Bolsonaro, a crise sanitária e o voto econômico

Fábio Vasconcellos*

Nas últimas semanas, alguns indicadores levaram analistas a atentarem para a possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro recuperar a popularidade no médio prazo, reforçando suas chances de reeleição. O crescimento do PIB de 1,2% no primeiro trimestre e as estimativas mais otimistas para este ano, alguma folga no orçamento de 2022 e o aumento dos preços das commodities sugerem um ambiente menos turvo para o presidente.

Não há ainda muita clareza sobre como esses indicadores, caso se confirmem, produzirão efeitos positivos na opinião pública diante de outros dados igualmente relevantes. Por exemplo, temos uma elevada taxa de desemprego (14,7%), o que corresponde a quase 15 milhões de pessoas. A estimativa de inflação para este ano é de 5,31% – bem acima da meta. Por outro lado, há também um risco de crise energética no horizonte próximo. 

Indicadores econômicos, sobretudo aqueles relativos ao emprego, renda e inflação, são de fato sinalizadores poderosos em um processo eleitoral. Eles criam ambientes mais ou menos favoráveis ao discurso de continuidade. O mecanismo por trás desse fenômeno é conhecido: o voto econômico. Se o eleitor avalia positivamente o desempenho do governo, ele tende a votar no presidente; caso contrário, vai com a oposição. 

A disputa de 2022, no entanto, tem uma peculiaridade: ela acontecerá após a maior crise sanitária da história recente do país. As quase 500 mil mortes, a falta de atendimento adequado, a negligência na compra de vacinas e o discurso negacionista adotado pelo presidente deram contornos dramáticos à situação. No dia 29 de maio, as manifestações que tomaram conta das ruas do país, em um momento de alto risco de contágio, ilustraram o que os institutos de pesquisa vinham apontando como o pior momento na avaliação negativa do governo. Dias depois, o pronunciamento de Bolsonaro na TV (3 de junho) foi acompanhado de panelaços em centenas de cidades.

Se os indicadores econômicos se confirmarem, estaremos diante, portanto, de um teste interessante. Até que ponto o desempenho econômico (positivo, se houver) será suficiente para anular os efeitos negativos da responsabilidade do presidente na crise sanitária? Por óbvio, a pergunta considera implicitamente que a questão sanitária terá sido superada.

Ainda que isso ocorra, a magnitude da pandemia, o caráter dramático da crise e suas consequências no Brasil produziram efeitos. A dispersão dos temas políticos foi praticamente substituída ao longo de mais de um ano pela unidade em torno desse assunto. Em outros termos, o custo de atenção da população para acompanhar a política declinou no período. 

Por outro lado, além da perda de vidas, parte da cobertura da imprensa buscou dimensionar as responsabilidades dos agentes públicos nos níveis municipal, estadual e, sobretudo, federal, personificado na figura do presidente da República. Bolsonaro politizou quase que diariamente o tema, fornecendo um arsenal com alto valor de notícia. O impacto disso veio meses depois com o aumento da sua avaliação negativa. 

Atenção, responsabilização e o caráter dramático contribuíram, nesse sentido, para o estabelecimento de uma memória sobre a atuação dos governos. E ela será recuperada em 2022, quando iniciarmos a campanha. A oposição vai utilizar as inúmeras cenas e declarações do presidente, além dos erros da coordenação do governo, para relembrar as responsabilidades de Bolsonaro na crise sanitária. O presidente, por sua vez, deverá dividir responsabilidades, como já faz desde agora, quando diz que o Supremo Tribunal Federal impediu que o governo federal atuasse. Além disso, tentará se apropriar das vacinas, colocando-se como aquele que garantia a compra dos imunizantes.

A força e a magnitude da crise sanitária pela qual passa o Brasil e suas consequências diretas sugerem ser pouco provável que a eleição de 2022 se oriente exclusivamente pela agenda econômica. Ainda que a vacinação aumente e a economia comece a andar com menos dificuldades, haverá uma memória recente sobre a pandemia. 

Em teoria, como vários estudos apontam, condições econômicas favoráveis tendem a ajudar a reeleição de presidentes. O problema é que esse modelo de decisão do voto foi construído sem que se tivesse no horizonte uma agenda de grande magnitude e com efeitos dramáticos e diretos sobre a vida dos eleitores. Esse é o ponto cego das análises que hoje mobilizam dados econômicos para inferir chances eleitorais. A pandemia terá sido, por esse modelo, uma crise que passou. Talvez não.

*Fábio Vasconcellos é cientista político e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e da ESPM-RJ.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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