Custo de crédito mais alto pode levar projetos de geração à mortalidade

Roberto Rockmann, colunista da Agência iNFRA*

O custo de crédito pode se tornar um obstáculo a mais para novos projetos de geração no fim deste ano, ao longo de 2022 e no início de 2023. Investidores enfrentam inflação em dois dígitos, crise política e ruídos sobre a austeridade fiscal, além do real em baixa e riscos setoriais.

Existem ainda incertezas a respeito do que poderá ocorrer com o modelo elétrico, a depender das eleições presidenciais, sem contar os problemas globais que levam inclusive a dificuldades em obter equipamentos, como na cadeia de geração solar.

Risco maior refletirá no custo
“A realidade mudou: os custos serão mais altos que antes da pandemia. Silício, aço e outras matérias primas mudaram de patamar, assim como o câmbio. As incertezas políticas pressionam ainda mais o capex e isso terá de estar no retorno”, diz um desenvolvedor de projetos de energia eólica e solar.

“Caso se confirmem as expectativas do mercado, a Selic subirá ao longo de 2022 e isso se refletirá no custo de financiamento”, diz Daniel Keller, sócio da UNA Partners.

Isso poderá levar à mortalidade de vários projetos de fontes renováveis que estão na corrida das outorgas da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), ou exigir mais retorno de projetos a serem licitados nos próximos meses. É uma péssima notícia também para quem tiver de ir a mercado nos próximos meses, seja para refinanciar dívidas ou para captar dinheiro para novos projetos.

No início de 2021, a taxa básica de juros estava em 2% ao ano. Hoje atingiu 7,75%. Em 2021, poderá superar 11,5%. A inflação poderá rondar 10% neste ano, em 2022 e 2023. Os ruídos sobre a política fiscal e a tendência de políticas populistas às vésperas da eleição no próximo ano têm feito a curva futura de juros também subir entre 2023 e 2029. Resultado: as taxas de retorno terão de acompanhar a incerteza e os prêmios maiores dos títulos do Tesouro, cuja liquidez é alta.

IPCA + 8,5%
“É difícil imaginar que alguém vai emprestar para o setor de infraestrutura a uma taxa inferior a IPCA mais 8,5%, uma taxa difícil mesmo para um bom tomador de crédito. Isso faz com que a rentabilidade seja mudada”, afirma Gabriel Galipolo, ex-presidente do banco Fator e agora à frente de sua própria consultoria.

Contrato em dólar
Apesar das incertezas, há novidades. Nesses últimos dias, a AES Brasil anunciou a assinatura de um contrato de compra e venda de energia em dólar com a Alcoa. Para exportadores, que têm sua operação como hedge natural, essa deverá ser uma saída cada vez mais usada nesses momentos de turbulências.

O tema do crédito já começa a ganhar espaço na agenda das associações setoriais que estão elaborando seus programas de infraestrutura para a corrida presidencial de 2022. O papel dos bancos públicos também voltará a estar no centro dos debates. A mudança de papel do BNDES a partir de 2017 se deu em um cenário de queda de juros. Agora inverteu-se a curva.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.
As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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