Gabriela Vilaça, para a Agência iNFRA
O governo do estado de São Paulo decidiu suspender a cobrança em sete trechos de rodovias estaduais que estavam previstos para operar sob o sistema de pedágio eletrônico (free flow), após pressões políticas e questionamentos.
A medida, confirmada no fim de outubro, afeta concessões recentes que haviam sido estruturadas sob a política de modernização viária do governo estadual, que visava ampliar o número de locais de cobrança de pedágio com o intuito de reduzir o valor devido à ampliação da base de pagantes. A inclusão de novos pagantes, especialmente em zonas mais urbanizadas, tem sido o problema para a implantação do novo sistema em todo o país.
No lote da Rota Sorocabana, sob gestão da Motiva, cinco pórticos passarão a funcionar apenas para contagem de tráfego, sem cobrança, e na Rodovia Padre Manoel da Nóbrega (SP-055), sob gestão da CNL (Concessionária Novo Litoral), dois pórticos que cobrariam tarifas foram transformados em pórticos de monitoramento.
No total, dos 19 novos pórticos free flow com instalação prevista até dezembro (doze da Sorocabana e sete da CNL), sete passarão a funcionar apenas para contagem de tráfego, sem tarifas para o usuário. Embora a decisão interrompa a arrecadação em parte dos pórticos, representantes das concessionárias ouvidos pela Agência iNFRA afirmam que os impactos financeiros são limitados, em função de mecanismos regulatórios já pactuados com a Artesp (Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados de Transporte do Estado de São Paulo).
Na prática, os pórticos desativados continuam operando para fins de monitoramento e contagem de tráfego, permitindo a medição da perda de receita e a aplicação do reequilíbrio econômico-financeiro. Em contratos de concessão, em que há previsão de outorga, a compensação ocorre via abatimento em valores devidos ao estado (o que é o caso da Sorocabana); nas PPPs (Parcerias Público-Privadas), como a CNL, por meio de repasse direto do poder concedente.
Pacificado, mas com desconforto
O CEO da CNL, João Couri, explica que o tratamento regulatório foi dado antes do início da operação, por meio de um TAM (Termo Aditivo e Modificativo) assinado com a Artesp. “No nosso caso, os pórticos de Itariri e Pedro de Toledo foram convertidos para controle de tráfego. Toda a tarifa que existia nesses pórticos, que estava fracionada, passou a ser cobrada no pórtico de Miracatu. Apesar de ser uma situação imposta à concessionária, a Artesp foi célere nas tratativas regulatórias e o risco econômico ficou mitigado”, afirmou.
“Apuramos mensalmente o volume de tráfego nos pórticos de monitoramento e cobrança. Se houver algum reequilíbrio, a favor ou contra, o ajuste é feito pela Artesp. É uma situação regulada, sem impacto relevante no fluxo financeiro”, explica.
O CEO da CNL classifica a decisão como ajustes pacificados, mas reconhece desconforto com a mudança de escopo após a assinatura dos contratos. “O tratamento regulatório foi dado com rapidez, mas o fato é que houve uma alteração em algo pactuado inicialmente. Do ponto de vista de segurança jurídica, o futuro dirá como esse tipo de precedência será interpretado”, observou Couri.
Em nota, a Motiva se limitou a comentar que “as alterações contratuais relacionadas à implantação do sistema de pedágio eletrônico na Rota Sorocabana foram objeto do Termo Aditivo Modificativo nº 01/2025, nos termos aprovados pela Deliberação nº 486 do Conselho Diretor da Artesp, publicada no Diário Oficial do Estado do dia 30/09/2025”.
Contexto político
O episódio é visto como mais um reflexo da sensibilidade política do tema pedágio, especialmente em ano pré-eleitoral. “A discussão se acirrou na região de Sorocaba e no litoral, onde havia pórticos previstos em áreas urbanas. O governo optou por descomprimir a pauta”, disse uma fonte próxima ao setor.
O diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), Marco Aurélio Barcelos, afirmou que o debate atual em São Paulo “não é sobre o free flow em si, mas sobre a cobrança de pedágio”.
“O free flow é um elemento novo na narrativa, mas a verdade é que existe ainda essa refração à hipótese de pagamento de pedágio em trechos que antes não tinham esse tipo de cobrança. Ao invés de ser demonizado, o sistema precisa ser entendido como a solução. É ele, em última análise, que vai baratear as tarifas para todos”, defendeu Barcelos.
Ele alerta, ainda, que o ambiente político pode afetar a consolidação do modelo. “É preciso cautela para que o free flow não seja dragado para um ambiente político, porque aí ele vai servir de tempero para discussões que, no fundo, nada têm a ver com o free flow”, afirmou.
Mudanças preservam investimentos, afirma SPI
Em nota, a Secretaria de Parcerias em Investimentos do Estado de São Paulo informou que “as revisões nos pórticos de cobrança das rodovias concedidas seguem critérios técnicos definidos pela Artesp, com o objetivo de garantir a justiça tarifária e atender à orientação do Governo de São Paulo de não cobrar tarifa de quem trafega apenas dentro do próprio município. As mudanças preservam os investimentos e as obras previstas em contrato, mantendo a qualidade e a segurança das rodovias”.
“Nos casos em que há retirada ou ajuste de pórticos, os Trechos de Cobertura TCP são redistribuídos dentro da própria concessão, conforme norma do TCE (Tribunal de Contas do Estado), de forma a manter o equilíbrio econômico-financeiro. As isenções são aplicadas apenas em situações específicas, como locais em que o pórtico separaria bairros de uma mesma cidade, e seguem análise técnica da Artesp, sem impacto adicional para o Estado ou para os usuários”, completa a nota.
Processo regular
Após a publicação da reportagem, a SPI enviou esclarecimento afirmando que “não houve recuo ou mudança de diretriz” na implantação do free flow no estado. Segundo a secretaria, os ajustes feitos em pórticos de determinados lotes integram o processo regular de modelagem – que inclui consulta pública, audiências, análise técnica e eventuais adequações. O órgão reiterou que, em São Paulo, a cobrança só é ativada após a entrega e homologação das obras essenciais pela Artesp e que os pórticos convertidos para monitoramento não geram tarifa, sendo utilizados apenas para gestão de tráfego e segurança viária.
Ainda de acordo com a SPI, eventuais mudanças passam por avaliação tripartite entre concessionária, poder concedente e Artesp, preservando segurança jurídica e investimentos, e o modelo paulista segue orientado pela justiça tarifária, com pagamento apenas pelo trecho percorrido.








