A extensão do apagão de dados no Brasil: desafios e oportunidades

Luiz Ugeda*

O apagão de dados do Ministério da Saúde, no final do ano passado, decorrente de ataque cibernético ocorrido a 9 de dezembro, inviabilizou, por exemplo, que o país pudesse analisar os números de casos e de óbitos por Covid-19 a cada semana epidemiológica, além do nível de transmissão da doença. Essa situação descortina inúmeras preocupações sobre como devemos tratar o dado público, qual tipo de gestão aplicar e como contingenciar a ausência de dados em momentos de crise. 

Gerir dados públicos se consolida, cada vez mais, como um setor de infraestrutura. Isso se justifica por força dos conceitos básicos do Law and Economics: princípios da eficiência, transparência, mas, principalmente, da unicidade do dado público. É como se fosse um monopólio natural: o dado deve ser produzido uma vez e usado várias vezes, e não produzido várias vezes para se usar uma única vez, pois é antieconômico e traz insegurança jurídica, uma vez que dados pretensamente iguais podem trazer inconsistências entre si.

Não estamos falando dos dados privados, que passam, de certa forma, a ser acompanhados pela ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), órgão criado basicamente com atribuições de fiscalizar o tratamento de dados pessoais. Mas do dado público que, note-se, não corresponde a uma verdade real, absoluta e inquestionável, pois a apuração de dados sempre está exposta a eventuais questionamentos e erros. Um dado censitário, financeiro ou cartorário passa muitas vezes por autodeclarações de pessoas físicas perante o Censo do IBGE, o Imposto de Renda, a Receita Federal ou mesmo os cartórios. A importância de se ter um dado público é conhecer a verdade formal do Estado brasileiro, que ele possa nortear as atividades nacionais, estaduais, municipais e distritais, e também ser questionado quando houver inconsistências.

O setor de infraestrutura de dados, enquanto infraestrutura da infraestrutura, emerge mundo afora como a solução para identificar esta verdade formal estatal. Os Países Baixos foram os primeiros no mundo a terem infraestrutura que combina dados de pesquisa, dados de registro e uma superinstalação informática em um ambiente seguro. Diversos países acompanham esse novo olhar sobre os dados públicos.

Há exemplos como o da Estônia, que transformou seu instituto de estatística em uma agência nacional (Statistikaamet), oferecendo dados de diferentes fontes, apoio à utilização de dados e às estatísticas oficiais clássicas. Há a experiência neozelandesa com a IDI (Infraestrutura de Dados Integrada), que apoia as agências governamentais para construir sua capacidade e gerenciar os dados que possuem como um valioso ativo estratégico. Ou mesmo o exemplo mexicano, talvez o mais próximo do brasileiro por ser o Inegi (Instituto Nacional de Estatística e Geografia) uma espécie de “IBGE 2.0”, com a geografia, cartografia e estatística de Estado em uma mesma casa. Porém, os mexicanos têm capacidade regulatória e autonomia orçamentária, o que os aproxima do conceito de agência reguladora enquanto autarquia especial.

Para além das disputas políticas que vivemos, é fundamental nos comprometermos com a gestão ativa de dados em toda a administração pública, de forma a facilitarmos o acesso a dados por meio de normas, estruturas e políticas públicas com essa visão. Se dados são o petróleo do século 21, e drones, aviões e satélites mineram dados como se o Brasil fosse um enorme Pré-Sal de informações, apagões como os que têm ocorrido devem ter como resposta a estruturação de um nascente setor de infraestrutura de dados que traga uma visão adaptada aos novos desafios e possibilite o compartilhamento e a colaboração entre diferentes setores e a sociedade.

*Luiz Ugeda é advogado e geógrafo, pós-doutor em Direito (UFMG), doutor em Geografia (UnB) e fundador do Geocracia.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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