Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A proposta da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) de criar um indicador para verificar abusos de concessionárias de ferrovias para cobrança de serviços acessórios de clientes de suas operações recebeu apoio de empresas e associações de usuários e foi vista com preocupação pelos representantes de ferrovias.
O mecanismo de verificação de abusos foi apresentado na sessão presencial da Audiência Pública 5/2021, realizada na última quinta-feira (26) pela agência. Chamado de Ipoa (Indicador de Participação das Receitas Acessórias na Receita de Transporte), foi estabelecido em 24,8% de receita com serviços acessórios em relação à receita da ferrovia.
Se uma concessionária passar dois anos seguidos ou três anos alternados em cinco desse índice, ou seja, se as receitas com serviços acessórios responderem a mais do que esse valor em relação às receitas, a ANTT classifica a concessionária com uma espécie de bandeira vermelha e inicia processos para apurar infrações.
As apurações também podem ocorrer se houver denúncias específicas relativas a outros abusos, de acordo com Marcelo Amorelli, gerente de Regulação Ferroviária e que presidiu a audiência. A AIR (Análise de Impacto Regulatório) feita pela agência indicou que o modelo adequado para essa atuação seria uma regulação responsiva e, por isso, foi estabelecido o mecanismo do Ipoa. Os documentos da audiência estão neste link.
Aumento de custos
Amorelli explicou que a agência iniciou a regulação das receitas acessórias por causa de informações repassadas pelos clientes que apontavam aumento de custos desses serviços na última década e baixa transparência na cobrança por parte das concessionárias.
Diferente do transporte na ferrovia, que tem que ser feito por uma concessionária ou por um operador ferroviário, os serviços acessórios podem ser feitos pelos clientes. Mas na prática isso é inviável com as regras atuais. Se a proposta for aprovada, ficará expresso que os clientes podem fazer esses serviços.
De acordo com Amorelli, um estudo da agência mostrou que, a partir de 2012, quando a ANTT iniciou um processo para reduzir as tarifas tetos de transporte das concessionárias, essas empresas começaram um processo de ampliação das receitas com serviços acessórios.
Os números indicaram que, em 2012, essas receitas representavam 12% das receitas das concessionárias. Em 2019, já tinham alcançado 36%. Não foram verificados aumentos de custos relevantes no período que justificassem o crescimento.
Pedido de estabelecimento de teto
Alguns dos representantes de usuários chegaram a pedir que a agência estabelecesse um teto para as cobranças. Mas, segundo Amorelli, as receitas acessórias, por serem um preço e não uma tarifa, não podem ter esse tipo controle por parte da agência.
Além do mecanismo de verificação de abuso nos preços, a agência também vai exigir outros comportamentos por parte das concessionárias. Deverá haver ampliação da transparência de informações sobre os serviços acessórios que são cobrados pelas ferrovias.
Amorelli também explicou que a agência estabeleceu algumas definições sobre quais são os serviços acessórios de maneira “não exaustiva” para evitar engessamento posterior das cobranças.
Mas houve pedidos para que a agência possa fazer definições mais rígidas sobre o que são os serviços acessórios, o que Amorelli disse que será analisado. Houve também pedidos para que os OTMs (Operadores de Transporte Multimodal) também sejam incluídos na regulamentação.
Pedido de ampliação de prazo
Associações como a Abiove (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais) e a Anut (Associação Nacional dos Usuários de Transportes) elogiaram a proposta e mostraram apoio às mudanças.
Três representantes da Cenibra (Celulose Nipo-Brasileira S/A), que se utiliza da EFVM (Estrada de Ferro Vitória a Minas), da Vale, também elogiaram a atitude da agência em regular essa cobrança, lembrando que as ferrovias atuam em regime monopolista e a regulação nesses casos é fundamental para evitar abusos de poder de mercado. Os representantes dos clientes ferroviários disseram que vão apresentar algumas contribuições para melhoria do texto.
Já a advogada Camila Rodrigues, gerente jurídica da ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários), pediu que a agência dê mais 60 dias de prazo para o envio de contribuições, que termina em 3 de setembro. Amorelli afirmou que o pedido está em análise pela diretoria.
Segundo Rodrigues, o tempo a mais é necessário para que possam ser feitas contribuições sobre o tema com maior qualidade, visto a complexidade das questões técnicas e econômicas.
Ele afirmou que pelo menos em três pontos a proposta precisaria de melhorias. Seriam na definição sobre os conceitos de manobra e condução, para que ele possa ficar mais objetivo; a exclusão de deslocamento para outro tipo de transporte como receita acessória; e os cálculos do Ipoa. A audiência pode ser vista neste link.