Diogo Nebias*
O anúncio do governo federal de programar 13 concessões rodoviárias e oito concessões ferroviárias para 2026, somando R$ 288 bilhões em investimentos, marca um ambicioso movimento na infraestrutura de transportes do país. Inserido no contexto de entrega do PNL 2050 (Plano Nacional de Logística 2050), previsto para o fim deste ano, o pacote tem força para redefinir a dinâmica de investimentos privados e reestruturar o mercado de concessões.
A estimativa é de R$ 150 bilhões destinados a rodovias e R$ 140 bilhões a ferrovias, considerando Capex e Opex ao longo das concessões. Caso se concretizem, esses valores destravarão investimentos privados em um contexto de restrição fiscal, já que o governo recebe outorgas, deixa de executar obras diretamente e transfere à iniciativa privada a responsabilidade por manter, ampliar e modernizar ativos essenciais para o escoamento da produção. O efeito sistêmico é claro: cerca de um terço da malha federal deve passar, em definitivo, ao regime de concessão, consolidando as rodovias como classe relevante de ativo no portfólio de fundos e operadores.
Quanto ao apetite do mercado, o histórico recente mostra leilões competitivos, inclusive com entrada de players internacionais. Concessões com matriz de riscos bem definidas, investimentos escalonados e mecanismos claros de reequilíbrio tendem a atrair mais interesse. A escala do pacote cria uma segmentação natural: fundos de infraestrutura e operadores globais mirarão lotes maiores, enquanto operadores médios e consórcios regionais devem priorizar trechos menores, com menor barreira de entrada. Ainda assim, a combinação de juros altos e experiências passadas de reequilíbrios complexos deve levar a uma competição mais disciplinada, com menos agressividade tarifária e maior seletividade.
O programa também tem potencial para alterar o ritmo de investimentos no setor. No curto prazo, a preparação dos projetos mobiliza Capex, estrutura contratos de construção (EPC), inicia obras obrigatórias e aciona linhas de financiamento e de debêntures incentivadas ao project finance estruturado com apoio dos bancos de desenvolvimento, como BNDES e os regionais. No médio prazo, cronogramas de duplicações, faixas adicionais, contornos urbanos e obras de arte criam um pipeline contínuo para o setor de construção pesada, reduzindo a volatilidade que historicamente marca esse segmento. E, no longo prazo, a melhoria da malha rodoviária e ferroviária gera um efeito crowding-in: portos, terminais logísticos, armazéns, polos industriais e parques agroindustriais tendem a se expandir em resposta à nova capacidade de escoamento.
Esse volume pode inclusive reorganizar o mercado de infraestrutura. Grupos já atuantes que vencerem novos lotes podem consolidar posições e formar “campeões nacionais ou regionais” com portfólios mais diversificados. A escala do pipeline também é um convite para operadores globais que buscam exposição de longo prazo em mercados emergentes. Paralelamente, concessões problemáticas podem ser reestruturadas e o ambiente pode favorecer trocas de controle, criando uma nova geografia de players, com modelos societários e financeiros mais sofisticados.
O impacto direto para o país é expressivo. A modernização de rodovias reduz custos logísticos, melhora a eficiência de fretes, diminui desgaste de frota, encurta o tempo de viagem e reduz perdas, efeitos especialmente sensíveis para o agronegócio, mineração, bens industriais e cadeias just-in-time. A confiabilidade também aumenta: rodovias passam a operar como “infraestrutura contratada”, deixando de ser variável de risco. Em paralelo, determinadas regiões tendem a receber mais centros de distribuição, serviços e atividades correlatas, promovendo interiorização do desenvolvimento econômico.
No enfrentamento de gargalos históricos, o pacote tende a atacar trechos críticos da malha federal: duplicações, faixas adicionais, contornos e obras de arte reduzindo congestionamentos, acidentes e interrupções. Do ponto de vista econômico, isso significa menor tempo médio de viagem e menor variabilidade, fator crucial para cadeias logísticas complexas. Do ponto de vista de política pública, concessões trazem metas claras de nível de serviço e gatilhos de investimento, criando um ambiente com menos improviso e mais previsibilidade. Ainda assim, permanece o desafio de integração entre modais, que não será resolvido apenas com os leilões.
Os riscos, contudo, não desaparecem. A experiência acumulada em gerações anteriores de concessões revela histórico de judicialização, dificuldades de reequilíbrio e discussões tarifárias que o investidor certamente precificará. A estabilidade regulatória, a clareza da matriz de riscos – ambientais, geológicos, de demanda, de desapropriações – e a previsibilidade das normas da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) são pilares essenciais. Também há o risco político: reajustes de pedágio, pressões locais e intervenções de órgãos de controle podem afetar o fluxo de caixa. No licenciamento ambiental, gargalos conhecidos seguem capazes de atrasar obras estruturantes.
Do ponto de vista do usuário, os benefícios devem ser rodovias melhor conservadas, atendimento eficiente, segurança viária reforçada, dispositivos modernos, redução de acidentes e maior fluidez, especialmente se tecnologias como pedágio free flow e gestão ativa de tráfego forem incorporadas. O desafio será equilibrar tarifa e nível de serviço, uma equação sempre sensível em ano eleitoral.
E esse ponto é importante: 2026 é ano de eleições. A agenda pública tende a ficar congestionada e temas como tarifa de pedágio podem entrar no debate eleitoral, criando pressões por ajustes ou tentativas de postergação de leilões sensíveis. Mesmo assim, o pipeline anunciado pode sobreviver ao ciclo político desde que as modelagens sejam sólidas.
Em síntese, o pacote de concessões reafirma a estratégia de usar o setor como âncora de investimento em infraestrutura, com potencial de reduzir custos sistêmicos, impulsionar competitividade e estimular cadeias de valor. Seu sucesso dependerá de contratos com matriz de risco clara, mecanismos de reequilíbrio previsíveis, segurança jurídica e capacidade institucional da ANTT para fiscalizar efetivamente a execução dos níveis de serviço.
*Diogo Nebias é sócio do Panucci, Severo e Nebias Advogados. Graduado em Direito pela USP, com LL.M. pela London School of Economics and Political Science. Possui mais de 20 anos de atuação em projetos de infraestrutura, mercado de capitais, project finance, concessões públicas e financiamento estruturado.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.





