Flexibilizar regimes de contratação é questão de sobrevivência, diz secretário de Portos [conteúdo patrocinado]

Gabriel Tabatcheik, da Agência iNFRA

“Regimes de contratação mais flexíveis para as empresas estatais é crucial, notadamente para o setor portuário, é questão de sobrevivência”, afirmou o secretário nacional de Portos do Ministério da Infraestrutura, Diogo Piloni, em entrevista à Agência iNFRA. Segundo o secretário, esse é um dos pontos que está em estudo dentro do programa Pró-Brasil, com o objetivo de modernizar a gestão portuária pública e mitigar diferenças de modelo em prejuízo dos portos sob gestão pública.

O processo de desestatização dos portos, que deve começar no Espírito Santo e em São Paulo, preocupa o estado vizinho, Rio de Janeiro, que pode ter seu porto prejudicado pelas amarras legais a que uma empresa estatal está submetida, perdendo competitividade.

A preocupação chegou a ser levantada por Delmo Pinho, secretário de Transportes do Rio de Janeiro, durante o iNFRALive – 110 Anos do Porto do Rio, evento realizado pela Agência iNFRA e pela CDRJ, com patrocínio do Sindoperj (Sindicato dos Operadores Portuários do Rio de Janeiro), do Pier Mauá, do Terminal de Trigo do Rio de Janeiro, da Triunfo Logística, da Multirio Terminais e do ICTSI Rio, e com apoio da associação Logística Brasil (Associação Brasileira de Usuários de Portos, de Transportes e da Logística). O programa completo está disponível neste link.

Sobre as desestatizações, Piloni não descarta adotar diferentes modelos para cada situação. A primeira companhia a ser desestatizada será a capixaba Codesa (Companhia Docas do Espírito Santo), seguida por Santos e São Sebastião, no estado de São Paulo, e Itajaí, em Santa Catarina. No caso da Codesa, o projeto deve ter um modelo misto: a empresa será alienada, mas os ativos portuários serão concedidos por prazo determinado.

O secretário admite que um grande impacto da pandemia de coronavírus no setor poderia adiar o lançamento dos empreendimentos, mas ele não vê motivo para isso no momento. A expectativa é de abertura de consulta pública para a Codesa em novembro deste ano e realização do leilão por volta de setembro de 2021. Santos, São Sebastião e Itajaí devem ir a leilão no primeiro semestre de 2022, “se tudo correr bem”. Confira abaixo a entrevista na íntegra.

O governo tem dito que se inspira no modelo aeroportuário para pensar a desestatização dos portos brasileiros. Mas também é possível encontrar pessoas falando em privatização de ativos, em vez de concessão, que é como os aeroportos estão organizados. Afinal, como se dará a desestatização dos portos? Por privatização ou por concessão?

Nós temos quatro projetos no pipeline que já estão qualificados. Temos a Codesa, que são os portos de Vitória, Vila Velha e Barra do Riacho [no estado do Espírito Santo], e Santos, São Sebastião [São Paulo] e Itajaí [Santa Catarina]. Cada um desses portos tem uma configuração muito diferente, muito distinta uns dos outros. E isso nos leva a crer que talvez a gente lance mão também de modelos distintos para cada um dos casos. E quais são os modelos que estão à mão? São os modelos previstos na lei do PND, do Plano Nacional de Desestatização. Dentro desses modelos, nós temos a alienação. O que o pessoal chama normalmente de privatização, na verdade o nome correto é alienação. Que é uma das modalidades da lei do PND. A alienação é a venda mesmo, efetiva, ad eternum, sem reversão ao final de algum prazo.

Como a antiga Companhia Vale do Rio Doce?

Exatamente. Mas a lei do PND também tem outras alternativas. Tem a concessão, e ela pode ser uma concessão cheia ou fracionada, um misto entre alienação e concessão. E aí eu vou explicar isso, pois esse é o cenário mais provável para a Codesa, que é o primeiro exercício que nós estamos fazendo. Mas temos também outros modelos. A venda de ações, a abertura de capital ou IPO [Initial Public Offering, na sigla em inglês para Oferta Pública Inicial] também são alternativas. Então, a gente vai, conforme o caso, lançar mão daquilo que mais se adéqua à realidade de cada um desses portos.

A Codesa, que é, como eu disse, o primeiro da lista, já está um pouco mais claro de qual deve ser o modelo. A Codesa tem vários ativos. Ela tem Vitória e Vila Velha, que, no final das contas, é o mesmo porto em cada uma das margens lá do canal. E tem Praia Mole e ainda Barra do Riacho, que é uma área greenfield, são 500 mil metros quadrados disponíveis para expansão da companhia.

