Agnaldo Brito*
A superexposição das organizações gerou uma nova dinâmica sobre como as grandes companhias devem conduzir sua comunicação e fazer a gestão reputacional. Diante disso, duas questões surgem: O C-Level entendeu essa mudança?
As mudanças empreendidas por grandes companhias internacionais, na chamada relação com seus públicos, têm sido fundamentais para a construção do novo modelo de aferição reputacional. Em 2019, grandes companhias do capitalismo mundial lançaram um manifesto a partir de uma discussão que ficou conhecida como Business Roundtable. A proposta, em essência, foi de certa forma mudar o centro de gravidade de grandes companhias. A forte hegemonia de acionistas e controladores perdeu espaço para uma visão mais multilateral a partir da qual os assim chamados stakeholders (públicos de interesse com os quais temos que nos comunicar) passaram a ter grande relevância na rotina dos negócios. Essa mudança na geografia de comando tem exigido ademais projetos de Stakeholders Management – fundamentais para entender como pensam e agem os públicos de interesse.
Entre os objetivos dessa mudança do eixo (e como consequência a necessidade de busca de um novo reequilíbrio organizacional) estão compromissos globais de mudança e de aprimoramento das posturas nos seus negócios. Uma visão mais orientada para valores globais, reconhecidos e aceitos e que – em certa medida – impõe uma mudança de comportamento, uma mudança de ordem cultural, o que é sempre mais complicado e desafiador para qualquer organização. São mudanças que estão impactando todos os negócios ao redor do mundo, o que inclui – por óbvio – o mundo da infraestrutura.
Mas antes de avançar para o complexo universo da infraestrutura, importante destacar o que está mudando – e que foi identificado por esse movimento do Business Roundtable. Nenhuma companhia está livre atualmente das versões sobre sua atuação. Falamos das coisas mais básicas, até cotidianas, mas alcançando até rumores que não tenham qualquer conexão com a realidade e que podem afetar a imagem da empresa e sua relação para com as comunidades ao seu entorno. A observação na esfera pública da atuação de uma empresa não se dá mais apenas pelo objeto que ela produz ou pelo serviço que ela oferta. Temas e visões (quando não boatos e versões), cujas ênfases estão mais e mais presente, aparecem também na avaliação sobre como esse produto ou serviço se insere na vida ou na realidade em que é consumido, usado ou percebido. No mundo da infraestrutura ou mesmo no universo da indústria de base (mineração e beneficiamento, por exemplo), são fundamentais os projetos de gestão da comunicação com esses públicos, sem o qual essa interlocução perde potência e foco.
É a partir desta perspectiva que surge – no mundo e no Brasil –, e avança rapidamente entre empresas atentas, a necessidade de dar um propósito à atuação, um sentido àquilo que é ofertado como produto ou serviço. Neste propósito está, ademais, contido também o seu impacto sobre comunidades ou públicos de interesse que se relacionam com a atividade. É nociva tal relação? Em que medida ela está mensurada? De que forma é compensada? A equação, extraída de tal relação, é positiva ou negativa? Há uma interlocução com esses públicos? Ela está aderente ao meu propósito? Minha organização tem um propósito?
Perguntas incômodas, sem dúvida. Mas são questões, no ambiente em que nada passa mais despercebido, que precisam ser respondidas. Convém dizer também que, a depender da resposta que se obtenha, talvez seja necessário que o alto comando da companhia repense visões e prioridades. E aqui chegamos ao ponto central do nosso tema: há compromissos do conselho de administração, do CEO, do C-Level da companhia? Esse inescapável escrutínio público, com exposição maciça nas redes sociais e depois nas mídias tradicionais (enquanto todos esses espaços seguem sendo retroalimentados a depender da crise e do evento negativo), exigirá sempre uma observação permanente e racional do fenômeno da comunicação. De que forma ela se processa e quais são os instrumentos dos quais disponho para fazer a gestão comunicacional que seja capaz de aplacar expectativas dos stakeholders (ou dos públicos de interesse). Como alcanço a chamada “licença social” para seguir cumprindo seu propósito organizacional – o que se configura algo muito complexo e amplo do que os valores e missões empresariais.
Saber como se comunicar nesse ambiente é uma parte imprescindível, mas é preciso contar também com o entendimento e a compreensão dos altos executivos da organização. O propósito de uma companhia precisa estar em linha com os anseios não apenas de seus acionistas e controladores (falamos aí de um modelo vencido). É necessário buscar o respaldo nos públicos de interesse, e isso não significa que todos os stakeholders precisam concordar com você. O fundamental é que estes sejam capazes de observar em você um espaço para uma interlocução qualificada, transparente e honesta. Um projeto de infraestrutura não é só uma obra ou um serviço que será ofertado por um par de anos com uma taxa de retorno adequada e pré-definida em um contrato público. Já foi assim. Não é mais, e se equivoca quem avalia que seguimos nesta toada. Infraestrutura, pela abrangência de seu impacto, é sempre uma iniciativa que muda a geografia, a vida das pessoas, afeta a história de comunidades, quando menos criar outras histórias. Compreender a extensão desse impacto é o primeiro passo para essa mudança cultural urgente.
A trajetória de uma organização precisa envolver a comunicação corporativa, mas precisa mobilizar também as instâncias de RelGov, Compliance, Relações Institucionais etc. São vários os polos que precisam ser mobilizados para que a organização reveja sua trajetória, encontre seu propósito e, a partir daí, reconstrua suas relações. É está que ajudará a traduzir os preceitos básicos de uma organização corporativa para os públicos de interesse com os quais ela quer dialogar. Negligenciar isso amplifica, desnecessariamente, o risco do negócio.
*Agnaldo Brito é diretor de Comunicação em Infraestrutura na LLYC (LLORENTE Y CUENCA), consultoria global de gestão da reputação, presente em 13 países.