Leandro Carelli Barreto*
Nas últimas semanas parte da mídia e vários posts em redes sociais deram bastante repercussão à homologação para operação dos navios de 366 metros de comprimento no maior porto da costa leste da América Latina. Em geral, tanto o teor dessas publicações quanto a cerimônia realizada na sede da SPA (Santos Port Authority) para oficializar a decisão da Capitania dos Portos demonstravam bastante otimismo e um certo clima de “seus problemas acabaram”. Longe disso!
Evidente que trata-se de uma importante e muito desejada conquista para todos os integrantes da extensa comunidade que orbita em torno do transporte marítimo de contêineres, não apenas em Santos, mas em todo o Brasil. Contudo, da maneira como tudo ocorreu, chegou a passar a sensação de “enfeitar a noiva” para o provável processo de desestatização da autoridade portuária de Santos que está por vir.
Saindo da esfera política e trazendo o assunto para um campo mais técnico, é importante, porém, analisar algumas das principais afirmações publicadas:
- “Significa reforçar a vocação do Porto de Santos para ser o Porto concentrador “Hub Port” da América do Sul”:
A depender das restrições operacionais (ex.: atual calado de 14,2m) a homologação poderia na verdade tirar de Santos parte do transbordo realizado atualmente, já que é difícil imaginar que com a falta de navios que existe atualmente no mundo e previsão de entrega de novas embarcações ainda a “conta gotas”, os armadores trariam esses navios para operar com “meia carga“, a menos que pudessem “aliviar a carga” em outro porto antes de entrar em Santos e depois de sair ainda ir “completar a carga” em outro porto;
- “Estamos testando os 366m e vamos testar 400m em breve”:
Muito difícil acreditar que, com a atual demanda do comércio exterior brasileiro, um dia esses navios de mais de 18.000teus de capacidade serão comercialmente viáveis por aqui. Nos últimos 10 anos o crescimento dos navios observado ao longo da costa brasileira se deu majoritariamente por consolidação de serviços em vez de pressão de demanda. Portanto, melhor do que testar os navios de 400m poderia ser focar em oferecer plenas condições operacionais aos navios de 300-336m. Atualmente, 60% dos navios porta-contêiner que operam regularmente em Santos enfrentam algum tipo de limitação de calado (nem que seja aguardar a maré alta para poder entrar/sair a plena capacidade), sendo que cada metro de limitação de calado significa cerca de 750teus não embarcados;
- “A rota Europa-Ásia começam a substituir navios de 366m por outros de 400m, liberando essas embarcações para as linhas da América do Sul”:
Não há no mundo nenhum navio de 366m com capacidade de tomadas suficientes para atender à demanda da carga refrigerada brasileira, ou seja, os navios de 366m que virão para cá precisarão ser docados para readequação ou construídos especialmente para a nossa costa (como ocorria até 2014).
Em outras palavras, esses gigantes até poderão vir a Santos nas próximas semanas (ou meses) para testes, mas ainda deve levar alguns meses (ou anos) até passarem a operar regularmente por aqui. E tudo dependerá de quais serão os próximos passos a serem tomados por Santos (e em qual timing), pois essa boa novidade poderia até causar o efeito exatamente oposto ao que se propõe (tornar Santos o Hub do Brasil), se essa homologação não vier acompanhada por um robusto programa de investimentos na dragagem e adequação do cais santista para 16m, visando permitir a esses gigantes operarem com plena capacidade.
Ao mesmo tempo que ouvimos rumores de que o porto já estaria dragado para 15m, restando apenas alguns testes para a homologação por parte da Marinha, causa preocupação que a draga contratada pelo porto esteja fora do país há mais de um mês, e em plena época de chuvas, quando o assoreamento dos canais é naturalmente aumentado. Mais curioso ainda é o fato de os terminais e armadores não terem sido informados sobre essa “paralização temporária” da dragagem.
Conversando com alguns dos principais interessados nesse tema, ouvimos do diretor comercial do Sepetiba Tecon, terminal já homologado para os navios de 366m, Cesar Maas, que: “A notícia é boa, pois, se Santos não estiver apto, o 366m não virá ao Brasil”, muito em linha com o que disse recentemente num webinar o CEO da Maersk, Julian Thomas: “O 366m só virá quando Santos puder operá-lo a full capacity”.
Já o CEO da DPW, Fabio Siccherino, acredita que: “Essa homologação é fundamental para consolidar o caminho que o Porto de Santos vem trilhando, mas será necessário oferecermos acessos aquaviário e terrestre compatíveis, para de fato atingirmos os objetivos”.
Para Paulo Bertinetti, presidente do Tecon Rio Grande, “de alguma forma as operações dos navios acima de 336m tem que começar e a homologação de Santos é decisiva para puxar o desenvolvimento dos demais portos brasileiros para essas operações, bem como investimentos em VTMIS para tornar as condições de navegabilidade nos canais menos subjetivas”. Contudo, o representante do porto gaúcho, que também já está homologado para os navios de 366m, diz que ainda não vê pressão da demanda para esses navios: “A não ser que ocorram novas consolidações de serviços e definição de outros hub ports (centro, sul e norte brasileiros), sendo o principal alerta os possíveis altos custos gerados nessas manobras”.
A portaria da Marinha que homologou os navios de 366m em Santos determina que esses navios precisarão de: dois práticos, quatro rebocadores, velocidade máxima seis nós etc., e isso tudo sem falar numa possível mudança no modelo de cobrança da Tabela 1 (tarifa paga pelo armador à autoridade portuária para navegar no canal) de quantidade movimentada para Tonelagem Bruta do navio.
Ou seja, ainda que esse navio conseguisse operar a full capacity, todos esses “detalhes” certamente “comeriam” boa parte dos ganhos de escala esperados com utilização de navios maiores e, portanto, a homologação dos 366m em Santos significa apenas um primeiro bom passo de uma longa caminhada até que isso consiga efetivamente contribuir para uma almejada redução do Custo Brasil.