Marisa Wanzeller e Roberto Rockmann, da Agência iNFRA
O Brasil precisa “urgentemente de um programa nacional de industrialização verde”, diz a presidente da Abeeólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias), Elbia Gannoum. Em entrevista à Agência iNFRA, a executiva explicou que esse arcabouço regulatório seria conduzido por três leis prioritárias, a serem aprovadas pelo Congresso Nacional: de offshore, de hidrogênio e do Mercado de Carbono.
O pacote industrial verde incentivaria os investidores em commodities sustentáveis, como o aço verde, e também daria os sinais adequados para os projetos em hidrogênio e amônia. E isso poderia dar um salto na demanda energética brasileira, que hoje cresce lentamente e não incentiva de forma abrangente a construção de novos projetos de energia.
“Não é lógica de setor elétrico tampouco de setor energético. É lógica industrial, é lógica de PIB de país, de você atrair capital e trazer crescimento econômico”, diz Elbia.
“Com o arcabouço Industrial adequado, você tira a economia brasileira dessa trajetória normal e insatisfatória para uma trajetória excepcional e satisfatória. O Brasil tem que parar de esperar o PIB crescer para aumentar a demanda de energia. O Brasil tem que investir em energia porque energia traz efeito multiplicador, traz PIB e traz emprego”, completa ela. Leia a seguir os principais trechos da conversa:
Agência iNFRA: Como você vê o setor energético hoje no Brasil e as perspectivas de expansão?
Elbia Gannoum – A nossa matriz elétrica e energética não é uma matriz brasileira, ela é uma matriz global.
Por causa da questão das mudanças climáticas e da transição energética, o mundo agora vai consumir muito mais recursos renováveis para chegar com os objetivos de Net Zero [neutralidade de carbono] em 2050. Países como o Brasil, que são muito ricos em recursos naturais, podem ser importantes protagonistas nesse processo porque têm recurso farto e competitivo.
Só que tem um ponto que a gente precisa observar: potencialidade é uma coisa e outra coisa é efetividade.Tem que monetizar esta riqueza. A gente não pode perder tempo nesse processo porque existem acontecimentos geopolíticos que estão acelerando essa discussão e estão fazendo com que os países se posicionem rapidamente.
O que então o Brasil pode fazer para se posicionar e avançar nesse mercado de energias renováveis?
O Brasil tem que fazer imediatamente novo arcabouço industrial, assim como o governo apresentou o novo arcabouço fiscal. O novo arcabouço industrial não vai precisar de dinheiro do bolso do Brasil, ele vai precisar criar um direcionamento, uma política industrial para essa tão sonhada reindustrialização e para a industrialização verde.
A gente precisa se posicionar porque o dinheiro está rodando, as Big Oils estão se transformando em Big Energies, e ele tem que vir para o Brasil. E esses investidores querem vir para cá, o Brasil é o segundo ou terceiro país que eles querem investir, o Brasil está na top list.
Só que eles não vão chegar aqui e investir sem ter um arcabouço legal, e tem muita coisa no setor de renováveis que precisa ser resolvida, como por exemplo hidrogênio limpo, não mais hidrogênio verde, e também de eólica offshore.
Para essas empresas investirem, a gente tem que ter uma base regulatória. O Brasil tem que mostrar empenho, é muito importante que o país faça um pacote industrial, um arcabouço de política industrial.
Como poderia ser esse arcabouço industrial?
Poderia ser um programa nacional de industrialização verde. Ele teria algumas leis que o governo, o presidente Lula, assinaria e mandaria para o Congresso como prioritárias: PL [projeto de lei] de offshore, PL de hidrogênio e PL do Mercado de Carbono.
Esse pacote viabilizaria offshore junto com hidrogênio, isso seria uma solução para deslanchar o setor energético?
Primeiro, é muito importante você ter a compreensão que a matriz brasileira é de soluções energéticas, e não mais energia elétrica, setor elétrico. Esse mundinho fechado e indefectível acabou. É preciso compreender que a matriz de soluções energéticas brasileira tem agora um alcance global. É a visão estratégica de país.
