Tales Silveira, da Agência iNFRA
A falta de radares móveis, portáteis e estáticos no ano de 2019 está diretamente ligada ao aumento no número de mortes nas rodovias federais brasileiras. É o que aponta o estudo feito pela organização SOS Estradas, programa de segurança nas estradas brasileiras.
O estudo, intitulado “Indústria da Multa ou Fábrica de Criminosos do Trânsito?”, usou como recorte os meses compreendidos entre agosto e dezembro de 2019. O período compreende o despacho presidencial de 15 de agosto daquele ano, que proibiu o uso dos aparelhos pela PRF (Polícia Rodoviária Federal), até o dia 23 de dezembro, quando a Justiça Federal determinou que os aparelhos voltassem a ser utilizados para fiscalizar a velocidade dos veículos em rodovias federais.
A conclusão trazida foi de que a média mensal de mortos nas rodovias brasileiras aumentou 15% em relação ao mesmo período do ano anterior. De acordo com o coordenador do SOS Estradas e responsável pelo estudo, Rodolfo Rizzotto, a intervenção do governo foi determinante para o aumento de mortes nas estradas.
“São bilhões de veículos transitando nas rodovias por mês e nenhuma multa nesse período. Isso não tem precedente na história mundial. Tudo sem fundamento técnico. Os primeiros três meses de 2019 apontavam para a redução no número de mortes, o que era uma tendência desde 2011. A partir de abril isso muda. A única justificativa que podemos encontrar é a intervenção do governo nessa política”, disse Rizzotto, cuja organização faz há mais de duas décadas análises sobre segurança viária.
De acordo com os dados gerais de acidentes nas rodovias federais brasileiras em 2019, publicados pela PRF, houve queda de 2,6% nas ocorrências em relação ao ano anterior, sendo 67.427 registros em 2019. Por sua vez, os acidentes com mortos e feridos aumentaram em 3,3%, subindo de 53.963, em 2018, para 55.756. O número de mortes também cresceu 1,2%. Esse foi o primeiro aumento desde 2012 a 2018. Até 2019, a queda total foi de 39,2%, com sucessivas reduções a cada ano.
Pandemia sem diminuições
O estudo também fez um comparativo entre a atuação das polícias rodoviárias nas estradas federais e estaduais durante a pandemia no ano de 2020. De acordo com o índice ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), houve queda do fluxo de veículos nas estradas estimada em cerca de 13,1%. Redução de 16,9% em veículos leves e contração de 1,1% em pesados.
Segundo o coordenador do estudo, a diminuição do fluxo de carros nas rodovias deveria diminuir o grau de acidentes nas rodovias. Contudo, a variação foi mínima. Já no estado de São Paulo, que fiscalizou com mais rigor os abusos de velocidade, houve redução de mortes em 10%, taxa próxima à da queda do movimento.
“A pandemia reduziu muito o trânsito de veículos leves. Entretanto, essa queda, estimada de 15% ao longo do ano pela ABCR, deveria apontar para uma redução de mortos e feridos neste nível. O que se percebeu foi que, nas rodovias federais, entre 2019 e 2020, a queda no número de mortos foi menor de 0,9%. E, com a atualização de dados que já estamos fazendo, já é possível ver que essa queda ainda é menor”, explicou.
Indústria da multa
Ainda de acordo com o estudo da SOS Estradas, é possível concluir que não há indústria da multa dos radares no Brasil. O primeiro argumento que refuta a ideia se baseia em pesquisas feitas em rodovias de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, que possuem fiscalização por radares. A amostragem revelou que a média dos motoristas multados por esses radares, em relação aos veículos que transitam na rodovia, varia entre 0,1% e 0,5%.
Para Rizzotto, outro argumento que aponta para a inexistência da indústria da multa é a quantidade de impunidades em relação aos motoristas em alta velocidade. Diversos vídeos publicados em plataformas de vídeos poderiam ser usados pelos fiscalizadores para punir os infratores. Contudo, nenhum condutor chega a ser punido.
“Diversas vezes eles se vangloriam em vídeos publicados em plataformas da internet. Se existisse essa indústria da multa, o motorista deveria estar com a CNH cassada ou até preso”, comentou.
Sem correlação
De acordo com o secretário nacional de Transportes Terrestres do Ministério da Infraestrutura, Marcello da Costa, os números apresentados pelo estudo trazem uma variação mensal baixa de mortes nas rodovias entre os anos 2019 – com 5.332 óbitos – e 2018 – 5.259. Portanto, não é possível precisar se o aumento está diretamente relacionado à retirada de radares móveis, portáteis e estáticos nas rodovias brasileiras.
“A média mensal em rodovias federais em 2019 é de 444 mortes. Comparando com 2018, que teve uma média mensal de 438, a variação é de 1%. Então, é complicado dizer que houve um aumento se pegarmos uma parte muito particular do estudo. Quando analisamos no ano, temos um número muito parecido com o de 2018. Não sei se podemos concluir que houve um aumento significativo relacionado à questão da política do radar móvel”, disse.
O secretário apontou ainda que a política de coibir a chamada indústria da multa nasceu de uma percepção por parte do governo trazida pela sociedade civil. Com esse objetivo foi criada a Resolução 798 do Contran (Conselho Nacional de Trânsito). A ideia é trazer diretrizes do governo para tratar do assunto.
“Essa resolução tem como objetivo trazer técnica para a seleção de em qual local deve ser instalado o radar. Não adianta ter a multa e o acidente junto. O radar fixo e móvel têm que ser colocados de uma forma que criem o ato preventivo”, disse o secretário.
A Agência iNFRA entrou em contato com a PRF para tratar dos levantamentos apresentados pelo estudo. O órgão respondeu que está em período de transição entre diretorias e que, por isso, não podem precisar quando terão resposta sobre o tema.