Portanto, o modelo tende a ser um misto de concessão e alienação. É um formato muito usual, as distribuidoras de energia tiveram a mesma configuração. Que funciona assim, eu alieno o CNPJ da empresa, com todos os ativos e passivos. Pessoal, equipamentos, passivos previdenciários, trabalhistas. Alieno a empresa, a “casca”. Mas aí o porto, a gente concede. Os ativos operacionais, compostos por canal de acesso, o acesso terrestre, tudo isso será concedido por um prazo determinado e revertido à União depois desse prazo.

Então somente a empresa seria vendida, e os ativos operacionais seriam concedidos.

A empresa, Codesa, seria, de fato, alienada. E os ativos operacionais, concedidos. E aí Barra do Riacho, como é greenfield, a nossa percepção não é muito clara com relação a qual seria a sua vocação natural. Os estudos que temos realizado não identificam com clareza. Então é bem possível que, nesse modelo, Barra do Riacho seja atribuída a esse concessionário com mais graus de liberdade do que Vitória e Vila Velha. Nessas, teremos um modelo que vai dizer quais as premissas, vai ter um PDZ [Plano de Desenvolvimento de Zoneamento] estabelecido no edital da concessão.

Mas em Barra do Riacho, eu tenho uma possibilidade de entregar para esse privado. Inclusive alienando a área, indo além da entrega com reversão ao final do contrato, dando total liberdade para que esse privado, esse concessionário, detentor da “Nova Codesa”, digamos assim, tenha condição de explorar aí a atividade que ele enxergar interessante. Porque existem sinergias que não são enxergadas pelo poder público. E a iniciativa privada é muito mais hábil para identificar esses potenciais.

Esse modelo de desestatização da Codesa ocorrerá também com outros portos?

Esse é o modelo mais provável para a Codesa, mas isso não significa que os outros terão o mesmo destino. Santos, por exemplo. Há um debate já acontecendo, se seria o caso de ter uma concessão como a que planejamos para a Codesa ou se teremos um IPO, uma abertura de capital. Isso ainda será objeto de estudo. Para o porto de Santos, nós estamos ainda começando os estudos. A nossa perspectiva é, nos próximos dias, já ver o processo do BNDES de contratação das consultorias concluído do ponto de vista operacional. Ainda faltando trâmites administrativos, mas com as propostas já avaliadas, analisadas.

E tudo nos faz crer que, em meados de início de setembro, a gente deve ter já um corte desse projeto, ou seja, um estudo já efetivamente realizado, com a reunião de kick off com o ministro, e a equipe com as consultorias contratadas pelo BNDES. Isso para Santos e São Sebastião, que estão no mesmo pacote.

Como fica a questão da autoridade portuária nesse modelo que vocês estão estudando para a Codesa?

O cenário mais provável é que tenhamos o que a gente tem denominado de “landlord privado”. Quem é do setor sabe que o mais praticado no mundo é um modelo chamado “landlord board”, no qual o titular da autoridade portuária, via de regra pública, é o detentor das áreas, é responsável pelos investimentos em infraestrutura comum. E os operadores, que no Brasil denominamos arrendatários, são responsáveis pela operação, investimentos em superestrutura, armazéns, equipamentos, guindastes.

No modelo que vamos propor para a Codesa, manteremos muitas das premissas do landlord tradicional, com a diferença que essa autoridade será privada, com regras estabelecidas por meio de contrato de concessão. Então, é o que a gente chama de modelo de landlord privado. Ele assume as competências de administração portuária, manutenção de ativos, realização de obras. Mas também assume papéis de autoridade portuária. À exceção de alguns papéis, que a gente reputa intransferíveis. Por exemplo, a regulação, que permanecerá nas mãos da agência reguladora nesse modelo, assim como o planejamento de longo prazo.

O cenário mais provável é que a gente tenha uma manutenção do status quo no que diz respeito a planejamento. Por exemplo, hoje, com autoridade portuária pública, ela elabora o PDZ, o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento, e encaminha ao poder concedente, que é o ministério [da Infraestrutura]. É bem provável que a gente mantenha exatamente esse formato. Regras claras no contrato de concessão, mas que prevejam que alterações de PDZ sejam submetidas previamente à uma análise do poder concedente.

Então, em resumo, na atividade portuária, teríamos um poder concedente, uma agência reguladora e um privado, que assumiria os papéis de administração e a maior parte dos papéis de autoridade portuária.

