Fernanda Martinez Campos Cotecchia* e Raphaela Esperança Lepsch**
Em uma sociedade preocupada com o futuro do mundo, onde se evitam desperdícios e tenta-se reciclar sempre que possível, todas as mudanças que visam a eficiência energética e ecológica têm atraído grande atenção mundial
Os governos e instituições financeiras, brasileiras e estrangeiras, passaram a enrijecer a regulação ambiental e endossar o financiamento de projetos sustentáveis. O crescimento e interesse em um mundo mais sustentável é um dos assuntos mais discutidos mundialmente. Se antes os trens eram sinônimos da uma fase de industrialização poluente, hoje o transporte ferroviário está se tornando um dos grandes aliados de uma possível “revolução verde”.
Vale lembrar que mesmo uma locomotiva movida a óleo diesel é consideravelmente menos poluente que qualquer um dos demais modais de transporte, tendo em vista a quantidade de carga – ou de pessoas – que um trem consegue transportar, muitas vezes em menos tempo, se consideramos fatores como o trânsito ou tempo de deslocamento entre aeroportos e o destino final.
Diversos projetos de infraestrutura que visam a construção e a expansão de ferrovias têm buscado a obtenção do Selo Verde emitido pela organização britânica sem fins lucrativos chamada Climate Bond Initiative. Nesse sentido, para que possa certificar que determinado produto ou serviço esteja de acordo com os parâmetros de sustentabilidade, é analisado todo o processo produtivo do requerente do Selo Verde para que ele esteja apto a ser certificado como ecologicamente correto.
No Brasil, existem três certificadores aprovados pela citada organização britânica. Assim que os documentos de certificação estão prontos, são submetidos à organizaçãobritânicapara revisão e aprovação.
O Selo Verde é de grande importância para o setor ferroviário, tendo em vista que é capaz de atrair estruturas internacionais de apoio financeiro focadas em investimentos sustentáveis, como os green bonds (ou títulos verdes – modalidades de investimento os quais levantam recursos para soluções que apresentam benefícios ambientais) para o seu desenvolvimento.
Foi com esse intuito que, em 18 de setembro de 2023, o governo brasileiro anunciou, pela primeira vez, o oferecimento, no mercado financeiro internacional, de títulos da dívida externa com critérios sustentáveis. Ou seja, uma modalidade de títulos verdes.
Com esses novos títulos, comercializados inicialmente na bolsa de valores de Nova York, o governo pretende captar até US$ 2 bilhões apenas nos Estados Unidos. O valor será usado exclusivamente para financiar ações sustentáveis, como adaptar a indústria brasileira a essa nova realidade de combate às mudanças climáticas.
Existem ainda algumas maneiras de transformar o transporte ferroviário mais ecológico, eficiente e apto para buscar certificação do Selo Verde: a eletrificação das ferrovias, locomotivas movidas à bateria e utilização de biocombustível.
Eletrificação das Ferrovias
De início, vale comentar o custo da energia elétrica é menor do que o custo com o diesel e, tendo em vista que os custos com combustível representam aproximadamente um terço do custo operacional de ferrovias, fica evidente o quanto isso é relevante para o operador ferroviário.
A rede de energia elétrica é abastecida por diversificadas fontes geradoras, de modo que o operador ferroviário não ficará tão exposto às oscilações do preço do petróleo. Também no tocante à geração de energia, ferrovias eletrificadas tem um grande potencial de gerar desenvolvimento regional, eis que é necessário montar uma infraestrutura de geração e distribuição de energia para servir a linha férrea.
Contudo, nenhuma das ferrovias brasileiras possui infraestrutura para locomotivas elétricas. A adaptação de ferrovias já existentes pode não ser economicamente vantajosa ou viável.
Locomotivas movidas a Bateria
As locomotivas movidas a bateria podem se dividir em duas subcategorias: as abastecidas por energia e as movidas a hidrogênio verde (H2V).
A locomotiva à bateria convencional não necessita de equipamentos especiais, e a rede ferroviária tampouco exige adaptações. A realimentação da bateria acontece pela conexão de pantógrafos no teto dos vagões com as catenárias, que não precisam acompanhar todo o trajeto da linha férrea, já que o trem é capaz de se movimentar com a energia armazenada nas baterias.
Utilização de biocombustível
Por se tratar de medidas que demandariam altos investimentos e pela urgência da questão climática, a solução mais célere e menos custosa de se reduzir emissões seria por meio da utilização de biocombustíveis. Dois exemplos desses combustíveis são o biodiesel e óleo vegetal hidrotratado (HVO), também conhecido como diesel verde.
Por outro lado, um dos possíveis impeditivos da expansão do uso do biodiesel é o seu preço, sendo maior que o do diesel fóssil. Apesar disso, muitas empresas atuantes no setor ferroviário têm aumentado a composição do biodiesel utilizado em suas locomotivas em prol da redução de suas emissões.
Não se pode esquecer que o setor de transporte é responsável por uma parcela considerável das emissões de gases. No Brasil, o transporte de cargas responde por 7% da liberação de CO2 atualmente e, ao assinar o Acordo de Paris, o país assumiu compromisso de reduzir o volume de gases poluentes na próxima década em 43%. Portanto, essa meta não poderá ser cumprida sem que sejam feitas mudanças na matriz nacional de transportes. Essas mudanças já estão sendo debatidas no exterior, a exemplo da França e da Alemanha.
O aumento da malha ferroviária já é uma nova realidade brasileira e está em constante desenvolvimento, podendo passar a ser um modal mais sustentável.