Análise: Consulta pública de GD solar ditará

Roberto Rockmann*

 Cerca de 10% do consumo entre 10 horas da manhã e meio-dia tem sido atendido nos últimos meses pela geração distribuída solar, segundo dados da Volt Robotics. Com mais de um milhão de consumidores que instalaram painéis fotovoltaicos em suas residências, condomínios ou fábricas, a tecnologia indica que o mercado livre de energia está disponível, pelo menos, para os que podem e se dispõem a investir na solução.
 
“O mercado já abriu. A tecnologia [de GD] já levou o direito de escolha ao fornecedor para aqueles que regulatoriamente ainda não podem fazer”, afirma o presidente da PSR, Luiz Barroso.
 
A abertura, ainda em pequena escala, tem estado na mira de empresas. A Auren (ex-Cesp) está avaliando como trabalhará em geração distribuída solar, seja com empresas, seja com pessoas físicas. A ideia é aprender os hábitos desses novos consumidores, uma experiência que pode se mostrar importante quando o mercado estiver acessível a todos os brasileiros. “Neste segundo semestre, iremos definir nosso modelo de negócios”, afirma Raul Cadena, vice-presidente de Clientes e Comercialização da Auren Energia.
 
Os bancos estão também de olho nesse segmento, que tem tido forte crescimento. De um lado, instituições como o Inter estão oferecendo a solução para seus correntistas. De outro, abrem-se novas ferramentas de crédito, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs). “Os CRIs têm se tornado uma alavanca importante e poderemos ter FDICs também saindo se a escala for maior”, diz Ewerton Henriques, diretor de Infra e IB do banco Fator.
 
Um sinal da sofisticação desse mercado é a oferta do serviço por clubes de assinatura, o que populariza ainda mais a geração distribuída solar diante de um cenário em que os reajustes de tarifas estão nos noticiários todos os dias. A geração distribuída foi criada em uma resolução da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), a 482, em fevereiro de 2012. Em 2015, ampliou seu alcance com a resolução 687, que abriu a possibilidade de comunhão de cargas, aumentando o potencial de uso para condomínios residenciais ou industriais.
 
Isso se aliou ao cenário pós-MP (medida provisória) 579 de alta de tarifas e encargos. A crise hídrica de 2021 pressionou ainda mais as tarifas. Em dez anos, o segmento já supera 10 GW de capacidade e poderá atingir 37 GW em 2031, segundo a EPE (Empresa de Pesquisa Energética). “Projeção que pode ser conservadora a depender da regulação que está sendo discutida agora”, diz Barbara Rubim, vice-presidente do conselho da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).
 
Consulta Pública 129
Na última quinta-feira (23), o governo federal lançou a Consulta Pública 129/2022, que colhe contribuições até o dia 3 de julho de 2022 sobre as diretrizes dos cálculos de custos e benefícios da geração própria de energia renovável no Brasil. Elas serão base para decisão a ser emitida pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), que deve sair ainda no mês de julho.
 
“É preciso valorar corretamente os benefícios, o fato de ser uma fonte descentralizada, sem por exemplo os custos de transmissão que outros projetos exigem, além de ser uma fonte 100% renovável. “Em se tratando de algo tão crítico para o futuro do setor elétrico brasileiro, é, no mínimo, preocupante essa falta de espaço para os agentes refletirem e submeterem suas propostas”, diz Barbara.
 
O assunto está sendo acompanhado de perto pelas distribuidoras. A geração distribuída solar tem capturado clientes com contas acima de R$ 600 e já responde por parte relevante da área de concessão. Na Copel, o segmento responde por 4%, e cerca de cinco mil clientes têm migrado para a solução. A grande discussão que se abrirá é a transição do modelo atual, que combina os ambientes livres, regulado e o da geração distribuída solar, para o totalmente livre.
 
Demora no PL 414
As comercializadoras aguardam com expectativa a votação do PL (Projeto de Lei) 414, que trata da abertura total para o mercado. Agora trabalha-se para que ele possa ir a plenário em agosto ou setembro e existe preocupação de que possa ficar para o próximo governo. O PL abriria o mercado a partir de 42 meses de sua sanção. A demora joga a favor da geração distribuída solar, cujo crescimento nos próximos meses poderá ser ainda mais explosivo. A disputa pelos clientes entre os elos da cadeia será acirrada nesta década. O jogo da abertura está começando, mas as peças da geração distribuída solar partem na frente.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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