricas como volume de reservas confirmadas por sondagens futuras, margem EBITDA ao longo de determinado período ou receita líquida gerada pela operação
Essa flexibilidade permite que o vendedor mantenha participação no sucesso do projeto sem deter ações ou envolvimento direto na nova gestão. Para o comprador, representa uma forma de mitigar o risco de supervalorização do ativo.
Uma das principais vantagens das debêntures participativas reside em sua negociabilidade no mercado secundário. Esse aspecto confere ao vendedor a possibilidade de obter liquidez antecipada, caso opte por vendê-las antes mesmo do cumprimento das métricas de remuneração. Paralelamente, permite que novos investidores do mercado adquiram exposição aos resultados da mineração sem a necessidade de envolvimento direto na operação da companhia.
Esse modelo amplia as opções de financiamento para o setor mineral e atrai investidores interessados em participar dos lucros da extração de recursos naturais, sem assumir riscos ambientais, regulatórios ou trabalhistas.
Apesar das vantagens, a eficácia das debêntures participativas depende de uma estrutura contratual robusta. É essencial definir com clareza os indicadores de desempenho que determinarão os pagamentos, a frequência e a forma de remuneração, direitos de auditoria e de acesso a dados operacionais, mecanismos de ajuste em caso de mudanças regulatórias, dentre outros aspectos relacionados às métricas de remuneração utilizadas. A ausência de critérios objetivos pode gerar disputas e comprometer a confiança no instrumento.
Com o crescimento da demanda global por minerais estratégicos – como lítio, cobre, níquel e terras raras – e a necessidade de financiamento para projetos sustentáveis, as debêntures participativas devem ganhar relevância nas transações envolvendo direitos minerários. Sua capacidade de alinhar interesses, distribuir riscos e oferecer retorno variável as torna especialmente atrativas em um setor marcado por incertezas e ciclos longos.
*Marcelo Mendo e Frederico Viana são sócios da área de Direito da Mineração do Cescon Barrieu.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.





