17/06/2025 | 08h00  •  Atualização: 17/06/2025 | 12h06

Custos regulatório e de investimento preocupam ferrovias em novo índice, enquanto usuários preveem mais dificuldades

Amanda Pupo, da Agência iNFRA

O refinamento que a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) quer promover na regra que dita quando as ferrovias devem investir para ampliar capacidade jogou luz novamente no conflito entre as concessionárias e os usuários de transporte de carga, que reclamam da falta de oferta de espaço nas malhas. A discussão atual gira em torno do ISF (Índice de Saturação de Ferrovia).

Quando o indicador chega a 90%, os contratos renovados de concessão preveem que as operadoras devem adequar os trechos para serem capazes de atender ao aumento da demanda do mercado e não poderem usar o argumento de que não têm capacidade de transporte para recusar os pedidos de transportes. 

Em consulta pública no órgão regulador, a proposta para padronizar o cálculo do ISF despertou críticas de ambos os lados. Para as operadoras, incomodou em especial a sugestão da ANTT para que apresentem um plano de ação sempre que o índice chegar a 80%, o que foi considerado mais um fardo regulatório. A comprovação da viabilidade econômica nas ampliações é outro ponto levantado pelas concessionárias. Os usuários que transportam cargas nas ferrovias vão na direção contrária e alegam que a minuta apresentada pela agência piora a perspectiva, já negativa, de investimentos novos e acesso às malhas. 

Técnicos da agência já previam que a minuta geraria uma discussão acirrada. Eles avaliam que o amadurecimento regulatório do setor ferroviário é uma pauta relativamente recente na comparação com o mercado rodoviário, por exemplo.

Gatilho
O gatilho de 80% para a apresentação de estudos foi sugerido pela ANTT, visando a evitar que a ferrovia chegue a uma condição saturada sem que exista um planejamento prévio do que deve ser feito quando o índice máximo permitido, de 90%, for atingido. 

Contudo, a ANTF (Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários) diz que a previsão cria uma obrigação adicional às ferrovias, a qual seria “ineficaz” e “inútil”, segundo a associação, porque não necessariamente uma ferrovia que chega a 80% de saturação vai alcançar o patamar de 90%.

O argumento foi levantado pelo diretor de Dados e Autorregulação da entidade, Paulo Oliveira. “Corre risco de a ANTT ter um monte de estudos que nunca vão chegar a 90%. Esse flag é inútil”, disse, na última quinta-feira (12), durante reunião participativa sobre a proposta da ANTT, que fica em consulta pública até o próximo dia 23. A ideia é ter a norma aprovada até setembro.

Também na audiência, o professor da USP (Universidade de São Paulo) Daniel de Oliveira Mota disse que essa “zona de atenção” criada pelo gatilho pode não funcionar porque o ISF de um segmento pode levar até cinco anos para pular de 80% para 90%, o que tornaria os estudos feitos no período obsoletos.

Para o gerente de Regulação Ferroviária da ANTT, Fernando Feitosa, o gatilho vai cumprir a função de não deixar o usuário desassistido. “Não ter um plano do que fazer quando atingir o gatilho é preocupante”, argumentou. Mas a expectativa no setor é de que o órgão consiga desenhar, a partir de sugestões, uma regra mais aplicável à realidade e que não signifique mais uma burocracia para as concessionárias.

Cálculo
Apesar da consideração da agência sobre o atendimento dos usuários, a ANUT (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga) não ficou satisfeita com a proposta –não em relação ao gatilho, mas à fórmula de cálculo do ISF. Gerente técnico da entidade, André Aguiar afirmou que a metodologia apresentada ancora ainda mais a perspectiva negativa que o usuário tem sobre a falta de capacidade nas ferrovias.

O novo cálculo, na prática, suaviza o ISF em relação à fórmula usada hoje. Numa situação hipotética, calculada pela ANTT para um segmento ferroviário com capacidade instalada de 16,4 pares de trens por dia, o modelo atual indicou um ISF de 98%. Pela fórmula proposta, o ISF cairia a 78%. A agência ainda estuda internamente um cálculo alternativo que adicionaria desvio padrão à fórmula. Nesse caso hipotético, o índice iria a 84%. 

Para o corpo técnico do órgão, esse meio termo pode ser uma saída que conseguiria suavizar o pico de saturação sem deixar de atribuir a ele algum tipo de peso. Com isso, conseguiria endereçar, ao menos em parte, a preocupação dos usuários.

Por outro lado, a adesão esbarra no desejo da ANTT de, a princípio, não alterar o cálculo apresentado na minuta porque ele reflete a fórmula usada no acordo para iniciar a repactuação das ferrovias da Vale, fechado no ano passado. Por ela, o NSSF (Nível de Saturação dos Segmentos Ferroviários) é calculado pelo quociente entre a média simples da capacidade utilizada para os 12 meses do ano de apuração e a capacidade instalada para o ano.

A empresa, inclusive, chegou a sugerir outra fórmula, não aceita pela agência. A proposta mudaria a fórmula do ISF de pico mensal para o maior valor da média móvel dos últimos 36 meses do NSSF. “A ideia de média móvel com 36 meses foi submetida na nossa diretoria e não passou”, lembrou Feitosa, da ANTT.

Foi o caso da Vale que provocou a agência a sugerir uma padronização do índice. Durante a reunião participativa, a ANTF não sugeriu contribuições sobre o cálculo, já que não haveria consenso entre as associadas sobre qual deve ser a alternativa.

Investimentos
A associação, porém, levou à ANTT sua preocupação com a obrigatoriedade dos novos investimentos. Sugeriu, por exemplo, que a decisão de ampliação da capacidade traga antes uma análise do que é possível fazer em termos de adequação operacional no trecho.

“Podem ser medidas tomadas para assegurar que a capacidade cumpra índices em outro formato operacional”, disse o diretor da ANTF. Outro ponto levantado na audiência, por um representante da VLI Logística, foi a necessidade de um mecanismo de amortização dos investimentos.

O ponto toca numa questão sensível para as operadoras, devido ao custo alto de ampliação e manutenção de uma ferrovia. As empresas pontuam que as concessões não podem operar com capacidade ociosa, e que ampliações precisam ser acompanhadas do compromisso de carga ou de desembolso direto do usuário no capex. 

Assim, foi visto com bons olhos o fato de a proposta da ANTT também ter tentando responder a essa preocupação. A minuta propõe que outorgas livres possam ser usadas como fonte de financiamento para os investimentos em expansão de capacidade.

Como mostrou a Agência iNFRA, essa alternativa de financiamento é pensada, em parte, para incentivar as concessionárias a não operarem limitando capacidade para não chegarem ao teto da saturação, tendo que fazer os investimentos que, em alguns casos, podem ter retornos longos. Outro incentivo é admitir a participação de usuário investidor em projetos de ampliação mediante celebração de contrato específico com a operadora. 

Tags: