Análise: Corte do gás russo à Europa pressionará preço e dificultará importação, impactando o Brasil

Roberto Rockmann*

A crise global de energia, com epicentro na Europa, começa a atingir o seu nível máximo de gravidade, com a proximidade do dia 21 de julho, quando a manutenção do Nordstream 1 dever ser concluída, para que o envio de gás pelo gasoduto que interliga a Rússia a diversos países europeus seja retomado.

Há a expectativa de que o funcionamento do Nordstream 1 não volte ao normal depois dessa parada técnica, com o corte total do abastecimento, o que elevaria a crise energética na União Europeia a um novo patamar.

Racionamentos que afetarão indústrias e consumidores nos países do velho continente estão cada vez mais próximos, diante de um verão com temperaturas recordes que tem elevado a demanda por refrigeração.

Aquecimento ou indústria?
Essa é pergunta que os governos terão de decidir para os planos de racionamento que estão sendo desenhados. A resposta não é simples: de um lado atinge a população, cada vez mais insatisfeita com a inflação, de outro as indústrias, que fazem conta das perdas futuras. A União Europeia já está preparando um documento para se iniciem programas de redução do consumo de gás.

A decisão trará perdas. Dona da mais sofisticada indústria da Europa, a Alemanha deverá sofrer com um cenário sem gás russo. Cerca de 40% do consumo de gás é voltado para indústrias, sendo que os setores químico, de processamento de metais e de alimentos são os três maiores demandantes. A indústria alemã representa 27% do PIB do país. O Banco Central alemão prevê retração do PIB de 8% no primeiro trimestre de 2023 em um cenário sem gás russo.

Racionar gás na Alemanha terá impacto sobre a economia europeia e mundial. Na “The Economist”, o UBS aponta que o crescimento da zona do euro poderá ser reduzido em 3,4 pontos percentuais com a crise de energia, que ainda elevaria em 2,7 pontos percentuais a taxa de inflação.

Para a União Europeia, o prejuízo será grande, para a Rússia, menor. A economia de Vladimir Putin tem 10% de seu PIB ligados a óleo e apenas 2% ao gás, sendo que as compras de Arábia Saudita, China, Índia e outros países têm feito a receita com petróleo crescer com vigor e manter as contas com o exterior no azul, na contramão da Alemanha.

A crise terá impacto ainda maior sobre cadeias que têm sofrido desde a pandemia, como a de fertilizantes. O Financial Times aponta o caso da SKW Stickstoffwerke Piesteritz, maior produtora de amônia da Alemanha e uma das maiores fornecedoras de fertilizantes, que sem gás terá de reduzir sua produção.

Alemanha, França, Itália, Inglaterra estão debruçados sobre as cadeias produtivas que poderiam parar sua produção, caso haja interrupção de gás. Linhas de crédito serão abertas para que hospitais tenham geradores.

A crise global de energia se combinará a uma crise mundial de alimentos, o que deve manter os preços em alta e os bancos centrais do mundo em aperto monetário. Se há semanas a recessão nos países desenvolvidos era dada como certa, agora a incerteza se refere ao tamanho dela, à extensão do ciclo de alta dos preços e ao aperto global nos juros.

E o Brasil?
Governos europeus começam a delinear planos de racionamento com a eterna dúvida que surge quando o assunto paira no ar: cortar mais onde? Nas indústrias ou na população? Não foi diferente no Brasil em 2001 e isso voltou a circular ano passado, quando a crise hídrica fez ressurgir o fantasma de racionamento ou de cortes de energia no horário de pico.

Isso também fez alguns especialistas discutirem se o Brasil deveria ter ou não um esboço de plano de racionamento com algumas das diretrizes que poderiam ser usadas em caso de crise, incluindo-se por exemplo o plano B, quando fossem necessários cortes.

O cenário atual de crise global de energia que deverá se arrastar até 2025 pressionará o mercado de gás natural e GNL (gás natural liquefeito). Caso haja necessidade de importação nesse intervalo, haverá dificuldades e preços altos.

Passado um ano da crise hídrica, o Brasil ainda tem uma longa lista de tarefas de casa. Não se evoluiu em um novo sistema de precificação da energia no mercado livre e que seja mais aderente à realidade da operação, não se criou um sistema que precifique o valor que a água nos reservatórios das hidrelétricas possui e não se avançou nas regras de segurança do mercado de comercialização de energia.

Outro assunto na gaveta é a atualização das garantias físicas das hidrelétricas, assunto que deverá ficar para o próximo presidente da República, cuja lista de pontos a resolver será crescente.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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