A regulação dos sistemas de armazenamento de energia

Marvin Menezes*, Rafaela Rocha**, Manuela Correia*** e Wallace Almeida****

A transformação no cenário energético é um fenômeno global que busca redesenhar o panorama das fontes de energia utilizadas nos sistemas elétricos. Esse movimento com enfoque especial na inclusão de fontes sustentáveis, como a energia solar e a eólica, visa mitigar os impactos ambientais e reduzir a dependência de combustíveis fósseis.

No entanto, já se sabe que a dinâmica desse processo de transição energética vai variar de país para país, a depender da situação energética local, da complexidade da integração das fontes renováveis e da natureza das mudanças regulatórias associadas a essa transformação.

Nesse contexto, e em específico no cenário nacional, a complexidade da integração das fontes renováveis gera especial preocupação, especialmente diante de algumas necessárias, mas ainda não realizadas, providências de cunho regulatório e normativo.

Uma vez que o Brasil tem enorme potencial e inclusive já se encontra em estágio avançado na produção de energia elétrica a partir de fontes renováveis, de característica intermitente, tema relevante relacionado à integração dessas fontes é o da implantação de sistemas de armazenamento de energia.

Embora possa consistir em prática facilitadora da integração da geração por fontes renováveis ao nosso sistema elétrico, reduzindo os riscos que a sua intermitência traz consigo, a implantação de sistemas de armazenamento de energia ainda é incipiente no país. E uma das causas está justamente na ausência de definições legais e/ou regulatórias para essa atividade no que tange à integração ao sistema, o que dificulta a atração dos investimentos necessários. 

Mesmo que já tenha sido externalizado o interesse de parte relevante de investidores em dar início a projetos de armazenamento de energia elétrica que se integrem à rede interligada no país, a indefinição quanto às condições mínimas para a sua efetivação causa insegurança e acaba por repelir ou adiar – indeterminadamente – a esperada concretização.

Ao menos, as autoridades do Setor Elétrico Brasileiro já reconheceram a importância dessa prática para garantir a segurança e a eficácia da integração de fontes renováveis intermitentes no sistema elétrico, tendo inclusive dado início, algum tempo atrás, a projetos-piloto e iniciativas de pesquisa para avaliar a viabilidade e os benefícios do armazenamento de energia no contexto brasileiro.

Ainda assim, o que se verifica é que, até aqui, pouco havia sido efetivamente feito. Os aspectos regulatórios, que desempenham um papel crucial na viabilidade dos modelos de negócios de armazenamento de energia no Brasil, continuam a carecer de melhor estudo e definição.

Mais recentemente, no entanto, pôde ser observada a intenção de preenchimento das lacunas e, finalmente, o encaminhamento do tema para que a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) estipule, expressamente, as condições regulatórias para o desenvolvimento da atividade no país.

Em 19 de outubro, foi aberta pela ANEEL a CP (Consulta Pública) 39/2023, cujo objeto é a coleta de subsídios para a AIR (Análise de Impacto Regulatório) sobre a regulamentação do armazenamento de energia elétrica no Brasil.

Referida CP 39/2023, na verdade, é etapa já subsequente à uma outra, iniciada ainda em 2020 por meio da TS (Tomada de Subsídios) 11/2020, que objetivou angariar “subsídios para a elaboração de propostas de adequações regulatórias necessárias à inserção de sistemas de armazenamento no setor elétrico brasileiro”.

Essa TS 11/2020 acabou não resultando na definição do que de fato deveria ser objeto de regulação pela ANEEL. Após a etapa de submissão das contribuições pelos interessados, o que verificou a agência foi a existência de grande quantidade de temas e subtemas de muita relevância no que se refere ao armazenamento de energia. Por essa razão, foram divididos e priorizados os temas e subtemas para que o seu tratamento ocorresse de forma apartada, ao longo de um horizonte de tempo maior.

