Dimmi Amora, da Agência iNFRA
Os eventos climáticos extremos vão se ampliar ainda mais no futuro e ameaçar a implementação, manutenção e o funcionamento das infraestrutura, parte delas ainda planejadas sem avaliação desse tipo de situação.
É o que avalia o head de Transporte e Logística do Climatempo, Nil Nunes. Os vários exemplos ocorridos somente neste verão, com grandes volumes de chuvas em estados como Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro, para ele, são uma amostra do que virá.
“Os eventos extremos vão aumentar. Difícil dizer o quanto, porque isso depende do cenário de emissões. Estamos hoje no pior cenário e tentando levar para um mais otimista”, disse o especialista.
Ele conta que os efeitos já são sentidos no monitoramento. Há lugares que registraram “chuvas milenares”, eventos que estatisticamente são previstos para acontecer uma vez a cada mil anos, três vezes em cinco anos.
Um estudo recente indicou que o acumulado total de chuvas em um ano tem aumentado em mais de 150 mm por década em várias áreas do centro-sul do Brasil, incluindo os estados da Região Sul, Mato Grosso do Sul e grande parte do estado de São Paulo.
“O mês mais chuvoso do ano na cidade de São Paulo é janeiro, onde chove em média 300 mm. Então, em 20 anos, é como se a gente tivesse um janeiro a mais de chuva caindo todo ano em São Paulo”, exemplificou Nunes.
Cenário climático
A climatologista Ana Clara Marques, também do Climatempo, explicou que o aquecimento da atmosfera favorece esse tipo de evento extremo. Com o ar mais quente, são necessárias mais moléculas de água para preencher a atmosfera. Por isso, as chuvas demoram mais a acontecer, mas quando ocorrem, fazem-no com mais intensidade.
Ela explica que as infraestruturas antigas eram construídas com um cenário climático que considerava os dados de então. Por isso, em muitos casos, essas infraestruturas não estão mais suportando a frequência e a intensidade das precipitações dos últimos anos, tornando ainda mais vulneráveis as construções de grande porte.
Nas chuvas que caíram na Bahia e em Minas Gerais, por exemplo, só para reparar as estradas federais, o Ministério da Infraestrutura estimou um valor de R$ 1 bilhão (acabou recebendo um crédito de R$ 400 milhões).
Após chuvas que em quatro horas somaram mais do que a média do mês na região de Petrópolis nesta terça-feira (RJ), no Rio de Janeiro, a Concer – concessionária que administra a BR-040 – teve que fazer o desmonte de uma rocha que obstruiu a pista.
Conhecimento
Nil Nunes afirma que o conhecimento sobre o clima será fundamental para planejar as infraestruturas nos próximos anos, considerando os cenários futuros de volume e frequência de eventos extremos.
“Percebemos que os tomadores de decisão nem sempre conhecem todas as soluções disponíveis sobre esse tema. Entender que quando vou tomar uma decisão sobre uma malha, uma ponte, eu consigo avaliar uma perspectiva para as próximas décadas, ajuda na tomada de decisão”, afirmou.
Nil Nunes conta que os laboratórios que analisam o clima já conseguem produzir informação relevante sobre perspectivas futuras de eventos extremos de maneira regionalizada, o que pode evitar, por exemplo, que uma determinada construção seja planejada para uma região muito propensa a grandes tempestades, deslizamentos e alagamentos, por exemplo.
O aprofundamento dos estudos também mostra que os comportamentos climáticos vão ser muito diferentes por região. Enquanto no Sul e em partes de São Paulo e Mato Grosso do Sul a tendência é ter mais chuvas extremas, partes do Nordeste terão mais eventos de seca. Mas, também nessa região, algumas áreas mais ao norte terão mais chuvas e menos ventos, por exemplo.
Operação
A operação das infraestruturas também está cada vez mais se apoiando em dados meteorológicos, de acordo com Nunes. Em parte usada para ampliar a segurança de operações – com alertas de eventos extremos para proteger equipes em trabalho de campo, por exemplo –, esse tipo de monitoramento já se ampliou para previsões sobre quando haverá eventos adversos (chuvas ou ventanias) para planejar os fluxos de trabalho e operação de cargas em setores como portos e ferrovias, por exemplo.
Os efeitos das mudanças climáticas sobre a operação também são grandes. Somente nesta quarta-feira (16), a MRS Logística, uma das maiores operadoras ferroviárias do país, conseguiu retomar plenamente suas operações, mais de um mês após as chuvas mais fortes que afetaram a região de Minas Gerais. O comunicado da empresa está neste link.
Mudanças de prioridades
As prioridades de investimentos também terão que mudar. Em nota após o evento de Petrópolis, o presidente da Abes (Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental), Luiz Pladevall, lembrou que o setor de drenagem urbana, que sempre foi uma espécie de “primo pobre dos investimentos em infraestrutura” no país, terá que ser priorizado com o aumento dos eventos extremos.
“A falta de planejamento e de investimentos continuados, somada às dificuldades dos municípios para a implantação de obras ou para a operação e gestão desses serviços, são fatores que deprimem, há décadas, os sistemas de drenagem urbana”, afirmou.