14/07/2025 | 08h00  •  Atualização: 15/07/2025 | 08h00

Brasil propõe biocombustíveis na descarbonização marítima, em alternativa que desperta oposições na Europa

Foto: Domínio Público

Marília Sena, da Agência iNFRA

O Brasil articula um acordo na IMO (Organização Marítima Internacional), órgão da ONU (Organização das Nações Unidas), para promover o uso de biocombustíveis como estratégia de descarbonização da navegação. Ao lado de outros países em desenvolvimento, as autoridades brasileiras divergem da posição da Europa, que defende o hidrogênio verde como principal solução para a redução das emissões de CO₂ no segmento. 

A Comissão Brasileira Coordenadora para os Assuntos da IMO prepara documentos técnicos e um workshop que serão apresentados na reunião de outubro, quando a proposta será votada. 

Em abril, foi aprovada a criação da primeira taxa internacional de carbono voltada a embarcações, com o objetivo de estimular um padrão regulatório para reduzir as emissões no transporte marítimo. No encontro de outubro, os países devem selar a previsão da cobrança, com implementação a partir de 2027. 

Hoje, as articulações de autoridades brasileiras estão focadas nos possíveis resultados dessa reunião. Elas enxergam nos biocombustíveis uma oportunidade de fomentar a economia por meio da exportação de soja. Além disso, o uso desse tipo de combustível pode facilitar a transição energética não apenas para o Brasil, mas também para outros países em desenvolvimento.

O hidrogênio verde, por sua vez, é visto como uma solução de alto custo por algumas autoridades envolvidas nas negociações. A avaliação brasileira é de que a Europa, principal defensora da medida, seria beneficiada com o uso de água e energia elétrica para abastecer os navios, mas países emergentes poderiam ser prejudicados. 

Embora o Brasil tenha grande potencial na produção deste combustível verde, o desenvolvimento em território nacional ainda é embrionário, e desafiado pelo custo de investimentos e infraestrutura necessária. Já o argumento europeu é de que determinadas matérias-primas utilizadas na produção de biocombustíveis podem representar o aumento do desmatamento. 

Biocombustíveis serão considerados
O assessor da comissão coordenadora para os assuntos da IMO, Flavio Haruo Mathuiy, explica que alguns países enxergam que os biocombustíveis podem competir com a produção de alimentos e não ser uma solução sustentável. Para algumas realidades, segundo Mathuiy, a visão pode fazer sentido, já que a Europa tem mais de 30% do território ocupado pela floresta. Já o Brasil possui menos de 8% do território de produção agrícola.  

Singapura, por exemplo, já utiliza biocombustíveis, os chamados ‘uncooked oil’, que são feitos de óleo de cozinha. Mas o Brasil tenta emplacar os biocombustíveis de “primeira geração”. Para isso, a IMO estabeleceu um grupo de especialistas para verificar as rotas do produto, explicou o assessor. Além disso, a comitiva brasileira também encabeçou um processo de certificação para garantir a sustentabilidade do combustível.

“O que a gente defende é o seguinte: os biocombustíveis podem ser bons ou ruins. Depende da forma como eles são produzidos e onde eles são produzidos. Então, é isso que a gente está demonstrando”, afirmou Mathuiy.

O representante do Brasil na IMO afirmou à Agência iNFRA que a expectativa é boa para que os biocombustíveis sejam considerados. No entanto, a dificuldade pode ser imposta na certificação. Outra preocupação é a possível discriminação a algumas matérias primas, como o óleo de palma, que nas últimas décadas acelerou o desmatamento nas florestas na Ásia.

Sem biocombustíveis, setor de alimentos será afetado
A taxa internacional de carbono será cobrada a partir de 2027, com início dos pagamentos previsto para 2028. A meta de reduzir em 50% as emissões de gases de efeito estufa no setor marítimo até 2035 – e zerá-las até 2050 – pode representar um custo mais elevado para países emergentes, como o Brasil. 

Ainda assim, a CNI (Confederação Nacional da Indústria) avalia que essa é uma medida relevante para impulsionar a transição energética global, considerando que mais de 80% do comércio mundial é realizado por via marítima, segundo a UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento). No entanto, sem o uso de biocombustíveis, o desafio pode ser ainda maior.

Especialistas da confederação estimam que sem os biocombustíveis o comércio de grãos pode ser extremamente impactado com os valores das taxas sendo repassados para os consumidores. Navios que transitam a longa distância podem ser prejudicados. “Se a gente puder usar biocombustível, é uma oportunidade para o Brasil. Se não puder usar biocombustível, vai ser ruim. Porque o biocombustível é um diferencial competitivo para nós”, afirmou o especialista em políticas e indústria na CNI, Danilo Severian da Silva.

Sem a flexibilidade dos biocombustíveis, seria imposto “um padrão tecnológico que é de domínio europeu”, avalia Márcio Guerra Amorim, superintendente do observatório nacional da indústria na CNI. “Eles [Europa] queriam que as frotas de navios se abastecessem exclusivamente com hidrogênio verde, metanol verde ou amônia verde. No entanto, quem detém as tecnologias de produção desses combustíveis não somos nós. […]”, pontuou Amorim.

Hidrogênio verde requer novas estruturas portuárias
Mathuiy não descarta que a produção de hidrogênio verde no Brasil possa ser vantajosa ante o mercado internacional. Ele lembra de estudos que indicam que o Nordeste poderia produzir o hidrogênio verde mais barato do mundo.

No entanto, a tarefa ainda “não é fácil”, pois a produção carece de novas infraestruturas, o que pode demandar do Brasil mais tempo para a adaptação de eventuais novas normas – o que, ao fim, pode encarecer mais o comércio nos portos. De acordo com ele, em alguns portos já existe infraestrutura necessária para o hidrogênio verde, mas a maioria requer adaptação. 

Na avaliação do representante do Brasil na IMO, não haverá apenas um combustível do futuro, e várias rotas devem surgir de acordo com a vocação de cada porto. Assim, os navios vão se instalar conforme suas demandas. Todavia, os biocombustíveis apresentam grandes vantagens devido ao tropim, processo de abastecimento das embarcações. No navio existente pode-se usar o biodiesel sem precisar de grandes modificações, o que geraria economia nos abastecimentos.

“O que a gente precisa fazer é o nosso dever de casa: garantir que esses biocombustíveis sejam sustentáveis, certificados e que eu consiga produzi-los. O armador, que opera o navio, precisa ter a garantia de que, ao chegar ao porto, encontrará esse combustível disponível – seja biodiesel, etanol ou hidrogênio a bordo. Isso também exigirá uma adaptação, com investimentos em infraestrutura portuária”, concluiu Mathuiy.

Atuação do Congresso Nacional
O Legislativo também tem demonstrado preocupação com a questão. O senador Esperidião Amin (PP-SC) está propondo discussões na Casa para tratar dos possíveis impactos causados pelo não uso dos biocombustíveis.

No ano passado, a Câmara dos Deputados realizou audiências públicas para analisar as medidas propostas pela IMO. A audiência pública no Senado, porém, ainda não tem data definida.

Em abril, o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) promoveu o seminário “Produção dos Novos Combustíveis Marítimos”, na Comissão de Transição Energética. A expectativa é realizar também uma ação sobre o tema com a FPPA (Frente Parlamentar de Portos e Aeroportos).

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