Para o primeiro ciclo definido pela ANEEL, e que deu origem à CP 39/2023, foram contemplados especificamente os temas mais básicos, sem os quais os demais não têm como ser enfrentados – conceitos, especificações e características, outorga, acesso e uso da rede, comercialização e barreiras regulatórias.

Foi, enfim, reconhecido — ou ao menos indicado — na Nota Técnica 61/2023-SGM-SCE-STD-STE/ANEEL, que deu origem à referida consulta pública, que “há impedimentos ou dificuldades na inserção de novas soluções de armazenamento” e que tal problema deve ser resolvido pela ANEEL, especialmente no “contexto de transição energética no Brasil”.

No que se refere às soluções normativas mais especificamente, foi identificada de forma expressa a necessidade de adaptar a regulação de acesso à rede pelas novas tecnologias de armazenamento e a regulação de outorgas à essas novas soluções, bem como a necessidade de avaliar alternativas de estruturas remuneratórias para os tais sistemas de armazenamento.

Inobstante a alteração ou a criação, de fato, das normas não seja objeto da CP 39/2023, que consiste em etapa anterior, dirigida à definição propriamente dita das soluções, revela-se importante que a própria agência (aparentemente) já tenha assimilado as falhas que vêm sendo, há algum tempo, apontadas pelos interessados. E que demonstram a essencialidade da atuação do regulador, uma vez que confirmado que “há poucas referências aos sistemas de armazenamento nas leis, resoluções normativas, Procedimentos de Rede, Regras de Comercialização, editais de leilão, relatórios de planejamento”, e que há “escassez de casos concretos de sistemas de armazenamento outorgados e operacionais” — fatos que aumentam a percepção de risco para a atividade.

De fato, como bem pontuou a Nota Técnica 61/2023-SGM-SCE-STD-STE/ANEEL, não há definição alguma quanto à forma e custos do  acesso para os recursos de armazenamento nas regras de transmissão e nos procedimentos de rede, inexistindo regulação ou referências que definam “qual é o montante de uso do sistema (MUST/D) a se contratar; qual tarifa de uso do sistema se deve contratar (se TUST/D5 geração, TUST/D consumo ou outra); se devem respeitar o limite de proximidade dado pela ADS (Área de Desenvolvimento da Subestação)”.

Daí porque, segundo as áreas técnicas da ANEEL, seria inequívoca a intervenção da agência para a inserção das novas tecnologias de armazenamento, principalmente agora no contexto de transição energética, sendo essa intervenção necessária para “promover a concorrência no mercado de energia, retirar possíveis barreiras, assegurar a qualidade e a eficiência dos serviços, criar um ambiente estável e previsível para empresas e investidores, promover inovação e desenvolvimento econômico, além de proteger os direitos e interesses dos atores, incluindo os usuários finais de energia elétrica.”

Trata-se mesmo de a ANEEL exercer o papel que lhe foi atribuído pela Lei 9.427/1996, como forma de manifestação do Estado no incentivo e no planejamento da atividade econômica (art. 174 da Constituição Federal), e que para a situação em questão, a nosso ver, confirma a importância da efetiva atuação do regulador (e da regulação) sobre determinados temas.

Ainda que a solução possa caminhar a passos lentos, considerando a própria agenda definida pela ANEEL, o estágio atual é mais animador para aqueles que já vêm em busca de algum (ou qualquer) indício de como deverá se dar, ao menos em âmbito regulatório, a adoção da tecnologia de armazenamento de energia integrado ao sistema no país. E ainda há tempo para submissão de contribuições à CP 39/2023, já que o prazo vai até 18 de dezembro.

*Marvin Menezes, sócio responsável pela área de Energia do TAGD Advogados.
**Rafaela Rocha, coordenadora da área de Energia do TAGD Advogados.
***Manuela Correia, advogada da área de Energia do TAGD Advogados.
****Wallace Almeida, estagiário da área de Energia do TAGD Advogados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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