Massami Uyeda Junior*
Segunda geração das concessões rodoviárias, 25 anos depois
A realização do leilão da concessão da Rodovia Dutra ainda em 2021 confirma a evolução de um modelo de parceria público-privada na realização de investimentos em infraestrutura e na prestação de serviços públicos, concebido e desenvolvido com sucesso no Brasil há mais de 25 anos.
Chegamos na 2ª geração das concessões de rodovias no Brasil. Um novo modelo de negócio que se mostra mais evoluído e que permite a expansão para novos trechos rodoviários, a definição de montantes arrojados de investimentos – R$ 14 bilhões para uma única concessão – e a incorporação de soluções tecnológicas de gestão de tráfego que no passado eram inconcebíveis.
Os avanços no modelo de concessões rodoviárias são indiscutíveis também na perspectiva do interesse dos novos investidores e operadores. As novas oportunidades deverão atrair significativo capital financeiro que ao longo das últimas décadas aprendeu e adquiriu confiança para investir nas parcerias público-privadas de longo prazo com os governos.
Os desafios da 1ª geração
Boa parte dos atuais investidores e profissionais envolvidos na avaliação da nova oportunidade não se recorda da situação da Rodovia Presidente Dutra antes de 1996. A principal ligação rodoviária do país sofria da grave falta de recursos orçamentários do extinto DNER para sua manutenção, conservação, e sequer havia para a implantação de melhorias. Acidentes e engavetamentos eram corriqueiros e diários, e o total de óbitos anuais era equivalente a um desastre aéreo de um 737.
A primeira concessão da Rodovia Dutra, em 1996, foi pioneira no enfrentamento de vários desafios inéditos e que hoje têm soluções óbvias. A cobrança de pedágio enfrentava o preconceito das experiências mal-sucedidas da cobrança direta pelo DNER ou mesmo da implantação do malfadado selo-pedágio.
A infraestrutura por sua vez estava em condições precárias, tanto assim que a concessionária Nova Dutra no seu primeiro mês de operação enfrentou o rompimento completo de uma ponte por falta de manutenção. Itens básicos de segurança viária, tais como sinalização horizontal e vertical, eram inexistentes. Esta precariedade no estado físico da rodovia garantia-lhe anualmente o título de “estrada da morte” desde os anos 1980.
E havia, ainda, o desafio do financiamento do projeto para a execução dos investimentos obrigatórios. Em moeda da época era necessário alavancar recursos privados em montante superior a US$ 450 milhões. Para os mais jovens, vale contextualizar o Brasil em 1996: um plano econômico ainda em fase de teste, não havia certeza da estabilidade macroeconômica do Plano Real. Um marco regulatório recém aprovado, não havia certeza da eficácia judicial da lei 8.987/95. E taxa básica de juros da economia superior a 30% a.a., não permitindo a contratação de linhas de crédito de longo prazo, nem mesmo com o BNDES.
Como enfrentar os desafios do pioneirismo? Linhas de crédito de longo prazo foram negociadas com organismos multilaterais em moeda forte, sem qualquer hedge cambial; a tecnologia operacional foi adquirida da experiência europeia; e a engenharia genuinamente brasileira foram o ferramental que a 1ª geração das concessões rodoviárias se socorreu para o seu sucesso.
Caminhos pavimentados para inovações
A estabilidade do marco regulatório, após alguns percalços iniciais que foram superados por importantes decisões judiciais, foi o principal elemento para a conclusão bem-sucedida do primeiro ciclo, sendo condição fundamental para a evolução e consolidação da nova geração de concessões de rodovias que se aproxima.
Importante ressaltar que a primeira década dos contratos de concessão, ainda nos anos 1990, foi um importante momento para a estabilidade macro regulatória, ou seja, para a consolidação jurisprudencial de direitos e obrigações básicos das parcerias público-privadas: a manutenção da equação econômico-financeira; a integridade tarifária e as renegociações equilibradas dos programas de investimentos. Já nesta década mais recente dos contratos de concessão, o foco principal foi o refinamento regulatório em termos de fiscalização e transparência dos contratos. Sendo esta evolução regulatória que fundamenta e pavimenta as inovações da nova concessão da Dutra.
Estruturas tarifárias que já consideram o uso intensivo da tecnologia permitirão a implantação de cobranças free flow, de descontos tarifários para usuários frequentes, de diferenciação tarifária para pistas simples e pistas duplas e, quem sabe a aplicação de incentivos de tráfego em determinados horários do dia visando a otimização da infraestrutura. E da mesma forma, o uso intensivo da tecnologia permitirá o monitoramento online de 100% da rodovia visando a máxima segurança viária e atendimento aos usuários.
Em termos financeiros, é inegável o avanço alcançado pelas concessões e PPP nas últimas décadas. Desde um passado com um cenário de crédito escasso para os investimentos em infraestrutura evoluímos, hoje, para múltiplas oportunidades de investimentos em diversas companhias privadas que investem e exploram o setor. Fundos de investimentos especializados em projetos de infraestrutura financiam os projetos com sofisticadas estruturas de dívida e/ou equity. Finalmente o grande capital financeiro já não mais receia o setor, pelo contrário, incentiva e garante uma competitividade inédita no acesso às oportunidades.
Ganhos da sociedade
Importante contribuição que as concessões de rodovias da primeira geração trouxeram foi a confirmação de que a capacidade empreendedora do capital privado quando aplicado na exploração de projetos de infraestrutura e na prestação de serviços públicos, devidamente regulados e fiscalizados, traz ganhos econômico-sociais positivos e exponenciais.
A redução dos acidentes e óbitos geram impactos econômicos e sociais indiscutíveis. A fluidez e segurança viária e a expansão da infraestrutura reduzem o chamado Custo Brasil, sem contar com milhares de novos empregos gerados e milhões de novos impostos recolhidos. Sendo que o uso intensivo da tecnologia trará conforto e universalização na prestação dos serviços. Sendo que todos estes benefícios continuarão a ser percebidos na nova concessão da Dutra por outros 30 anos, não há como errar!