Jade Abreu e Leila Coimbra, da Agência iNFRA
As hidrelétricas vêm sofrendo um processo de “demonização”, segundo Paulo Arbex, presidente da Abrapch (Associação Brasileira Pequenas Centrais Hidrelétricas e Centrais Geradoras Hidrelétricas).
A geração a partir de outras fontes limpas, como eólicas e solares, vêm ganhando o espaço que pertencia à geração hidráulica. Mas, na visão do executivo, essa guerra não tem sido justa. “Para entrar no mercado, a ideia é demonizar as hidrelétricas. Achar todos os defeitos imagináveis no concorrente e fazer uma propaganda muito bem-feita. E eles foram muito competentes ao fazer isso. Venderam que a hidrelétrica é um satanás”, disse Arbex.
“Como você entra em um mercado onde o seu concorrente tem a fonte de geração mais barata, mais limpa e estável que existe? Com propaganda negativa”. Ele disse que existem usinas hidrelétricas há 135 anos em operação, com energia limpa e barata, sem problemas. “Itaipu vai durar 500 anos”, afirmou.
Arbex afirmou que no início de sua carreira no setor elétrico chegou a avaliar investimento em outras fontes, inclusive a eólica: “Escolhi as PCHs porque achei que o Brasil fosse fazer o melhor para o Brasil, mas não contei com os lobbies, com propagandas enganosas e com outros mecanismos que sempre vingam. Mas, se o governo continuar dando esses incentivos para todas, menos para a hidrelétrica, eu acho que vou queimar diesel também, óleo pesado. Vou fazer o quê? Falir a empresa?”, disse o executivo
A seguir, os principais trechos da entrevista do presidente da Abrapch para a Agência iNFRA:
Quais são as vantagens das PCHs quando se compara com as fontes concorrentes?
O melhor custo: é muito mais baixo do que das outras. Outra questão é a intermitência, a eólica e a solar são intermitentes. Essa intermitência é um problema sério. Hoje, a eólica e a solar são muito dependentes principalmente de hidráulica de grande porte, de reservatório, e de térmica fóssil. Essa situação está causando um monte de distúrbio elétrico.
As eólicas estão todas localizadas no Nordeste. E o perfil do vento no Nordeste é muito concentrado pela madrugada, por volta ade 1h da manhã até às 5h. Esse é o período de melhor vento e nesse horário a demanda está em 40%. No horário de pico do consumo, venta-se pouco. Outra coisa é a localização: quando se constrói uma linha para fazer o sistema, isso não entra na tarifa para recompor a eólica. É um valor que é rateado entre todos os consumidores. Isso também aconteceu com hidrelétricas, mas você acaba mascarando qual é o custo real da tarifa de cada um.
A PCH geralmente está próxima do consumidor. Elas são pequenininhas e não têm esse benefício. O governo não vai lá e constrói uma linha. Nós que construímos as nossas próprias linhas.
Como o senhor tem avaliado os últimos leilões?
Os últimos leilões foram péssimos. O governo tem contratado só eólica, solar e térmica. No leilão de 2017, o Brasil comprou gás liquefeito importado. O governo ficou dois anos dizendo que não contratava porque não havia demanda e na última hora contratou as térmicas movidas a gás importado. Não me parece ser do interesse nacional contratar gás importado.
Por que?
Essas usinas nem começaram a ser construídas e o custo do combustível deve ter aumentado 30% porque o dólar subiu e o petróleo também. O produtor da termelétrica fóssil repassa todos os custos ao consumidor. É como dar um cheque em branco para as termelétricas fósseis. O petróleo é nacional, mas é uma commodity. Esses preços são em dólar. A usina nem começou a ser construída e já custa 40% mais cara. Já a minha tarifa é IPCA. Por que não é assim com todo mundo?
A competição entre as fontes nos leilões é desigual?
Há 15 anos, a contratação das PCHs não sai dos 2% nos leilões. É muito pouco. São priorizadas as térmicas fósseis, a eólica e a solar. O governo nos diz que são muito poucas as usinas cadastradas, e que tem de contratar pouquinho para estimular a competição. Que promoção de competição é essa que se contrata 2 mil megawatts de térmica a R$ 300 em vez de contratar a PCH por R$ 280, por exemplo? Isso está prejudicando o consumidor.
Nos últimos 15 anos foram feitas grandes usinas hidrelétricas…
O problema das hidrelétricas é que as grandes são quase todas estatais. O presidente de hidrelétrica que tentasse defender ou que fosse contra as bobagens que a Dilma [Rousseff] fez no passado era exonerado. Então, o pessoal das hidrelétricas ficou assistindo a isso por 15 anos sem se defender. Essa postura ficou viciada. Nós somos uma das associações mais combatíveis. Eu acho que a gente não pode ficar apanhando calado.
