Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Na quinta-feira passada (18), um grupo de empresários e servidores públicos reuniu-se na sede da Valec, em Brasília (DF), para uma audiência pública. A diretoria e mais uma dezena de empregados da estatal ferroviária se esforçavam para convencer os interessados de um grande negócio: alugar por 30 anos um pátio ferroviário para movimentar cargas de combustíveis em Santa Helena (GO), ao lado da Ferrovia Norte-Sul.
Se conseguir concretizar essa transação, a estatal embolsará R$ 273 mil anuais pelo aluguel da área de 23,7 mil metros quadrados, além de uma comissão por carga movimentada, que pode alcançar a casa dos R$ 300 mil ano. Uma outorga inicial de R$ 100 mil, que pode subir se houver disputa, também está em jogo.
Os valores parecem pequenos. O aluguel fixo responderia por pouco mais de 2% de toda a despesa administrativa da estatal em 2021, que tem 622 funcionários, mas só trabalha com 296 (os outros são cedido a outros órgãos).
Mas a área destinada aos combustíveis corresponde a menos de 10% do que a estatal dispõe somente nessa região e que podem ser locadas para projetos para transportar vários tipos de cargas, de contêineres a granéis, pelas ferrovias do país.
Outras dezenas de pátios como esse podem ser explorados no caminho das ferrovias que ela vem construindo. Mas o que mais parece ter ficado com a Valec não são os bens com os quais ela poderia gerar recursos para ter autonomia e sim o passado de corrupção, que ela vem tentando deixar para trás.
“São quatro ou cinco empresas que geram R$ 28 bilhões de um lado, e a gente carrega 150 deficitárias do outro lado, Valec, EBP (Estruturadora Brasileira de Projetos). A EBP fez um trem bala que não existe, a Valec já tinha que ter fechado, centro de corrupção”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, dias antes da audiência pública sobre o Pátio de Santa Helena.
Promoção de investimentos
A fala do ministro ocorreu num evento para promover investimentos no Brasil em Dubai, nos Emirados Árabes. Ela contrasta com os esforços que a Valec e outras estatais vinculadas ao Ministério da Infraestrutura vêm fazendo para se livrar da pecha da corrupção e da dependência do Tesouro para pagar suas despesas administrativas, o que começou antes mesmo da atual gestão.
Os casos de corrupção na Valec se acumularam do governo do presidente José Sarney ao do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A partir da gestão da presidente Dilma Rousseff, eles começaram a ficar públicos, com operações da Polícia Federal feitas em série na companhia.
Em 2019, a atual diretoria foi composta após um período em que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, não decidia se acabaria ou não com ela. Com a decisão de mantê-la, André Kuhn, um coronel da reserva do Exército com experiência em várias áreas civis do setor de infraestrutura no Executivo e no Ministério Público, assumiu a companhia.
Ampliou os procedimentos de compliance, chamou uma delegada da Polícia Federal para a corregedoria, uma promotora para a ouvidoria e resolveu fazer concurso para nomear até mesmo os cargos comissionados. Quando apresentado à fala do ministro da Economia sobre a empresa que preside, ele responde com um sorriso.
“Eu estou muito tranquilo quanto a isso”, diz sem levantar a voz, explicando em detalhes as providências de compliance adotadas desde sua chegada.
Prestar serviços
Sobre a dependência do Tesouro, Kuhn explica que as reduções de despesas administrativas da companhia já chegaram a 54% comparadas com 2019. Metade do prédio que ocupava foi devolvido.
Ele lembra que os recursos que recebe devem ser divididos em dois: os administrativos e os de investimentos. Esse último é enviado pelo Tesouro para construir ferrovias, que são da União, não ficando portanto na empresa. Conta ainda que isso causa efeitos contábeis gigantescos, que levam a empresa a registrar prejuízos que, na prática, não existem em relação à sua operação.
Kuhn acredita que seriam necessários pelo menos sete a oito anos para que a Valec conseguisse arrecadar recursos suficientes para não ser mais dependente do Tesouro em termos administrativos e está preparando a companhia para isso.
Além das áreas que pode arrendar nas ferrovias, a companhia se prepara para prestar serviços de diversos tipos, como avaliação de estudos, consultoria em projetos ferroviários, desapropriações, entre outros. O presidente afirma que seria possível reduzir esse prazo se a empresa recebesse mais recursos, hoje restritos por causa do teto de gastos.
“Se tivéssemos uma melhor gestão do orçamento da União poderíamos chegar antes”, avaliou o presidente da estatal.
Ex-estatal do trem bala, EPL trabalha para as batidas de martelo em leilões
A outra estatal citada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, em sua fala em Dubai é a EPL (Empresa de Planejamento e Logística). Por ignorância, ele chamou-a de EBP (Estruturadora Brasileira de Projetos), uma empresa privada que foi criada por bancos públicos e privados no início da década passada para fazer estruturação de projetos de infraestrutura.
Só é possível perceber que se tratava da EPL porque Guedes citou o projeto que estava na origem da empresa, o trem bala ligando Rio de Janeiro a São Paulo. Chamada então de Etav, ela foi criada de fato para ser a substituta de uma estatal fechada pelo presidente Collor de Mello, o Geipot, responsável então pela estruturação de projetos de infraestrutura no país.
