André Masuko*, Fábio Tieppo**, Matheus Aquino*** e Priscila Wilhelm****
No decorrer do atual processo eleitoral, os candidatos à Presidência da República apresentaram seus planos de governo. Frente à ocorrência do segundo turno das eleições no próximo domingo (30), decidimos analisar e comparar as principais propostas para o setor de infraestrutura apresentadas pelos candidatos Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
É sabido que, embora a infraestrutura seja fundamental para o desenvolvimento econômico e o crescimento sustentável de um país, historicamente os investimentos registrados nesse setor no Brasil não são suficientes para proporcionar uma qualidade compatível com a de nações desenvolvidas ou mesmo emergentes. Em 2019, por exemplo, segundo dados obtidos na Infralatam, o Brasil apresentava taxas de investimento (como proporção do Produto Interno Bruto) inferiores às da Argentina, do Chile e da Colômbia.
Com maior ou menor ênfase, os programas dos dois candidatos tratam da expansão e da melhoria de segmentos como transporte e logística, saneamento básico, energia elétrica, comunicação e infraestrutura urbana.
No entanto, embora exista um consenso sobre a importância de investimentos em infraestrutura, ambos os planos de governo se mostram superficiais em relação ao tema, demonstrando dificuldade para apresentar um plano de ação detalhado.
Ainda assim, considerando as informações presentes nos documentos, constata-se principalmente uma divergência em relação ao papel do setor público nesse processo.
Transporte e logística
Candidato à reeleição, Jair Bolsonaro tem como foco principal avançar com a agenda de privatizações iniciada em seu primeiro mandato por meio de concessões, arrendamentos e autorizações. Um exemplo mencionado pelo documento é a proposta de prosseguir com a desestatização do Porto de Santos (SP).
O plano de governo de Bolsonaro também dá ênfase para a promoção da intermodalidade rumo à integração logística do país, que ainda é muito dependente do modal rodoviário. No Brasil, cerca de 65% dos transportes totais de carga são feitos por rodovias, um peso alto se comparado a países desenvolvidos, como Estados Unidos (25%), Japão (20%) e França (28%).
Essa integração inclui portos, aeroportos, estradas, rodovias vicinais, ferrovias e hidrovias como forma de diminuir os custos com o escoamento da produção nacional e promover a eficiência logística. Um modelo mencionado é o projeto da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), que se conectará à Ferrovia Norte-Sul. A estruturação de concessões de manutenção deverá ter continuidade pelo DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes).
Bolsonaro também pretende ampliar a malha ferroviária nacional, dando seguimento e expandindo iniciativas como o Programa Pro Trilhos, por meio do qual devem ser investidos cerca de R$ 180 bilhões e agregados 15 mil quilômetros à malha ferroviária brasileira, cruzando pelo menos 16 estados da federação.
O atual presidente também pretende fomentar a cabotagem com a aprovação do projeto BR dos Rios, que visa a aproveitar o potencial hidrográfico brasileiro, conectando-o a ferrovias e estradas por meio de portos especializados.
Já o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva promete retomar investimentos públicos no setor de infraestrutura para modernizá-lo e ampliá-lo, pois o considera fundamental na promoção do desenvolvimento social e econômico do Brasil. O investimento privado, por sua vez, deverá ser estimulado por meio de créditos, concessões, parcerias e garantias.
Apesar de reconhecer a importância de investimentos em infraestrutura para o país, o programa de governo do candidato do PT não é explícito ao apresentar propostas para o setor de transportes e logística. No entanto, declarações de membros da equipe de campanha de Lula apontam que as políticas públicas do setor se inspirarão nas ações realizadas no âmbito do PAC (Programa de Aceleração de Crescimento) e do PIL (Programa de Investimento em Logística), ambas iniciativas de fomento à infraestrutura implementadas em gestões anteriores do partido. Em uma primeira fase, pretende-se desenvolver um plano “emergencial” para acelerar obras públicas em andamento.
