Marília Sena, da Agência iNFRA
Com o avanço de denúncias sobre abuso em cobrança aos usuários por atrasos na entrega ou retirada de contêineres, a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) estabeleceu um rito sumário para uniformizar e dar uma solução mais célere às reclamações que chegam ao órgão. Em votação na última quinta-feira (31) que partiu de um diagnóstico sobre a relação entre armadores, importadores e exportadores, a ANTAQ firmou entendimentos regulatórios que vão nortear o tratamento dessas denúncias dentro do órgão, incluindo o funcionamento deste novo rito sumário.
Uma das principais premissas reafirmadas pela diretoria é a de que a cobrança de sobre-estadia de contêiner só deve ocorrer quando a utilização do equipamento ou da área além do período de livre estadia decorrer do interesse ou da escolha do usuário. O processo foi relatado pela diretora Flávia Takafashi que, usando termos duros, apontou que cobranças abusivas têm trazido diversos prejuízos aos usuários.
Segundo ela, desde 2023, houve um aumento significativo nas denúncias relacionadas às cobranças de demurrage. Em 2024, a média foi de 45 registros por mês, um crescimento de 81% em relação a 2023, quando foram registradas 135 denúncias ao longo de todo o ano. Para tentar conter esse avanço, o colegiado optou, neste momento, por esclarecer entendimentos regulatórios vigentes e criar um rito sumário para solução mais rápida das denúncias. A discussão sobre possíveis alterações normativas será deixada para uma etapa posterior, com a realização de AIR (Análise de Impacto Regulatório).
O rito sumário será aplicado tanto em denúncias quanto em medidas cautelares. A medida visa a acelerar a apuração dos casos e evitar o acúmulo de novas queixas. À Agência iNFRA, a diretora explicou que o rito vai promover uma composição inicial entre as partes. A agência convocará o denunciante e os denunciados para, preliminarmente, avaliar a legitimidade das cobranças. Caso se entenda pela ilegitimidade, será proposto ao denunciado o cancelamento dos valores cobrados.
“Havendo concordância, o processo será extinto, as cobranças canceladas, sem aplicação de penalidade, e a questão central – a proteção dos interesses da agência e a verificação da abusividade da cobrança – será resolvida, garantindo a tutela ao denunciante”, afirmou Takafashi.
No caso das medidas cautelares, o rito também prevê a convocação das partes para, com base nos novos critérios regulatórios, avaliar a legitimidade das cobranças. “Constatada a ilegitimidade, será promovida a composição, com o cancelamento dos valores considerados ilegais ou irregulares. Caso a denúncia seja julgada improcedente, o denunciante será informado sobre a necessidade de pagamento das faturas, e o processo seguirá sem necessidade de deliberação do colegiado quanto à cautelar”, explicou.
Atualmente, as denúncias recebidas pela ANTAQ seguem o rito de um processo administrativo sancionador. As queixas são encaminhadas à área de fiscalização, que verifica a existência de indícios de irregularidades e, em caso positivo, lavra auto de infração. Em seguida, inicia-se a instrução processual, semelhante a um processo judicial, garantindo o contraditório e a ampla defesa.
Ao final, a ANTAQ decide sobre a procedência da denúncia e, se for o caso, aplica as penalidades previstas. A votação de ontem não alterou nenhuma resolução da agência. Os pontos que necessitam de mudanças normativas serão tratados na Agenda Regulatória 2025-2028.
Confira as premissas estabelecidas pelo colegiado da ANTAQ para definir se uma cobrança é ou não adequada:
- Somente deve incidir cobrança quando a utilização dos contêineres por prazo superior a livre estadia ocorrer: no interesse, por opção ou por culpa dos usuários, ou quando o evento causador estiver sobre o risco do negócio dos usuários;
- A cobrança só se justifica nos casos em que a permanência, além do período de estadia free time decorra do interesse, da escolha voluntária ou da responsabilidade dos usuários, ou ainda quando a causa da demora for relacionada a riscos assumidos no negócio;
- Não poderá haver incidência quando a paralisação dos contêineres for relacionada a: ato ou omissão do transportador ou daqueles a seu serviço, a logística mobilizada pelo transportador marítimo, ou quando o evento causador estiver sobre o risco do negócio do transportador, do depósito de vazios ou do terminal portuário;
- Não é admissível a cobrança nos casos em que o não retorno dos contêineres decorra de ações ou omissões atribuíveis ao transportador ou a seus prepostos, a estrutura logística adotada pelo próprio transportador, ou quando o evento que motivou a paralisação se insira nos riscos operacionais do transportador, do terminal portuário ou do depósito de contêineres vazios.
Passivo
As reclamações sobre cobranças feitas por armadores se intensificaram após a pandemia de Covid-19. Na época, os usuários denunciaram omissão de escalas por parte dos navios e a cobrança pelo tempo adicional de espera. Em sua defesa, os armadores informaram à agência que as reclamações ficariam restritas a um grupo pequeno de clientes, indicando que 91% não teriam problemas. Mas, na avaliação da relatora, os números não justificam os problemas no atendimento.
Takafashi também explicou que o rito sumário será aplicado aos processos que já estão em tramitação na ANTAQ, com o objetivo de uniformizar as novas premissas em todas as denúncias. Segundo ela, pelo menos 35 pedidos de cautelares para eliminar cobranças de sobre-estadia estão atualmente na SFC (Superintendente de Fiscalização e Coordenação das Unidades Regionais).
Esses casos devem ser analisados com base no novo rito, e, caso sejam encaminhados ao plenário do colegiado, a relatoria permanecerá com a diretora responsável pelo processo da crise dos contêineres – medida adotada para evitar “desentendimentos”, conforme acatado pelo plenário. Quanto às novas denúncias que chegarem à agência e precisarem ser avaliadas pelos diretores, a relatoria será definida por sorteio.
A diretora estabeleceu que o primeiro objetivo da SFC, com a nova orientação, é suspender a aplicação de penalidades aos armadores. “Neste primeiro momento, o foco será buscar uma solução para as demandas. Havendo acordo em casos considerados abusivos, os processos poderão ser arquivados sem a aplicação de penalidades aos armadores”, afirmou Takafashi.
Procurada, a Centronave, que reúne empresas de navegação, afirmou que não irá se pronunciar sobre o assunto. Já a Logística Brasil, representante dos usuários, considerou a medida uma “evolução da agência”, mas destacou que a regulamentação precisa avançar também sobre as cobranças realizadas por agentes intermediários dos armadores.








