Dimmi Amora, da Agência iNFRA
A sessão telepresencial da Audiência Pública 10/2022 da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), que trata de novas normas para regular a sobre-estadia de contêineres nos terminais portuários, mostrou que os armadores (donos de navios) não querem mudanças no atual formato.
A audiência foi proposta porque os técnicos da agência entenderam que havia uma falha na regulação existente, que, na prática, restringia a cobrança por parte dos terminais aos armadores ou agentes de carga quando esses eram os responsáveis pelo não cumprimento dos prazos estimados de permanência dos contêineres no terminal. Na avaliação deles, isso vinha causando insegurança jurídica e regulatória no setor.
A proposta de norma prevê mudanças em dois regulamentos da agência, as resoluções 65 e 72, e a criação de uma nova norma que estabelece uma matriz de risco para saber, em casos especificados, de quem é a responsabilidade por pagar pela sobre-estadia de um contêiner. Nos casos não especificados, a ANTAQ pretende arbitrar o pagamento.
A sobre-estadia é quando o contêiner com produto de exportação ou importação fica no terminal além do chamado free time (tempo pré-estabelecido em contrato para que ele espere pelo navio ou pela retirada do caminhão ou trem). Segundo a agência, a crise de contêineres provocada pela Covid-19 aumentou o número de denúncias de navios omitindo escalas e os terminais cobrando dos donos de cargas pelo tempo a mais de espera, mesmo que tivessem cumprido com suas obrigações.
As mudanças nas resoluções pretendem criar um formato para que os terminais tenham poder para apurar as responsabilidades e executar a cobrança, o que a agência reconheceu que as normas em vigor não permitem. O resultado, segundo os superintendentes da agência que propuseram a mudança da norma, é o aumento do número de casos e dos valores a cobrar, cada vez mais altos.
Código Civil
Mas o representante do Centronave, entidade que representa os armadores no Brasil, André Gilberto, da CGM Advogados, afirmou que os números apresentados na AIR (Análise de Impacto Regulatório) que a agência apresentou para basear a mudança mostram que em nove anos foram 144 processos abertos sobre o tema (um por mês) e 44 autos de infração (um a cada três meses), o que para ele são números ínfimos se comparados ao número de atracações de contêineres movimentados no país.
Por isso, segundo ele, não se justificaria a decisão da agência de criar novas normas para a sobre-estadia. Além disso, ainda segundo Gilberto, as proposições apresentadas vão de encontro a práticas do mercado e também ao Código Civil, no que se refere por exemplo aos casos fortuitos e de força maior (que passariam a ser de responsabilidade dos armadores). Ele diz que a lei e os contratos já dispõem sobre o tema.
Jurisprudência
O advogado Osvaldo Agripino, que representou dois grupos de clientes, os exportadores de café e de arroz, contestou o representante dos armadores, dizendo que a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) já determina que em casos fortuitos e de força maior o armador é o responsável pela sobre-estadia e que os “navios têm que cumprir prazos”.
Ele exemplificou com as normas do setor aéreo, dizendo que, nos casos em que a companhia aérea não pode voar, por qualquer motivo, não é o aeroporto que tem que pagar os custos pelos passageiros, e os usuários têm que ter garantidos direitos, como o de remarcar as passagens sem custos adicionais.
Valores altos
Bruno Pinheiro, superintendente de Regulação da agência, informou que, mesmo que sejam poucos casos, os valores que eles têm alcançado, na casa dos milhões, passaram a ser significativos e, por isso, os técnicos tiveram que propor uma regulação. Sérgio Oliveira, gerente de Regulação, lembrou ainda que pode haver casos em que não houve denúncia à agência.
Pinheiro reconheceu, no entanto, que é necessário mesmo aprofundar as discussões sobre o que diz o Código Civil e pediu contribuições sobre o tema de todos os interessados para que sejam analisados até que a proposta seja levada à relatora, a diretora Flávia Takafashi. A ideia, segundo ele, é trabalhar com os benchmarks internacionais no tema para que a regra não seja uma “jabuticaba”.
Outros pedidos
As associações que operam terminais portuários, como a ABTP (Associação Brasileira dos Terminais Portuários), Abratec (Associação Brasileira dos Terminais de Contêineres) e ATP (Associação de Terminais Portuários Privados) apresentaram ainda contribuições no sentido de permitir que também sejam cobradas despesas decorrentes da sobre-estadia e que a superintendência da ANTAQ possa dar cautelares indicando a responsabilidade do pagamento para acelerar os processos.
As contribuições por escrito na Audiência Pública 10/2022 podem ser feitas até o dia 10 de fevereiro (sexta-feira) neste link. A sessão presencial foi transmitida neste link.