Roberto Rockmann*
A principal diferença no cenário entre a fracassada tentativa de votação do Projeto de Lei 414 no início do ano e a atual retomada das negociações é a capitalização da Eletrobras, sacramentada em junho.
Além das comercializadoras e de algumas geradoras e distribuidoras adeptas à liberalização total, a Eletrobras é agora uma das principais forças impulsionadoras da abertura à baixa tensão. Um desafio urgente da empresa é a descotização da energia das usinas hidrelétricas. Cerca de 8 GW médios de energia da empresa, a partir de janeiro de 2023, à razão de 20% a partir do próximo ano, serão liberados ao mercado livre.
A abertura do mercado para a alta tensão a partir de 2024 e de 42 meses após a sanção do PL 414 contribuem para ampliar a demanda de energia no mercado livre, enquanto a Eletrobras terá mais oferta. O desafio serão os preços, o que exigirá à estatal uma série de estratégias diferentes, da comercialização de I-Recs ao destravamento do mercado de flexibilidade.
A força para aprovação aumentou e as chances de votação do PL 414 também, independentemente do resultado das eleições. Uma das principais razões é a intenção de o Centrão querer consolidar o Brasduto e seu financiamento, necessidade que ganhou importância depois do resultado do leilão de 30 de setembro, que não contratou toda a energia prevista, ficando com blocos licitados apenas na região Norte.
Há incertezas ainda sobre as emendas a serem incluídas. Nos bastidores, continua-se a trabalhar para incluir o tema do sinal locacional e o fim da estabilização da TUST (Tarifa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) – que era fixada por dez ciclos tarifários. Alguns pontos da autoprodução que apareciam no texto apresentado em fevereiro também estariam em discussão.
O texto inicial, que circulou no Carnaval, propunha a obrigatoriedade de o autoprodutor aderir às novas regras no prazo de 90 dias. Isso criaria incertezas, uma vez que seria a aplicação imediata das novas regras a contratos já firmados.
Em segundo lugar, o substitutivo previa que, após a vigência da nova lei, somente poderia haver autoprodução remota para unidades de consumo com demanda superior a 30 MW. Grandes consumidores com espaço para implantar empreendimentos de energia em seus terrenos teriam benefícios não acessíveis a consumidores menores, criando situação concorrencial não isonômica. Investidores acreditam que esses dois pontos serão mudados para evitar judicialização futura.
*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
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