Marisa Wanzeller e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
Com chuvas bem abaixo da média nesse período úmido, as expectativas de armazenamento de água para geração de energia ao longo do ano despencaram e acenderam o “sinal amarelo” no setor. Normalmente o período de chuvas nas principais bacias das hidrelétricas do Sudeste (onde ficam as principais usinas do país) começa em novembro e vai até abril.
A CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica) revisou agora em março as projeções feitas em janeiro, e os dados foram considerados alarmantes. De acordo com o boletim Informa CCEE, publicado diariamente, o armazenamento dos reservatórios devem estar em 69% em abril, quando termina o período úmido, ante uma previsão de 87% feita anteriormente.
Para setembro, auge da seca, havia uma estimativa de 77% de água armazenada nos reservatórios, mas as expectativas caíram para 48%. E a estimativa publicada em março é bastante pessimista para o fim do ano: mostra um armazenamento de 34%, e não de 62% como na projeção feita dois meses atrás.
A atualização foi realizada com base em dados e informações do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), informou a CCEE.
O Conselho de Administração do operador vai se reunir nesta quinta-feira (14) e o tema deve entrar na pauta. Na última segunda-feira (11), o diretor-geral do ONS, Luiz Carlos Ciocchi, reiterou que o atendimento à carga em 2024 está assegurado. Mas que, para 2025, demanda atenção. Ele falou no evento CNN Talks, em São Paulo.
Próximo período úmido
Para agentes do setor, a segurança do sistema no ano que vem vai depender do próximo período úmido, que se inicia no fim de 2024 indo até abril de 2025. “Se ele for de médio para bom, a gente volta a ficar supertranquilo. Se for ruim, aí a gente vai entrar em uma situação bem de alerta. Hoje eu diria que o sinal está amarelo, começando a ficar um pouquinho laranja”, analisou uma fonte. “Os níveis atuais dos reservatórios são confortáveis, mas a mudança abrupta da projeção em três meses assustou o setor”, pontua.
No entanto, prevalece a avaliação de que o ONS “aprendeu com a crise de 2021” e está mais preparado para evitar cenários tão críticos. “Muita coisa ainda pode mudar. A projeção também pode mudar, da mesma forma como teve alteração brutal de dezembro pra março. E acredito que agora o ONS já vai antecipar alguns movimentos, caso tenha uma situação de piora mesmo, para preservar os reservatórios”, acredita um executivo do setor.
La Niña
Alguns analistas esperam que a mudança do fenômeno El Niño, que prejudicou o abastecimento de reservatórios, para o La Niña possa melhorar o cenário. O MCTI (Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação) já divulgou que “é muito provável o desenvolvimento de um fenômeno La Niña na segunda metade de 2024”.
Segundo a nota da pasta, o La Niña aumenta as chances de chuva acima da média nas regiões Nordeste e Norte do país, assim como propicia chuvas escassas na região Sul. No entanto, são nas grandes bacias do Sudeste que encontram-se os principais reservatórios hidrelétricos do país.
Atraso nas chuvas
Segundo a meteorologista especialista em Clima e Energia da Climatempo, Marcely Sondermann, o La Niña deverá atrasar o início do período úmido na região Sudeste e, assim, fazer com que os reservatórios demorem mais tempo para se recuperar do período seco.
“Pensando ali no Sudeste, geralmente em ano de La Niña a gente tem um atraso no início do período úmido, então aquelas chuvas que começam a retornar no finalzinho de setembro, início de outubro, e que fazem alguma diferença de fato para o reservatório, ela acaba acontecendo mais para o final de outubro e início de novembro”, disse a especialista.
“Quando falo em atraso do período, é que ele irá demorar a começar, as chuvas demorarem a se regularizar na região Sudeste. Isso significa que os reservatórios demorariam mais tempo para voltar a se recuperar.”
Vazão das UHEs
Na última semana, o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico) deliberou por reduzir a vazão das hidrelétricas de Porto Primavera e de Jupiá, devido aos níveis de afluência, que estão abaixo do esperado para o período úmido. As vazões mínimas deverão cair para 3.900 m3/s e 3.300 m3/s, respectivamente.
A estimativa é que a determinação preservará cerca de 11% de armazenamento na Bacia do Paraná até agosto e cerca de 7% no Sudeste/Centro-Oeste. Em resposta à Agência iNFRA, o ONS informou que desde fevereiro recomendou o monitoramento da taxa de replecionamento dos reservatórios da bacia hidrográfica do Paraná e a preparação das condições para eventual flexibilização das defluências mínimas nas UHEs Porto Primavera e Jupiá, como ocorreu em março. O objetivo é “assegurar melhores condições de atendimento futuro do SIN [Sistema Interligado Nacional], bem como a preservação dos usos múltiplos da água”.