Quando você coloca a matriz energética brasileira num patamar global, a demanda do país não é só a demanda interna, é a demanda externa. Esse é o primeiro ponto. Depois, você tem que separar os mundos do curtíssimo prazo, do curto, médio e longo prazo. Você precisa olhar nessa lógica de quatro tempos.
No curtíssimo prazo e no curto, não se vê espaço para crescimento do setor elétrico, porque tem uma sobra absurda de oferta. No curtíssimo e no curto prazo talvez não tenha esse espaço, mas na medida que você começa a se distanciar no tempo, você começa a perceber mudanças.
Hoje, essa oferta que a gente já tem de onshore com solar, sem nenhum fator de aceleração desse processo, ficaria do jeito que estava crescendo, entre quatro e cinco gigawatts por ano.
A lógica estratégica é que não se tenha mais um crescimento ‘business as usual’, é ter um crescimento induzido por uma política industrial adequada. Essa política Industrial daria sinais para que o mercado interno brasileiro já no curto e médio prazo. Assim, já viriam a contratar energias renováveis para fazer essa transição energética.
Quem seriam os interessados nesses contratos no curto e médio prazo?
Principalmente os produtores de commodities que vão vender aço verde ou vender minerais verdes. Lá fora, o mundo quer comprar minerais verdes. O Brasil é um grande exportador de commodities de alimentos e também de minerais e a substituição de curto prazo dessa fonte de energia que eles utilizam por essas fontes renováveis, e também pela amônia verde – que pode ser produzida a partir de 2025.
Em 2025, 2026 e 2027 o Brasil tem uma série de eletrolisadores entrando em operação para a produção de amônia verde e, a partir de 2027, o país tem uma série de possibilidades da entrada de eletrolisadores para produzir amônia verde e hidrogênio limpo para exportação, pensando mais no final da década.
Quando você coloca esse fator induzido da indústria, você transforma esse crescimento natural da indústria de energia brasileira num crescimento excepcional.
Mas como o país poderia fazer essa indução?
Com o tal arcabouço de política industrial. Se você já der os sinais adequados para os investidores que estão investindo em hidrogênio e amônia, por exemplo, se tiver uma regulação para isso, você recebe investimentos.
E isso não é lógica de setor elétrico tampouco de setor energético. É lógica industrial, é lógica de PIB de país, de você atrair capital e trazer crescimento econômico.
Numa lógica de médio prazo, com arcabouço Industrial adequado, você tira a economia brasileira dessa trajetória normal e insatisfatória para uma trajetória excepcional e satisfatória. O Brasil tem que parar de esperar o PIB crescer para aumentar a demanda de energia. O Brasil tem que investir em energia porque energia traz efeito multiplicador, traz PIB e traz emprego.
Eu tenho um dado concreto da eólica. A cada R$ 1 que você investe em eólica numa determinada região, ela devolve R$ 2,9 para o PIB. Então, é você realmente mudar o olhar e trazer um olhar global e também estratégico não pensando em setor elétrico ou setor energético, mas pensando numa lógica de países e de indústria.
O projeto de lei de carbono precisaria destravar o mercado de carbono brasileiro?
Sim, muito. Precisa imediatamente. O Brasil precisa ter a regulação do mercado de carbono e ele precisa disso há muito tempo. Então já está passando da hora.
Como você vê o carro elétrico nessa política industrial, você vê ele participando ele entrando nessa política?
Sim, você tem os fatores indutores dessa expansão via soluções energéticas. E aí você tem a substituição da matriz. A matriz energética hoje é 48% renovável, então tem 52% para renovar. Nesses 52% tem processos produtivos, principalmente do agrobusiness e da indústria de commodities minerais, por exemplo, e o outro é combustível, é o uso do petróleo.
