Geoinformação é referencial estratégico na mineração

Representante da crescente participação feminina no setor de mineração, Patrícia Procópio tem mais de 30 anos de experiência na indústria, tendo se especializado no domínio das tecnologias de georreferenciamento. Diretora LATAM de Planejamento, Inovação & ESG da Hexagon, empresa líder de mercado global em soluções de realidade digital, Patrícia ressalta que a geoinformação é um grande diferencial estratégico para gestão de qualquer indústria, mas principalmente na mineração, em função do seu caráter geográfico de atuação.

Em entrevista à Agência Geocracia, ela diz que a geoinformação permite o mapeamento detalhado, multidisciplinar dos mais diversos níveis de informação dos territórios de atuação em toda sua abrangência. “Em termos simplificados, a geoinformação nos permite analisar uma diversidade de dados e informações georreferenciados, de qualidade, de forma integrada e segura para suporte à tomada de decisão das empresas além de permitir a simulação dos mais diversos cenários”, afirma Patrícia, que participou ativamente e com destaque ao lado da Samarco e da Fundação Renova em ações de crise e gestão territorial, logo após o rompimento da Barragem de Fundão, em Minas Gerais, em 2015.

PhD em Geologia e especialista em Geoprocessamento, Patrícia é também uma das fundadoras e presidente do movimento Women in Mining Brasil, entidade que trabalha pela ampliação e fortalecimento da participação das mulheres no setor da mineração. Ela cita dados recentes que mostram apenas 17% de mulheres na mineração e defende que o tema da diversidade seja tratado como um compromisso assumido de forma estratégica e transparente pelas empresas do setor. “Depois, as empresas precisam estabelecer um plano com ações efetivas de transformação e reforço”, diz Patrícia, homenageada com a Medalha Maura Menin 2022, pela Sociedade Mineira de Engenharia-SME, e agraciada como Personalidade do Ano do Setor Mineral, na categoria Liderança Feminina, pela Revista Brasil Mineral, em 2021.

Acompanhe, a seguir, a entrevista na íntegra.

Você foi uma das primeiras mulheres a exercer um papel de liderança em uma mineradora – mesmo hoje, apenas 28% de mulheres ocupam cargos gerenciais no setor, de acordo com o Relatório WIM Brasil 2022. E justamente na área geo, tão desafiada em função dos acidentes de Mariana e Brumadinho. Como a geoinformação pode ajudar a prevenir e evitar esse tipo de catástrofe?

A realidade que vemos hoje é de uma participação tímida das mulheres na mineração, mesmo que mais de 50% população brasileira, segundo o IBGE-2021, seja do sexo feminino. Imagina como era há mais de 30 anos?

Vivi muitas dificuldades como geóloga em mineradora, mas o meu papel de liderança surgiu quando descobri o espaço e as oportunidades para o desenvolvimento de projetos de tecnologia aplicados. Meu objetivo sempre foi a busca de uma indústria mineral mais sustentável e responsável e isso me ajudou a ser uma das precursoras da implantação das geotecnologias e da valorização da geoinformação globalmente no setor.

A geoinformação é um grande diferencial estratégico para gestão de qualquer indústria, mas principalmente da mineração, em função do seu caráter geográfico de atuação. Ela permite o mapeamento detalhado, multidisciplinar dos mais diversos níveis de informação dos territórios de atuação em toda sua abrangência, além de integrar suas mais diversas atividades, operacionais ou não, às atividades de seus stakeholders, numa visão analítica, contextualizada e sinóptica. Todo esse conhecimento acessível de forma integrada auxilia na análise, simulação e antecipação de cenários, otimizando processos e suportando tomadas de decisão complexas de forma mais responsável e sustentável. Em termos simplificados, a geoinformação nos permite analisar uma diversidade de dados e informações georreferenciados, de qualidade, de forma integrada e segura para suporte à tomada de decisão das empresas além de permitir a simulação dos mais diversos cenários.


O setor de mineração é, tradicional e globalmente, um ambiente muito masculino. No Brasil, segundo a McKinsey, as mulheres ocupam apenas 17% das vagas gerais. Como estamos em relação ao mundo nesse aspecto?

A realidade brasileira não é muito diferente do mercado global e da indústria em geral, e também não é uma exclusividade da mineração. Vemos diariamente iniciativas em várias empresas e setores pela busca de uma maior diversidade em seu quadro de funcionários.

O Women in Mining tem como principal objetivo a ampliação e o fortalecimento da participação das mulheres no setor da mineração. Fazemos parte de um movimento internacional, presente em praticamente todos os países onde a mineração é uma atividade economicamente relevante. Na grande maioria desses países, as mulheres não ultrapassam os 20% de participação. Temos um longo caminho conjunto para que alcancemos a equidade de gênero na mineração global.