O marketing do trem bala falou mais forte no palácio da presidente Dilma Roussef em 2012 e a estatal acabou levando o nome do projeto. E, com seu fracasso, carrega até hoje o estigma de ser uma empresa sem utilidade.
Mas, ainda enquanto tentava viabilizar o trem bala, a estatal já trabalhava para dotar o país de uma carteira de projetos de concessão de infraestrutura e também de um planejamento adequado para a área de transportes. As duas coisas se viabilizaram de forma mais visível a partir de 2017.
Carro de aplicativo
A título de comparação, em 2018 a empresa entregou 13 projetos entre estudos de viabilidade e ambientais, a maioria de rodovias e portos. Neste ano, trabalha em 27 propostas em andamento ou já entregues, sendo em todos os quatro modais.
Arthur Pinho, que preside a companhia desde 2019, diz que a EPL está fazendo o trabalho com os mesmos 146 trabalhadores contratados em 2018 e que as despesas administrativas, incluindo pessoal, caíram de R$ 76,7 milhões para R$ 74,6 milhões ano. Entre os cortes feitos, tirou até mesmo os carros e motoristas da diretoria, que agora anda em veículos de aplicativo.
Os estudos sob responsabilidade da empresa, feitos com a subcontratação de empresas e especialistas em várias áreas, viram leilões. Os vencedores das disputas ressarcem a EPL pelo trabalho. Em 2018, a empresa faturou R$ 1,7 milhão com esses valores. Em 2021, já são R$ 8 milhões.
“Quanto custa isso?”
Com as batidas de martelo dos grandes leilões como o da Rodovia Presidente Dutra, feito neste ano e que deve ser ressarcido em 2022, e outros, Pinho acredita que será possível em dois anos ter recursos suficientes para gerir a companhia sem dinheiro do Tesouro. Mas, para ele, isso não é o mais relevante.
O presidente explica que o trabalho essencial da companhia é fazer o planejamento de longo prazo da infraestrutura nacional, por meio do PNL (Plano Nacional de Logística). O de 2025 foi entregue em 2017. Neste ano saiu o de 2035 e a estatal já está trabalhando no de 2050.
Dados contados em terabytes sobre movimentação de pessoas e cargas no país podem ser acessados por cidadãos, empresas e governos para que possam planejar e decidir sobre investimentos, inclusive sobre entrar ou não em leilões que arrecadam bilhões em outorga para o Tesouro. Tudo de graça.
“Quanto custa isso?”, pergunta Pinho.
Fusão
O ministro da Infraestrutura chegou a anunciar uma fusão das duas empresas, EPL e Valec, como forma de dar ainda maior eficiência e reduzir ainda mais as despesas, conforme mostrou reportagem da Agência iNFRA. Mas o plano está suspenso no momento.
A avaliação foi que a fusão poderia tirar a energia de ambas na entrega de estudos e projetos que estão sob sua responsabilidade, atrapalhando assim as previsões de entregas previstas no atual mandato.
Em situação oposta, Infraero tenta sobreviver após concessões de aeroportos
A outra empresa estatal do Ministério da Infraestrutura, a Infraero, vive uma situação diferente da Valec e da EPL. Ela segue como empresa independente do Tesouro – recebendo recursos federais para investimentos em ativos do próprio governo, os aeroportos federais sob sua gestão.
No entanto, essa situação vai mudar radicalmente a partir de 2023, quando a empresa deverá passar os últimos aeroportos federais que administra para a iniciativa privada, ao fim da chamada 7ª Rodada de Concessões Aeroportuárias.
O secretário de Aviação Civil do Ministério da Infraestrutura, Ronei Glanzmann, explica que a empresa vai sair de um resultado operacional positivo para o negativo porque, por maiores que sejam os esforços dos programas de demissão voluntária nos últimos anos, a projeção é que a companhia tenha entre 3 mil e 3,5 mil trabalhadores ao fim do processo. A estatal chegou a ter quase 14 mil.
A grande maioria desses trabalhadores estará cedida a outros órgãos da administração, sendo que de 300 a 500 deverão ficar na empresa para que se possa geri-la após a entrega dos aeroportos. A partir da passagem das últimas unidades para o setor privado, segundo ele, trabalha-se em três opções.
A primeira é a Infraero seguir com outra função, a chamada Infraero Serviços, administrando e prestando serviços para aeroportos regionais pelo país. A empresa tem se esforçado para conseguir mais contratos desse tipo ao longo dos últimos anos, já antecipando-se ao futuro sem aeroportos.
Fusão ou extinção
A outra opção seria fundi-la com as outras duas estatais da pasta, também mantendo o foco na prestação dos serviços. E a terceira é a extinção da empresa.
Glanzmann diz ser favorável à terceira opção, mas que será uma decisão para um futuro governo. Para ele, não se justifica ter uma estatal para fazer serviços que podem ser realizados pela iniciativa privada. Contudo, o secretário reconhece a dificuldade para seguir com essa opção.
Segundo ele, pela lei é praticamente impossível demitir os trabalhadores da empresa fora do processo voluntário. Por isso, deverá ser necessário um projeto legislativo para que os trabalhadores da Infraero que não entrarem nesses programas possam ter uma carreira específica na administração pública, como celetistas, para serem alocados nos órgãos até sua aposentadoria.