A eletrificação é uma alternativa para o Brasil, só que de novo a gente volta para as características regionais. Como o Brasil tem etanol e biodiesel, talvez a solução do Brasil seja uma solução híbrida em que você usa biocombustíveis e bateria. Além disso, do lado do biogás, você pode substituir muitos processos, de por exemplo os ônibus urbanos
Como vislumbrar a contratação de eólicas offshore, que é três vezes mais cara? Essa contratação seria para o mercado brasileiro ou é totalmente para exportação?
Não, não é totalmente para exportação e não tem nenhuma vinculação com hidrogênio, como muita gente faz, é um falso problema. O hidrogênio será o fator que vai trazer um salto na demanda de energia elétrica no Brasil.
Estudos mostram que de 2030 a 2050 nós vamos precisar de mais 180 gigawatts de potência, nós vamos precisar de mais um Brasil para dar conta desse hidrogênio a mais. O que que é interessante, nessa perspectiva, é que não existe relação de causa e efeito de offshore com hidrogênio. Nós vamos precisar de muita energia nos próximos anos.
Agora, a outra coisa que é importante notar é que a offshore hoje custa X, só que com tempo, o custo dela vai caindo como aconteceu com as onshore e como aconteceu com a solar. Se eu quiser fazer offshore hoje, terei máquina rodando em 2030. Até lá o custo da offshore caiu, a demanda por energia aumentou drasticamente por causa do hidrogênio e aí eu consegui pegar toda essa sobra de energia e diluir toda essa sobra, consumir essa sobra e ainda precisar de mais energia.
Você acha que o hidrogênio verde será uma realidade no Brasil antes da offshore. Como você enxerga isso?
Sim, eu concordo, com toda a certeza do mundo. Por isso que eu falei que não existe relação de causa e efeito com o hidrogênio, é uma bobagem as pessoas quererem juntar essas duas coisas. A gente já tem uma planta de hidrogênio que começou a produzir no final do ano passado, no final deste ano tem outra planta entrando em operação, em 2025 tem mais planta entrando em operação.
E, como eu falei, se eu decidir fazer hoje offshore, eu vou ter o primeiro projeto rodando em 2030. Hidrogênio eu já tenho rodando hoje, já tem para rodar ano que vem ano que vem. Hidrogênio não é uma coisa que vai acontecer no Brasil, já aconteceu.
A grande questão é se o país quer entender esta oportunidade e acelerar esse processo e transformar isso em PIB, pegar esse dinheiro que está voando e trazer para cá. Eu só dependo de ter um ambiente regulatório favorável ao investimento, que o investidor se sinta seguro com aquela legislação, para investir.
O deputado Danilo Forte (União-CE) disse esperar que a decisão da ANEEL sobre sinal locacional seja revertida. Como você vê essa questão aí no segmento de eólicas? Qual o impacto disso? Se não for revista, como é que fica?
Quando você tá falando de política Industrial, você tá falando de política que vai trazer crescimento e desenvolvimento econômico social. Essa decisão da ANEEL é contrária a isso, ela é anticíclica, ela é uma antipolítica industrial, porque ela coloca essa cobrança do sinal locacional que não faz o menor sentido numa matriz que é altamente renovável.
Os recursos estão onde eles estão, então, o sol não tem culpa dele ser melhor no norte de Minas e tampouco o vento de ser melhor em Xique-xique na Bahia. Você tem que pegar o vento de lá e trazer esse vento o povo brasileiro, o povo brasileiro tem direito a esse vento, não é só quem mora ali debaixo do aerogerador que tem direito a esse vento.
A ANEEL tomou uma decisão completamente contrária porque lá em 2004 quando o decreto foi feito, que fundamenta essa decisão, naquela época, a gente só enxergava duas fontes de energia no país: hidrelétrica e térmica, e o sinal locacional fazia sentido para térmica. Agora, a expansão não vai se dar por térmica, vai se dar por recursos naturais, e aí não faz sentido você colocar o sinal locacional. Assim você distorce a política industrial e você distorce a política de desenvolvimento econômico social.