Entrada de outros setores em GD solar acirra competição por consumidor de menor porte

 Roberto Rockmann*

Com mais de 20 anos de experiência em gestão na área de restaurantes com a franquia McDonald’s, com mais de 25 pontos de venda em Brasília e Goiás, a Levvo diversificará sua atuação. Com uma fazenda solar de 10 hectares na área rural de Brasília, com painéis fotovoltaicos com 1,5 MWp (megawatt-hora/pico) de potência, a expectativa é de investir R$ 7,5 milhões e dobrar a capacidade até o próximo ano e atender a 100% do consumo dos restaurantes. O grupo olha a abertura do mercado livre. Há quatro anos, tornou-se o primeiro restaurante com energia renovável da rede no Brasil.

“Estamos criando a Levvo Energia, a pandemia mostrou que é preciso diversificar, e a geração solar abre muitas oportunidades e já começamos a conversar com interessados”, diz a fundadora Laura Oliveira. Na quarta-feira passada, ela foi uma das principais patrocinadoras do almoço promovido pelo Lide ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida. O patrocínio permitiu que ela se sentasse à mesa ao lado de Sachsida e do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Jr. Distribuiu muitos cartões aos que desconheciam as intenções da Levvo Energia, o novo braço de investimento do Grupo.

Via assinatura
Na semana passada, a Ultragaz anunciou a aquisição da Stella Energia Renovável, startup que por meio de uma plataforma conecta os geradores de energia solar a residências e pequenos negócios. A solução é capaz de reduzir em até 15% a conta de energia sem a necessidade de investimentos ou multa por cancelamento. A Stella é remunerada pelo gerador de energia com uma comissão pela comercialização. O processo de contratação dos usuários se dá pela assinatura online de energia renovável.

Os negócios da startup tinham foco em Minas Gerais, mas serão ampliados. “Os serviços da startup já foram oferecidos inicialmente na forma de projeto piloto em Minas Gerais e Paraná. Até o final de setembro já ampliaremos a atuação em outros estados, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Está nos planos da companhia alcançar os clientes dos mercados empresarial e domiciliar em todo o Brasil”, diz Ricardo Colpo, diretor de Mercado de Energia da Ultragaz.

Distribuidoras em concessões rivais
Distribuidoras de energia elétrica já começam a desenvolver projetos pilotos em áreas de concessão atendidas por grupos rivais para testar o mercado de geração distribuída compartilhada. Com foco em pequenas e médias empresas, com contas de R$ 1.000 a R$ 5.000 mensais, a ideia é ganhar escala e conhecer esse novo mercado que está sendo criado. 

Na Europa, não é diferente o interesse. A Telefonica Espanha firmou recente parceria com a Repsol em que as duas criarão uma joint venture para o desenvolvimento de atividades de geração distribuída solar, um negócio em pleno crescimento no país na Espanha. Fica a dúvida no Brasil se as concessionárias de serviços públicos, como telefonia, saneamento, rodovias, também poderão ingressar nesse nicho, uma forma de ganhar mais conhecimento sobre seus consumidores.
 
Geradoras, que hoje atendem mega clientes, também observam esse mercado de olho em um segmento pulverizado. A Auren está prestes a ingressar nele. É uma maneira de entender o consumidor que ganha a liberdade na rede com a geração distribuída solar. Os portais que fazem intermediação entre a GD (geração distribuída) compartilhada e o cliente estão na mira. Essa intermediação é feita em muitos casos por startup. “Esse é o nosso espaço, podemos dar inteligência”, diz o CEO, Fabio Zanfelice.

GD é a abertura do mercado cativo
Nesse momento, a GD parte na dianteira da conquista dos consumidores, já que não há regulação de abertura total do mercado livre. Surgem algumas dúvidas: quanto tempo ficará essa dianteira? Como será a concorrência entre os dois segmentos?

“O consumidor cativo já está se declarando livre com a GD. A grande dúvida é até quando o mercado livre vai poder competir com a GD solar no futuro? Até quando o preço do mercado livre será suficientemente baixo e existirá previsibilidade e o serviço em si continuará sem problemas? É preciso observar que os equipamentos de geração distribuída exigirão operação e manutenção. Hoje boa parte desses equipamentos é nova, mas quando tiver idade como ficarão esses custos? Haverá problemas? Isso poderá despertar um outro tipo de sensibilidade do consumidor”, observa o CEO da Auren.

No estudo da PSR para o Ministério da Economia, em que se respalda a abertura para a alta tensão em 2024 e se sugere abertura total (foco na baixa tensão) a partir de 2026 com avanços regulatórios, avalia-se que há uma lição de casa a ser feita para que a liberalização não se torne ineficiente. Aponta-se a concorrência entre o mercado livre e a geração distribuída solar. O estudo da PSR já está discutido em Brasília, nos ministérios da Economia e de Minas e Energia. O governo é favorável à abertura total. A questão são os detalhes.
 
Com mais players e mais bilhões sendo movimentados, além da questão da transição do modelo atual para o livre, como serão as regras de segurança do mercado? Haverá margem prévia de garantias? Como se buscará que a abertura signifique mesmo redução da conta e não se transforme em um mercado de pulseirinhas, como o ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) Edvaldo Santana gosta de citar? Haverá jabutis a serem inseridos?
 
Enquanto o setor acompanha o desenrolar da discussão do PL 414/2021, de modernização do setor (há uma expectativa entre alguns de que pode ser votado em outubro), os executivos de geração distribuída solar estão de olho em uma regulamentação que poderá criar um mercado bilionário e acirrar a disputa pelos consumidores potencialmente livres.
 
Negociação de excedentes
Hoje a geração distribuída solar funciona com base nos excedentes gerados pelos sistemas fotovoltaicos que se tornam créditos com as distribuidoras. Na regulação atual, consumidores cativos não podem negociar livremente esses excedentes. Para que isso ocorresse, seria necessária alteração na lei, diz Débora Yanasse, sócia de Energia do Tauil & Chequer Advogados.

“A Lei 14.300, sancionada em janeiro, no entanto, estabeleceu um mecanismo de chamada pública a ser realizada pela própria distribuidora para aquisição de excedentes de consumidores com GD em sua área de concessão, ainda pendente de regulamentação pela ANEEL”, diz a advogada.

O setor acompanha de perto a regulação e espera que a negociação de excedentes seja permitida com a abertura total do mercado livre. Isso abriria oportunidades bilionárias para o segmento, que tem crescido 1 GW por mês neste ano.

Texto corrigido: Por erro da assessoria da Ultragaz, o cargo do Ricardo Colpo havia sido atribuído incorretamente. Colpo é diretor de Mercado de Energia da Ultragaz.

*Roberto Rockmann é escritor e jornalista. Coautor do livro “Curto-Circuito, quando o Brasil quase ficou às escuras” e produtor do podcast quinzenal “Giro Energia” sobre o setor elétrico. Organizou em 2018 o livro de 20 anos do mercado livre de energia elétrica, editado pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica), além de vários outros livros e trabalhos premiados.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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