Falando um pouco sobre concorrência, como é que vocês vão tratar essa diferença entre um porto totalmente público, como, por exemplo, o Porto do Rio de Janeiro, e um porto privado? Pela questão da proximidade, a tendência é que público e privado entrem em competição. E usuários de portos públicos temem ficar para trás. Como é que o governo entende essa questão?

Eu vejo que esse é o famoso problema bom. Se a gente for competente, tiver sucesso na empreitada de traçar um modelo de gestão privada de porto organizado, a ponto de gerar uma percepção de que os demais portos devem aderir ao mesmo modelo, então a gente vai considerar que a política foi um sucesso. É isso o que a gente quer mesmo. Não gerar assimetria, mas gerar um novo paradigma. E a partir daí, a gente teria condição de avançar para outros portos.

Nós temos sido muito objetivos, muito pragmáticos com o programa de desestatização. Não é nosso objetivo pegar todos os 34 portos organizados e fazer desestatizações de todos de uma só vez. Nosso objetivo é deixar um bom legado. Ao deixarmos um bom legado, nós acreditamos que teremos um processo natural de adesão a um modelo novo, mais eficiente.

Assim como foi o setor aeroportuário, em que hoje vemos uma procura elevada de estados e municípios requisitando o modelo de gestão privada para os aeroportos. Mas mesmo aqueles que permanecem sob gestão pública tem um outro patamar de qualidade. Mesmo os aeroportos que não foram concedidos, a qualidade do serviço prestado subiu, pelo paradigma novo que foi criado. Essa é a expectativa para os portos também.

De uma forma geral, essa diferença de modelos já é uma realidade hoje. A partir da Lei 12.815/2013, os portos organizados já competem os com terminais de uso privado, com ele inclusive podendo movimentar carga de terceiros. A gente tem uma enxurrada de pedidos de terminais de uso privado para ampliação de objeto, para investimentos em cargas que antes eram somente atendidas pelo porto organizado.

Então, temos duas alternativas para trazer mais competitividade para os portos organizados. Uma é a desestatização. De fato, é uma saída na qual nós estamos investindo bastante energia, porque a gente acha que é efetivo. Mas não é só isso. Também investimos em melhorias de gestão pública. Por exemplo, o projeto de conversão da MP [Medida Provisória] 945/2020, que trouxe uma série de institutos novos.

Conforme eu disse antes, o cenário mais provável é que tenhamos o convívio ainda de portos geridos por autoridades públicas. E para isso é importante que elas também sejam competitivas, porque, ao fim e ao cabo, o nosso objetivo é trazer competitividade para o setor. Não para um modelo ou outro, não há modelo favorito. O porto não é um fim em si mesmo, ele deve atender cadeias. E, do ponto de vista produtivo, a gente vai muito bem. Estamos aí com supersafra, commodities, com resultados muito bons, mesmo em tempos de pandemia.

No curto e médio prazo, os portos públicos não podem acabar ficando, de fato, um pouco para trás?

Eu vejo que não, entendo que não. Temos uma série de melhorias além das que estão lá no projeto de conversão da MP 945 para fazer com que o porto gerido com gestão estatal seja cada vez mais competitivo. Temos agendas atreladas ao Programa Pró-Brasil, no eixo ordem, além de consultorias em campo para identificar pontos que vão trazer ainda mais eficiência, agilidade e flexibilidade para a gestão estatal dos portos pelos próximos dois anos.

Um dos desafios que a gente ainda precisa atender é no que diz respeito à contratação de obras por essas estatais. A obra de dragagem, por exemplo, já é por natureza muito complexa. Quando a gente considera um modelo de contratação via Lei 8.666/1993, a Lei de Licitações, as inúmeras possibilidades de judicialização, de demora e de complicações, isso resulta em insegurança quanto à manutenção das profundidades dos calados, dos canais de acesso aos portos. Ou riscos de não se fazer a dragagem à tempo, e aí com os naturais processos de assoreamento dos canais, de deposição de material, principalmente em portos em foz de rio.

E as embarcações que vem chegando são cada vez maiores. O porto precisa acompanhar esse movimento. Então, fazer com que haja regimes de contratação mais flexíveis para as empresas estatais é crucial, notadamente para o setor portuário, é questão de sobrevivência. Isso está no radar, é um dos pontos de estudo de melhorias institucionais e regulatórias do Pró-Brasil, para que a gente possa mitigar eventuais diferenças de modelo em prejuízo dos portos que continuarão, pelo menos num curto prazo, sob gestão pública.

Quando há um período de instabilidade, o setor privado tende a recuar, em evitar riscos, em ser mais conservador ao assumir novas estruturas. Como a pandemia do coronavírus afeta os planos do governo?