Os dois programas de governo convergem a respeito da necessidade de buscar parcerias com o setor privado para a realização de novas obras de infraestrutura. O sucesso dessas políticas, contudo, depende da criação de condições atrativas para agentes privados, o que será um desafio para o próximo presidente frente ao cenário de baixa demanda por projetos em alguns setores e de relicitações de projetos malsucedidos na última década.
Além disso, a expansão de investimentos estatais proposta por Lula representa uma reversão da tendência apresentada nos últimos anos, já que, entre 2018 e 2022, a parcela de gastos públicos destinada ao Ministério da Infraestrutura recuou consistentemente, saindo de 0,63% do total há quatro anos para uma previsão de 0,15% neste ano. Assim, a situação fiscal brasileira pode ser um desafio significativo.
Saneamento básico
O segmento de saneamento básico representa um desafio para a próxima gestão, em especial no que tange à necessidade de materialização das metas do Novo Marco do Saneamento – lei que prevê que até 2033 o Brasil alcance níveis de universalização do acesso aos serviços de água e esgoto.
Os dois candidatos apresentam respostas distintas para esses problemas, embora mais uma vez sejam pouco claros com relação às ações a serem tomadas, o que pode ser problemático dado que o prazo para o cumprimento das metas propostas é de apenas 10 anos e a cobertura atual de esgoto, por exemplo, atende a pouco mais de 50% da população.
Bolsonaro pretende expandir a oferta do serviço e propõe continuar ampliando o orçamento da Funasa (Fundação Nacional da Saúde) para municípios de até 50 mil habitantes, como fez durante o atual mandato. Segundo o seu plano de governo, o orçamento da Funasa em 2021 foi de R$ 523 milhões e, em 2022, de R$ 659 milhões. Caso seja reeleito, o candidato prevê a destinação de R$ 695,9 milhões ao projeto em 2023.
Lula, por sua vez, novamente destaca que buscará o fortalecimento de uma política pública para o setor, reforçando que garantirá a atuação das entidades e das empresas estatais na prestação desses serviços.
Nesse ponto, cabe ressaltar que o Novo Marco de Saneamento, aprovado em 2020, apresenta desafios para a manutenção da atuação das empresas públicas no setor. Essa lei prevê que contratos vigentes até julho daquele ano poderiam ser mantidos até o fim do prazo contratual, desde que atendessem aos critérios de regularidade estipulados, bem como comprovassem sua capacidade econômico-financeira.
Além disso, o Novo Marco de Saneamento previu que as estatais deveriam comprovar, até 31 de dezembro de 2022, a captação de recursos suficientes para as despesas de capital projetadas até o fim de 2026. Desse modo, os parâmetros estabelecidos por ele representam desafios significativos para a expansão das estatais de saneamento indicada no programa petista.
Outros segmentos
Quanto ao setor de energia elétrica, tanto Bolsonaro como Lula destacam a necessidade de expandir a matriz energética brasileira. Ambos os candidatos mencionam a intenção de robustecer e diversificar a utilização de energia sustentável, renovável e limpa. No entanto, não são detalhadas as ações a serem tomadas a fim de cumprir esses objetivos.
Com relação ao setor de telecomunicações, os dois programas de governo também mencionam a importância de investimentos. Bolsonaro destaca ainda a busca pela expansão da cobertura de tecnologia 5G para todos os municípios brasileiros.
Os dois candidatos também se omitem em relação a segmentos como iluminação pública e resíduos sólidos. Embora eles sejam responsabilidade dos municípios, seria desejável o desenvolvimento de políticas de coordenação nacionais, como tem sido feito no caso do saneamento básico a partir do novo marco.
Com base nas propostas de Bolsonaro e Lula, conclui-se que ambos os candidatos consideram a realização de investimentos em infraestrutura nos próximos anos algo fundamental para o desenvolvimento econômico do país. Apesar da ausência de estratégias de ação claras, é possível identificar uma sinalização de Lula para uma maior participação do setor público, enquanto Bolsonaro priorizará parcerias com o setor privado.