Biometano: mais uma poderosa opção de descarbonização para o Brasil

Marcelo Araújo*

O GN (Gás Natural), tem sido um produto-chave para o mundo todo e muitas vezes visto como energético de transição devido às características de sua combustão, mais limpa que outros combustíveis fósseis. O GN é também o principal insumo hoje no mundo para produção de dois outros produtos absolutamente críticos para o presente o futuro: fertilizantes e hidrogênio.

O Brasil, um país rico em minerais em geral e petróleo em particular, infelizmente não é um grande produtor de GN e ainda importamos grande parte do nosso consumo de gás e fertilizantes. Muito tem se discutido sobre como aproveitar o desafiante gás de reinjeção do pré-sal ou explorar outros campos “on-shore”, mas ainda sem uma visão clara de seu potencial

Mas, se pensamos que este insumo é tão estratégico, e é de fato, vale a pena lembrar que o gás natural é essencialmente formado por metano, molécula também presente ou produzida a partir de biomassas diversas, que são disponíveis em larga escala em todo o país. Conhecido como biometano, esse combustível é derivado da purificação do “Biogás”, que por sua vez, é o gás bruto obtido da decomposição biológica de biomassa ou resíduos orgânicos.

Como substituto do GN, além do mesmo potencial energético e flexibilidade de manuseio, o biometano apresenta algumas vantagens. A principal é sua pegada de carbono negativa, pois reduz o consumo de gás natural fóssil e sua produção evita a poluição que seria causada pelos próprios resíduos que compõem sua matéria-prima. O metano gerado em sua decomposição ao invés de ir para a natureza poluindo solo e atmosfera, se transforma em fonte de energia renovável. Adicionalmente, o biometano pode ser um importante substituto do óleo diesel para a segurança energética de áreas rurais.

O biogás, pelo fato de poder ser gerado de forma contínua, difere da energia eólica ou solar. É possível estocá-lo, seja na forma de matéria-prima, seja como gás comprimido, podendo atuar como mecanismo regulador da intermitência dessas outras fontes.

No quesito disponibilidade, o biometano apresenta grande potencial de crescimento nos próximos anos. Segundo o mapeamento (2023) da Abiogás (Associação Brasileira do Biogás), a produção de biometano deve atingir 1 milhão de m³/dia até o final de 2024, chegando à casa dos 6 milhões de m³/dia até 2029 – com 86 plantas em produção. No entanto, ainda segundo a Abiogás, este valor ainda estaria aquém do potencial brasileiro, que poderia chegar a cerca de 30 milhões de m3/dia até 2030.

Resíduos sólidos urbanos são outro potencial a ser mais bem explorado. No Brasil, os 341 kg de lixo gerados por habitante por ano, segundo estimativa (2022) da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais, são em sua maioria descartados em aterros sanitários. Melhor aproveitados na Alemanha, apenas 9 kg em média por habitante são destinado a tais aterros. O Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos) estabelece até 2024 para o fim da utilização irregular de lixões e aterros controlados. Com isso, o aproveitamento energético das 81,8 Mton anuais de resíduos, dos quais 45,3% são resíduos orgânicos, poderiam gerar outros 3,7 bilhões de m³ de biometano.

Mas como aproveitar todo esse potencial é o que tem desafiado empresas e reguladores. A inclusão do biometano no RenovaBio, pela Lei 13.576/2021 e regulado pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) permite que projetos se qualifiquem para gerar créditos de descarbonização, os CBIOS. A Nova Lei do Gás (Lei 14.134/2021) possibilita que o biometano seja considerado fungível com o gás natural de origem fóssil, podendo ser injetado na malha de gasodutos de transporte e comercializado junto ao mercado de gás natural. Ambas as iniciativas deram grande impulso ao Biometano, mas o modelo ainda é restrito ao alcance das redes físicas de gasodutos de distribuição das concessionárias estaduais, criando desafios empresariais e regulatórios para uma utilização ainda mais ampla.

Segundo o MME (Ministério de Minas e Energia), o Brasil possuiu uma malha considerada tímida com cerca de 40 mil km de gasodutos de distribuição. Como comparação, em 2016, o estado do Texas tinha já 154 mil Km de dutos, segundo estudo publicado por Andrés Méndez et. al (2019). Ainda de acordo com as regras atuais, as concessionárias estaduais possuem monopólio de distribuição de gás natural via gasoduto. Como toda a logística de produção e transporte deve ser pensada a partir dos locais onde as matérias-primas se encontram, essa restrição poderia ser contornada pela distribuição de gás natural fóssil ou renovável por outros modais.

Já existem diversas iniciativas que exploram modelos alternativos, comprimindo o gás nas fontes produtoras, na forma conhecida como GNC (Gás Natural Comprimido) e transportando-o diretamente até os clientes para consumo. Um dos maiores avanços da distribuição de gás natural na América do Norte, conhecido como “gasoduto virtual”, pode ser uma excelente possibilidade para o biometano aqui em nossas terras. Trata-se de um sistema modular de plataformas de compressão, transporte e descompressão do gás, que podem ser acopladas a caminhões, balsas e vagões ferroviários, levando a fonte de energia a pontos distantes das redes de gasodutos.

Esses desafios estão no foco das recentes consultas públicas 1/2023 e 8/2023 da ANP sobre GNL (Gás Natural Liquefeito) e GNC, que podem trazer maior clareza regulatória, harmonizando as legislações federal e estaduais e garantindo segurança jurídica para investimentos em modais “off grid”. Em outra frente, no Congresso, o PL 3.865/2021 propõe a criação do PIBB (Programa de Incentivo à Produção e ao Aproveitamento de Biogás, de Biometano e de Coprodutos Associados), apresentado pelo deputado Arnaldo Jardim e apensado ao PL 2.193/2020 que Institui a Política Federal do Biogás e do Biometano, que tramita em regime de prioridade.

Como vemos, os desafios apresentados para mais essa rota não são novos e estão em franco processo de discussão entre reguladores, indústria e sociedade. Há de se encontrar um equilíbrio entre o incentivo e segurança a novos investimentos e os arcabouços regulatórios e contratos já existentes. Precisamos evoluir para a melhor solução que impacte os consumidores finais, sem amarras e custos desnecessários, endereçando em conjunto o caminho para a diminuição de emissão de gases de efeito estufa. O biometano se apresenta como importante alternativa para a transição energética. Seu alto valor em descarbonização, potencial energético e capacidade de atingir mercados longe da malha de distribuição atual são ativos importantes para garantir uma transição segura a muitos demandantes de energia. O ponto, portanto, não se trata de uma disputa de competência regulatória entre estados e União ou competição predatória entre independentes e concessionárias, mas sim da criação de um mercado novo que pode beneficiar a todos.

*Marcelo Araújo é diretor-executivo corporativo e de participações do Grupo Ultra e presidente do conselho de administração da Associação Brasileira de Downstream do IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás).
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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