Mas existe um problema grave que as hidrelétricas enfrentam atualmente que é a questão da falta d’água, inclusive com o problema do GSF…
Mas se falta água, nós assumimos o risco e nós pagamos. Tem essa coisa do GSF aí que não é nem uma coisa justa. O nosso sistema de reservatórios foi planejado para fazer uma função, que era aproveitar a diversidade de bacias hidrográficas – quando está chovendo em uma, há a seca na outra – para fazer uma gestão dividindo o uso. O Brasil é um país hídrico e durante 50 anos nunca se faltou energia. As hidrelétricas começaram a serem feitas em 1950. Até 2000, nunca havia tido um apagão e a gente tinha a energia mais limpa e barata do mundo. Esses grandes reservatórios eram feitos para não se faltar energia nunca porque foi dimensionado para eles se completassem.
Mas foram jogando uma série de coisas para eles, como cobertura de intermitência de eólica e de solar, problema de linhas de transmissão, falta de gás para as térmicas. Tudo isso foi jogado para as hidrelétricas cobrirem. O que era para ficar parado enchendo, em um período seco, jogaram para a hidrelétrica e não se consegue encher mais. Isso é até ilegal. Estão jogando um custo e uma responsabilidade nas hidrelétricas que não é delas. E quando falta a energia e precisa gerar a térmica a gente ainda paga no valor integral. Desconsideram o que foi gerado.
Você diz que a fonte tem sido preterida. Na sua avaliação, qual o motivo disso?
Política econômica. É a percepção dos meus associados, juntando um monte de informação que fomos tendo nesse período. O Brasil tinha uma matriz que era 85% de hidrelétrica, a energia mais limpa e a mais barata do mundo. Havia um mercado de que se está mudando o setor energético. O petróleo hoje está cada vez mais parecido com o cigarro e ninguém mais quer. O setor energético tem feito uma migração dos combustíveis fósseis para a energia elétrica que é mais limpa e mais eficiente.
Você é um fabricante de equipamento de outra fonte e quer entrar no mercado brasileiro, mas aqui tem uma fonte mais barata, mais limpa e mais estável, sem intermitência, sem problema de fornecimento combustível, que dura 500 anos. É a mais durável do mundo. Nós temos usinas com 135 anos, com energia barata e em operação até hoje. Itaipu vai durar 500 anos.
Como você entra em um mercado onde o seu concorrente tem a fonte de geração mais barata, mais lima e estável que existe? Com propaganda negativa. Para entrar então no mercado, a ideia é demonizar as hidrelétricas. Achar todos os defeitos imagináveis no concorrente e faz uma propaganda muito bem-feita. Eles foram muito competentes em fazer isso. Venderam que a hidrelétrica é um satanás, em um processo de demonização das hidrelétricas e de santificação das intermitentes. A estratégia do petróleo é diferente, eles ficam quietinhos.
Como as hidrelétricas podem então lutar contra essa “demonização”? O que vocês pleiteiam?
Estamos fazendo eventos e discutindo a questão. O Brasil, nessa brincadeira, teve uma emissão de carbonos que subiu 700%. Por quê? Na Europa, quando se colocou a eólica e a solar na matriz, você desliga a termelétrica fóssil. Nesses lugares teve um efeito de redução do carbono. Aqui no Brasil, desligaram a hidrelétrica, que tem uma redução menor do que a solar e a eólica. As emissões da hidrelétrica são de 4 gramas por quilowatt-hora. De eólica é de 12 gramas por quilowatt-hora e solar é de 48 gramas por quilowatt-hora. Esse cálculo é feito com toda a emissão de carbono para construir e para operar.
Em um prazo de 500 anos, até a emissão para construir é paga, dilui nesse tempo. Outra vantagem é que a hidrelétrica reverte para a sociedade a custo zero. Ou seja, constrói e investe por 30 anos, no período da concessão, e depois entrega com mais 100 anos e vida a custo zero.
Do ponto de vista da competição entre projetos hidrelétricos qual é a vantagem das pequenas diante das grandes, como Belo Monte, Jirau?
As pequenas estão perto dos pontos de carga. Belo Monte precisa de uma linha de transmissão de 5 mil quilômetros. Quando se junta esse custo da linha e o da produção, as PCHs saem até mais baratas. Em geral, a grande hidrelétrica tem uma escala superior às PCHs, elas conseguem ser mais baratas, mas as PCHs estão mais distribuídas, mais próximas aos centros de carga. Nós ainda temos 21 mil megawatts a ser construídos de PCHs e essa propaganda negativa de que foi feita as grandes hidrelétricas nos prejudicou. Nós somos o efeito colateral. A turma está jogando bomba na grande hidrelétrica, mas nós somos atingidos também.
É complicado porque contamina a opinião do Ministério Público, dos juízes, dos jovens. É muito lobby político. Quando eu comecei a investir em energia elétrica, em 2007, olhei todas as fontes. A primeira foi a eólica, inclusive. Escolhi as PCHs porque achei que o Brasil fosse fazer o melhor para o Brasil, mas não contei com os lobbies, com propagandas enganosas e com outros mecanismos que sempre vingam. Mas se o governo continuar dando esses incentivos para todas menos para a hidrelétrica, eu acho que vou queimar diesel também, óleo pesado. Vou fazer o quê? Falir a empresa?