O cenário hoje é surpreendente, muito bom para o setor portuário. A pandemia gerou, sim, desafios que a gente teve que enfrentar ao longo dos últimos meses. Mas um somatório de competência na gestão das empresas e de atuação do Ministério da Infraestrutura e do governo federal somadas a uma manutenção da pujança do setor produtivo fez com que a gente tivesse, no primeiro semestre de 2020, um aumento de movimentação de cargas, mesmo em tempos de pandemia.

No primeiro semestre, tivemos um aumento de movimentação de 4,4% do setor como um todo, considerando portos públicos e terminais privados. E se a gente considera só os oito maiores portos do Brasil, tivemos um crescimento de 6,6%. É um crescimento muito considerável, puxado pelas cargas do agro. Mas veja, surpresas do tipo granel líquido, que era uma preocupação grande, tendo em vista a redução de consumo, combustíveis, natural de um processo de pandemia, de lockdowns.

Ainda assim, mantivemos o crescimento no setor de granel líquido. Contêineres, tivemos redução, mas singela. Algo em torno de 2% no primeiro semestre. Então, não nos gera óbice, nos projetos, a questão da pandemia. É lógico que estamos atentos, principalmente em segmentos específicos. Digamos que o porto de Santos, que tem a maior movimentação de contêineres do Brasil, se a gente percebe um impacto muito grande na movimentação de contêineres neste segundo semestre, podemos vir a ter um cuidado maior com o timing de lançamento dos empreendimentos e tudo o mais.

Mas, por hora, não temos nem motivo para parar projeto algum. Isso vale para desestatização, para arrendamentos também, com a carteira que continua de vento em popa, com bastante interesse da iniciativa privada.

A gente vê a crise da pandemia como oportunidade frente aos nossos concorrentes mundiais. As oportunidades de investimentos que estão sendo lançados no Brasil. Temos dados de pesquisas que a gente contratou para os programas de desestatização, entrevistas com grandes fundos de investimento. A gente enxerga que o momento é muito favorável. O mundo vê o Brasil como oportunidade neste momento.

E os calendários, como estão? No caso dos primeiros, Espírito Santo e Santos, há expectativa de quando será publicado o edital?

Nós temos ainda cronogramas abertos, mais gerais, para os outros projetos, à exceção da Codesa, para a qual a gente já tem um pouco mais de precisão de datas. A Codesa, nossa expectativa é em novembro abrir consulta pública. A fase externa do processo inicia em novembro. O que nos permite, lá para setembro do ano que vem, a gente fazer leilão.

Santos, São Sebastião e Itajaí estão mais ou menos andando paralelos e têm uma expectativa de desenvolvimento dos estudos ao longo do segundo semestre, até talvez o primeiro trimestre do ano que vem, para que a gente inicie, a partir do segundo trimestre do ano que vem, as fases externas, consulta pública, análise do TCU (Tribunal de Contas da União). E aí, se tudo correr bem, no primeiro semestre de 2022 fazer leilão.

Há algo que não foi perguntado e que gostaria de destacar em relação a esses temas de privatização e competitividade?

O nosso esforço no ministério é atuar em todas as frentes. Estamos com uma agenda muito diversificada, que envolve melhorias institucionais, considerando todos os modelos disponíveis de exploração portuária para o país. Tivemos melhorias para o porto público, mas teve também melhorias para os terminais de uso privado. Tivemos enxugamento de cláusulas de contrato que afetou não só arrendamentos, mas terminais de uso privado também.

Mesmo nos modelos que a gente reputa como de sucesso, já eficientes, nós vemos melhorias, principalmente a partir de 2013. Buscamos melhorias incessantes, tanto do ponto de vista institucional quanto do ponto de vista da nossa atuação enquanto ministério, porque muito ainda depende de uma atuação do Estado. E aí infraestrutura e setor portuário estão inseridos nesse cenário, é uma agenda de Estado. Depende de uma visão de longo prazo.

Estamos investindo bastante energia na desestatização por entender que isso vai contribuir, deixar legado para a infraestrutura do país. Mas caminhamos também, como disse, para um modelo de gestão estatal também. Para que, no final das contas, a gente tenha um setor atendendo bem as cadeias logísticas, a movimentação de importação e exportação de cargas.

Vamos também intensificar o uso da cabotagem, aproveitando essa benção que nós temos, que é a condição geográfica do país, uma costa maravilhosa, com muitas vias navegáveis. O transporte aquaviário tem tido revoluções, de melhoria, de atendimento à logística do país, contribuindo naquilo que é nossa missão aqui, como retomada econômica pós-Covid, como tornar o país mais competitivo frente aos seus concorrentes no mundo.

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