Geraldo Campos Jr., da Agência iNFRA
A conclusão do acordo entre a União e a Eletrobras, aprovado na última semana pelos acionistas da companhia, dará um alívio ao caixa da Eletronuclear. Segundo o presidente da estatal, Raul Lycurgo, a expectativa é de receber uma injeção da ordem de R$ 1,1 bilhão com o entendimento, o que reduzirá a necessidade de aporte de R$ 2,1 bilhões informada ao governo no início do ano para evitar a insolvência da empresa.
Ainda assim, ele calcula que, “se nada for feito”, será necessário um aporte de R$ 1 bilhão na Eletronuclear pela ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional), sua controladora, para a empresa conseguir honrar seus compromissos de 2025 e, sobretudo, suportar os custos com a usina de Angra 3. Ao que tudo indica, esse recurso teria que vir do Tesouro Nacional.
Em entrevista à Agência iNFRA, Lycurgo explicou que o custo de Angra 3 parada é de R$ 1 bilhão por ano para a Eletronuclear. Deste valor, R$ 800 milhões são apenas com o pagamento dos financiamentos contraídos junto à Caixa e ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) durante a retomada de obras da usina entre 2012 e 2015.
Há ainda a despesa de R$ 120 milhões por ano com a preservação e conservação dos mais de 12 mil equipamentos já comprados para a usina, como pagamento de seguro, armazenamento e segurança; além de outros R$ 100 milhões anuais destinados a pagamento de pessoal próprio da Eletronuclear admitido em concurso feito no passado especificamente para Angra 3, antes mesmo de ter sido concluída.
“A Eletronuclear não tem musculatura para suportar Angra 3 paralisada. A gente não tem como pagar esse custo. Angra 3 tem que ser decidida. Se não, vai continuar sendo uma pedra no sapato, porque são custos que vão continuar existindo pelo menos por 6, 7 anos”, afirmou Raul Lycurgo.
Ele menciona ainda que, se o CNPE (Conselho Nacional de Política Energética) tivesse decidido pela continuidade do empreendimento em dezembro de 2024 ou janeiro de 2025, quando realizou reuniões para tratar do assunto, “a gente não estaria aqui discutindo isso”. Ainda segundo o executivo, se uma decisão não sair neste ano, “em 2026 teremos o mesmo problema”.
Pedido de aporte
Em janeiro, a Eletronuclear encaminhou à ENBPar o pedido de aporte de R$ 2,1 bilhões alertando para o risco de insolvência a partir de junho. Esse recurso, segundo Lycurgo, seria usado basicamente para duas frentes: arcar com custos da revitalização de Angra 1 e com os empréstimos e manutenção de Angra 3.
De lá para cá, o cenário mudou. A conclusão do acordo Eletrobras-União, que agora só falta ser homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), endereçou uma resolução para o custeio dos investimentos necessários em Angra 1. Os termos estabelecem que a Eletronuclear deverá emitir debêntures no valor total de R$ 2,4 bilhões para o projeto, a serem subscritas pela Eletrobras.
O valor concreto que chegará para este ano ainda não está fechado, mas, nas contas de Lycurgo, deve ficar próximo a R$ 1,1 bilhão e “entrar ainda em maio”, considerando a já aprovação pelos acionistas da Eletrobras.
Empréstimo
Faltará assim um aporte de R$ 1 bilhão para conseguir fechar as contas do ano. Isso “se nada for feito”, insistiu o presidente da Eletronuclear. Questionado sobre o motivo da fala, ele explicou que a estatal pleiteia uma suspensão dos pagamentos do empréstimo junto à Caixa e ao BNDES até dezembro deste ano.
O Ministério de Minas e Energia já solicitou apoio do Ministério da Fazenda na articulação junto aos bancos federais. O compromisso chegou a ser selado na reunião de dezembro do CNPE, quando o ministério de Fernando Haddad saiu de lá encarregado de ajudar nas tratativas. Até agora ainda não houve resposta, mas a empresa crê numa solução até o fim deste semestre.
Com o atual cenário de caixa, a Eletronuclear não terá mais como pagar o empréstimo a partir de junho. E isso pode desencadear num cenário ainda delicado para a empresa. “Se não suspender o pagamento do waiver e deixarmos de pagar a dívida, executa a garantia, que é o recebível de Angra 2”, destacou Raul Lycurgo.
Uma suspensão do waiver agora eliminaria a necessidade dos pagamentos mensais até dezembro, que somariam cerca de R$ 500 milhões, nas contas da Eletronuclear. Ou seja, cairia a necessidade de aporte para um patamar mais aceitável, segundo o presidente da empresa.
“O risco de insolvência cairia bastante com isso. A gente continuaria tendo necessidade de um aporte de uns R$ 500 milhões, mas aí começa a ser algo mais palatável, porque talvez esse valor podemos conseguir acessando o mercado bancário ou algo assim”, explicou.
Custo x base tarifária
Para além dos custos com as obras em Angra 1 e com Angra 3 paralisada, a Eletronuclear lida com outro problema, segundo o presidente: o custo operacional das suas duas usinas em atividade é maior que a sua base tarifária, definida pela ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Trata-se de um problema que não é novo, mas que se agravou após a privatização da Eletrobras, que antes fazia aportes para cobrir a diferença não custeada pelas tarifas, uma vez que tinha caixa para tal. Com o controle da ENBPar, faltam recursos para esse suprimento adicional. Já a União é impedida por lei de aportar recursos para pagamento de pessoal em estatais que não são consideradas dependentes do Tesouro Nacional.
De 2015 a 2021, a Eletrobras aportou R$ 5 bilhões para cobrir o desequilíbrio da Eletronuclear. Em 2022, primeiro ano sob o novo modelo, a parcela do PMSO (Pessoal, Material, Serviços de Terceiros e Outros) na tarifa de Angra foi definida pela ANEEL em R$ 1,1 bilhão, sendo que o custo da operação ficou em R$ 1,6 bilhão, ou seja, 38% acima. Em 2023, com o PMSO no mesmo patamar, a despesa foi de R$ 1,8 bilhão, um déficit de 62%.
“O nosso PMSO está desequilibrado e isso não é de hoje, o que leva a empresa a uma situação grave”, diz Lycurgo, que afirma ainda que parte do aumento dos custos se deve ao concurso realizado em 2021 visando a contratação de empregados para Angra 3, que admitiu 400 funcionários.
Diante do cenário, ele explica que a empresa tem trabalhado em duas frentes: cortar gastos e tentar ajustes no seu PMSO regulado. Para o exercício de 2024, a ANEEL aumentou a parcela para R$ 1,4 bilhão. Por outro lado, o orçamento previsto para o ano era de R$ 2,4 bilhões. Com os cortes, foi possível fechar em R$ 1,9 bilhão.
“Conseguimos voltar ao patamar de 38% acima do PMSO com os cortes do que estava previsto no orçamento de 2024. Para 2025 devemos cair mais, ficando entre 20% e 25% acima, que é um patamar mais factível e possível de consertar com plano de demissão voluntária e ajustando a terceirização de maneira eficiente, por exemplo”, declarou.
Além disso, Lycurgo ressalta que há também desafio de ajustar a base remuneratória. “A questão não está só em cortar custos. A base tarifária também está equivocada há alguns anos, e isso vai levar tempo para que a gente possa mostrar à ANEEL e que eles possam computar na tarifa.”