Qual o maior desafio para elevar a participação de mulheres na indústria?

O maior desafio da mineração e outras indústrias para garantir uma maior diversidade e inclusão é, sem dúvida, cultural, seja em se tratando de gênero ou de outros grupos de afinidade sub-representados como cor, orientação sexual, capacidades, idade, classe social, religião ou crenças variadas.

Para termos uma transformação cultural, o primeiro passo é que o compromisso com a diversidade seja assumido de forma estratégica e transparente. Depois, as empresas precisam estabelecer um plano com ações efetivas de transformação e reforço. Parece fácil, mas é necessário que se invista recursos humanos e financeiros para que a transformação seja real e permanente; e impacte todos os ambientes e níveis das organizações.

Finalmente, só podemos falar realmente em transformação quando vermos os relatórios de progresso. Ao assumir o compromisso com o Women in Mining Brasil, as empresas se comprometem a reportar seus números e mostrar para o mundo os resultados das ações (veja aqui o relatório de 2022).


Como está a formação para as carreiras que atuam nas mineradoras? A presença de mulheres está aumentando?

A presença de mulheres em cursos de graduação STEAM (Science, Technology, Engineering, Arts e Mathematics – Ciência, Tecnologia, Engenharia, Artes e Matemática) ainda é baixa. O IBGE divulgou em 2021, na pesquisa “Estatísticas de Gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil”, a fotografia de nossa sociedade em relação à formação universitária. A pesquisa mostrou que, apesar das mulheres brasileiras terem, hoje, mais acesso ao ensino superior do que homens, mais da metade das matrículas delas é para áreas como bem-estar — que inclui o curso de serviço social (88,3%) —, saúde, excluindo medicina, (77,3%), ciências sociais e comportamentais (70,4%) e educação (65,6%), por exemplo. Por outro lado, as mulheres representam apenas 13,3% dos alunos de Computação e TIC (Tecnologia da Informação e Comunicação) e 21,6% dos cursos de engenharia e profissões correlatas.

Pensando nisso, uma das frentes de trabalho do Women in Mining Brasil é a atuação junto às universidades nas disciplinas STEAM. Ao incentivarmos e prepararmos melhor as futuras profissionais que irão para nossa indústria, poderemos também melhorar os nossos números.

Em relação à presença das mulheres nas mineradoras, esse percentual também é ainda muito baixo. Para melhorarmos esse cenário em nossas lideranças, é essencial que se invista em capacitação dessas mulheres para esses cargos. No Relatório WIM Brasil, as organizações, apesar de reportarem que oferecem capacitações considerando princípios de DEI e que possuem programas de desenvolvimento de carreiras de lideranças específicos para mulheres, os números da pesquisa demonstram que o desenvolver não é uma prioridade, pois este percentual relativo ainda é muito baixo. Como exemplo, apenas 11% das vagas dos treinamentos de liderança são ocupadas por mulheres. Além disso, ainda temos muita dificuldade em contratação de mulheres para as categorias de base, que são a maior parte do volume da força de trabalho.

Mais uma vez, reforço que este é um longo e árduo caminho. Para garantir esta efetividade precisamos investir em uma estruturação robusta e madura de forma a atrair, capacitar e reter talentos femininos a longo prazo e, consequentemente, reduzir o gap na força de trabalho entre homens e mulheres no setor.

E em relação à área de abrangência geográfica e econômica das mineradoras? O que pode ser feito em termos de estímulo à contratação de fornecedores liderados por mulheres e atuação em comunidades?

Quando discutimos a abrangência geográfica e econômica do setor mineral, observamos que há muito a ser feito, tanto para fazer avançar os acordos de cooperação quanto para mudar a forma como a indústria se relaciona e investe, principalmente nos territórios onde opera. Fica claro a necessidade da promoção de atividades para o mapeamento e desenvolvimento das comunidades locais, com garantias de investimentos dedicados às mulheres.

São diversas formas e oportunidades de relacionamento, desde o fomento à diversidade de fornecedores da cadeia, estimulando o empreendedorismo feminino por meio de capacitações e acesso a microcrédito e também incentivando o consumo de produtos desenvolvidos por mulheres da região.

As mineradoras podem também criar programas ou estabelecer parcerias com programas locais já existentes voltados para a capacitação de mulheres, campanhas educativas para a valorização da mulher ou inibidoras de violência contra mulher, por exemplo. É preciso acabar com a invisibilidade das mulheres nesses territórios, e o primeiro passo é conhecê-las.

Temos acesso a várias empresas com ideias e projetos que transformaram a vida de mulheres em comunidades remotas, e esse é o poder do Women in Mining – somos uma rede de apoio e de trocas.

As opiniões dos autores não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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