Fernando Amorim Teixeira* e Gustavo Teixeira Ferreira da Silva**
Destravar investimentos em setores de infraestrutura é um dos maiores desafios associados às mudanças climáticas. Infraestruturas sustentáveis e resilientes são aquelas planejadas, projetadas, construídas, operadas e desativadas de modo a garantir a sustentabilidade econômico-financeira, social, ambiental e institucional durante todo o ciclo de vida de um projeto. Nelas, a identificação dos “sujeitos” envolvidos (indivíduos, comunidades, instituições, estados, agentes privados, entre outros) e do “objeto” a que este sujeito está exposto são partes constitutivas, dado que irão definir os riscos associados à capacidade adaptativa e de reação às ameaças e/ou desafios futuros. Deve haver ainda capacidade para lidar com mudanças bruscas, sejam elas de natureza tecnológica, demográfica ou climática.
Recentemente o Banco Mundial divulgou relatório dos investimentos privados em infraestrutura no ano de 2023 (PPI). O documento reúne informações de compromissos de investimentos privados em infraestrutura em137 países de renda média e baixa. Os dados demonstram que o investimento privado no conjunto desses países ainda está muito aquém do necessário para melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, ampliar a produtividade da economia e alcançar o sucesso da adoção de políticas de adaptação e mitigação das mudanças climáticas, não só no setor de energia, mas como em outras infraestruturas.
Em 2023, esses investimentos somaram US$ 86 bilhões, terceiro menor valor em dez anos, superior apenas aos anos da pandemia, 2020 e 2021. O montante representa uma redução de 5% em relação ao ano anterior (e de 27% em relação à média de 2014 a 2019), correspondendo a somente 0,2% do PIB do conjunto dos países analisados. Cabe destacar que, em termos de localização, 47% do total esteve concentrado na China; e em termos de setor, 41% do total foi voltado para investimentos em energia eólica e solar. Ainda segundo o relatório do PPI, a América Latina registrou US$ 15,8 bilhões em investimentos privados em infraestrutura, sendo pouco mais da metade desse montante no Brasil. Contudo, esses investimentos no país caíram cerca de 1/3, e em 2023 representaram míseros 0,38% do PIB brasileiro.
Uma explicação para esse baixo desempenho pode estar nos desafios que esses projetos enfrentam do ponto de vista do financiamento. A existência de incertezas relacionadas à alongada maturação e a dependência de imensos volumes de capital de terceiros são desafios que têm se intensificado no contexto de mudanças climáticas, onde o meio ambiente tende a gerar riscos imprevisíveis aos ativos e acarretar perdas financeiras não antecipadas.
Do ponto de vista dos instrumentos financeiros existentes, a maior parte dos esforços tem se concentrado no desenvolvimento e aprofundamento de mercados de títulos verdes, alternativa que, embora importante, segue baseada em pressuposto fundante dos mercados financeiros pós-liberalização financeira: sua plena capacidade de precificação de riscos associados aos projetos. Essa prerrogativa, entretanto, tem se mostrado bastante inadequada diante da imprevisibilidade dos fenômenos climáticos.
No caso brasileiro, as experiências recentes de financiamento de infraestruturas, mesmo aquelas tradicionais (ou seja, onde, em tese, a precificação de riscos e retornos seria menos complexa de ser realizada), demonstram a existência de um mercado de crédito de longo prazo pouco eficiente no que tange ao aumento dos níveis de investimento. Com juros estruturalmente elevados e câmbio volátil e incerto -, a oferta de recursos a prazos e condições apropriadas aos diferentes ciclos de projetos é, portanto, um nó a ser desvencilhado. Nesse sentido, o governo federal tem anunciado uma série de iniciativas, como o Ecoinvest – Programa de Mobilização de Capital Privado Externo e Proteção Cambial, a Taxonomia Sustentável Brasileira, a Regulamentação do Mercado de Carbono, os Títulos Soberanos Sustentáveis, e a lei que cria as debêntures de infraestrutura.
Ademais, com a aprovação no Congresso Nacional do Projeto de Lei das LCDs (Letras de Crédito de Desenvolvimento), o CMN (Conselho Monetário Nacional) foi autorizado a versar sobre a regulamentação de fundos soberanos subnacionais, hoje carentes de uma resolução específica, o que gera inseguranças jurídicas de distintas naturezas e impeditivos para participarem do ecossistema de finanças sustentáveis brasileiro de forma efetiva.
No contexto de mudanças climáticas, esses fundos podem assumir papel importante nos arranjos de financiamento. Para que isso aconteça, precisarão ser capazes de avaliar a qualidade e a credibilidade dos planos das empresas em que investem, incluindo empresas estatais, assim como a capacidade de adaptação aos seus modelos de negócio.
Outro desafio é compreender como essas mudanças afetam a gestão de seu portfólio, abrangendo desde a estratégia de investimento até as operações financeiras. Formas de compartilhamento de riscos com outros atores financeiros em estruturas de blended finance, cofinanciamento, financiamento híbrido, são possibilidades importantes e os meios de utilização de instrumentos como títulos verdes e azuis e de cotas de participação em fundos de investimento sustentáveis têm gerado grande interesse, pois atendem perfeitamente a esse perfil de investidor.
Por fim, a promoção de grandes investimentos de impacto depende da capacidade dos fundos de relatar os impactos ambientais, sociais e econômicos de suas atividades. A adoção de práticas de monitoramento, relato e verificação, tem recebido especial atenção de gestores públicos e privados. Os fundos subnacionais brasileiros estão bem-posicionados para participar de maneira efetiva dessa mudança de paradigma, construindo seu compromisso com a sustentabilidade social e ambiental em estados e municípios e atraindo grandes fundos internacionais para projetos estratégicos.
Em suma, somente com uma abordagem integrada, que inclua novas estruturas de financiamento e formas de cooperação e complementariedade entre os diferentes agentes econômicos, será possível aumentar os níveis de investimento incorporando sustentabilidade e resiliência aos projetos.