Marcelo Araújo*
O Brasil dará um passo histórico em sua jornada de sustentabilidade e transição energética com a criação do SBCE (Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões) no bojo do novo “Mercado de Carbono”, que avança nas casas legislativas com a publicação do relatório do PL 412/2022 pela senadora Leila Barros, já bastante alinhado com o projeto do governo federal, em fase final a ser apresentado ao Congresso Nacional.
Um trabalho de muito tempo e fôlego tanto do Congresso, onde diversos projetos tramitam e têm sido debatidos em comissões e com a sociedade civil há alguns anos, como do governo federal, que com senso de urgência, relevante interesse interministerial e apreendendo o melhor das experiências internacionais, acertou ao não começar do zero e sim, a partir dos estudos já avançados.
Tenho tido a oportunidade de analisar e debater no CDESS (Conselho de Desenvolvimento Econômico, Social e de Sustentabilidade), ou “Conselhão”, e na Frente Parlamentar pelo Brasil Competitivo, uma versão já bastante estruturada deste projeto de lei. Não tenho dúvidas que está se desenhando uma ótima solução, inspirada no melhor das experiências externas moldadas com visão brasileira, com potencial de ser um dos mais avançados e efetivos mercados de carbono do mundo.
Escolhas críticas, como um mercado regulado tipo “cap&trade”, integração com mercados voluntários, opção por ativos mobiliários, comitê gestor independente, entre outras, apesar de sua complexidade e dos desafios que não serão pequenos em sua implementação, vão na direção certa. Um imposto sobre carbono (carbon tax) seria bem mais simples, não se discute, mas, como já mostrou a experiência internacional, seria infinitamente menos efetivo na descarbonização e na criação de oportunidades de investimentos em economia verde.
Como bem explicado pelas secretárias Cristina Reis e Ana Toni dos Ministérios da Fazenda e do Meio Ambiente, que têm liderado o tema em suas pastas, estima-se um tempo mínimo de três a quatro anos para implementação efetiva do novo mercado, considerando a regulamentação infralegal completa, o desenvolvimento da metodologia de certificação, sistemas de registro robustos, um período de mapeamento das emissões para formação da base, a elaboração do plano nacional de alocação, um tempo de operação com cotas gratuitas, até, enfim a efetiva negociação dos ativos no mercado.
Isto dito, e sem que se atrase de alguma forma sua tramitação, parece tempestivo ainda propor mais um decisivo avanço a esse projeto. O RenovaBio (Politica Nacional de Biocombustíveis) é a primeira experiência do Brasil em instrumentos de descarbonização. Em seus mais de três anos, já foram emitidos mais de 100 milhões de CBIOs (créditos de descarbonização), ultrapassando a marca de R$ 8 bilhões em volume negociado. Muito aprendizado se formou desde então e já se discutem importantes melhorias para ajustar o sistema de oferta e demanda, reduzir sua volatilidade e torná-lo mais efetivo como instrumento indutor do aumento sustentável da produção de biocombustíveis.
Em paralelo, cite-se outra relevante iniciativa rumo à industrialização verde, o projeto Combustíveis do Futuro. Iniciativa do CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), liderada pelo secretário de Petróleo, Gás e Biocombustíveis do Ministério de Minas e Energia, Pietro Mendes, e fortemente apoiada pelo secretário de Economia Verde do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Rodrigo Rolemberg, que estimulará de forma decisiva a produção do HVO (Diesel Verde), do SAF (Combustível Sustentável de Aviação), entre outros combustíveis avançados. Esses projetos trarão novas soluções e uma oportunidade indutora para darmos um salto decisivo na evolução do RenovaBio.
O CBIO, instrumento hoje usado para monetizar os esforços dos produtores de biocombustíveis, ainda não se configura tecnicamente como um crédito de carbono, sendo uma iniciativa que busca estimar as emissões evitadas ao substituir combustíveis fósseis. Por outro lado, se corajosamente ousarmos rever sua metodologia, fazendo-a convergir na direção do regramento do futuro SBCE, incorporando questões como uso da terra e rastreabilidade, incentivaremos a transição energética de forma mais robusta e fomentaremos cadeias sustentáveis de biocombustíveis, somando aos novos combustíveis avançados e tecnologias que estão sendo desenvolvidas. A evolução do RenovaBio contribuirá para que biocombustíveis sejam comercializados internacionalmente, habilitando-os aos incentivos dos mercados globais, o que será fundamental para a competitividade do Brasil no setor de energia verde.
Fica aqui, portanto, a provocação para incorporarmos ao projeto de lei do Novo Mercado de Carbono uma menção ao conceito e à necessidade de se regulamentar no prazo devido a evolução do RenovaBio. E, em tempo de implantação deste novo mercado, avançarmos na evolução da metodologia de emissão de CBIOs. Desta forma, não só as partes obrigadas do programa poderiam futuramente adquirir créditos de carbono de diferentes fontes e abater de suas metas anuais, como os produtores emissores de CBIOs, agora créditos, poderiam dispô-los voluntariamente no novo mercado, conferindo enorme liquidez e estabilidade na formação de preços já no início da efetiva operação do mercado brasileiro de carbono.
Ganham produtores de biocombustíveis. Ganham partes obrigadas. Ganham futuros investidores em energia verde. Ganha a sociedade brasileira com a maior criação de riqueza. Ganha o planeta com uma transição energética mais rápida e mais segura.