Dimmi Amora, da Agência iNFRA
O projeto de criar ferrovias por autorização no país entrou em outro patamar com o anúncio feito na última quinta-feira (7) pelo Ministério da Infraestrutura de que a Rumo, maior operadora ferroviária do país, solicitou autorização para construir três novos trechos.
A entrada da companhia se deu, no entanto, de uma forma que expôs de vez uma guerra entre ela e as outras concessionárias ferroviárias, que vinha se travando nos bastidores, inclusive na associação que reúne as empresas.
Os trechos pedidos pela Rumo concorrem com ferrovias que foram solicitadas pela VLI Logística e com um existente da MRS Logística, as duas outras gigantes do setor.
No anúncio, o ministério informou que a companhia solicitou autorização para construir um trecho entre Água Boa e Lucas do Rio Verde (MT). Esse trecho é a chamada Fico 2 (Ferrovia de Integração Centro-Oeste), para o qual a VLI havia feito pedido logo quando a Medida Provisória 1.065 foi lançada, no fim de agosto.
A Fico 2 se liga à Fico 1, que está com sua construção em início e ligará Água Boa a Mara Rosa (GO), onde se encontrará com a Ferrovia Norte-Sul, num trecho operado pela Rumo. A Fico 1 ainda terá sua operação licitada após a construção terminar, ou seja, ninguém sabe quem vai operá-la.
A Fico é uma das ferrovias que pretendem chegar à principal região produtora de grãos do Mato Grosso. Há outras duas estradas de ferro, uma da própria Rumo, a extensão da Ferronorte, para a qual a empresa obteve do governo do Mato Grosso autorização para construí-la, e as obras devem começar em 2023.
A outra é a Ferrogrão, que por enquanto é um projeto de concessão do governo federal ligando a região aos terminais portuários no Pará, suspenso judicialmente por problemas fundiários. A Rumo vinha nos bastidores tentando barrar seu andamento, o que para integrantes do Ministério da Infraestrutura era uma forma de evitar concorrência pela carga do agronegócio.
Outro projeto para o qual a Rumo pediu autorização é uma ligação entre as cidades de Chaveslândia e Uberlândia (MG). A VLI também já havia feito a solicitação do trecho, que tem potencial de transporte de minérios. Queria conectar à malha da FCA (Ferrovia Centro-Atlântica), uma de suas controladas.
Ferradura de Santos
A Rumo também solicitou construir um trecho para se ligar ao Porto de Santos (SP) diretamente, saindo da chamada Ferradura, um trecho que é operado pela MRS Logística e pelo qual todas as ferrovias que chegam a Santos têm que passar antes de entrar no porto.
No comunicado, o ministério informa que o trecho seria “uma segunda ferradura ao largo da existente, com previsão de R$ 1 bilhão de investimento e 37,5 quilômetros de extensão. O novo segmento ficaria entre o pátio de Perequê, em Cubatão (SP), e as margens esquerda e direita do Porto de Santos, conectando, respectivamente, os pátios de Conceiçãozinha e Valongo”.
A Rumo também apontava que estava insatisfeita com a manutenção da ferradura com a MRS na renovação do contrato de concessão dela com o governo. Houve um movimento em Santos, que as empresas atribuem à Rumo, de levar a ferradura para a Ferrovia Interna do Porto de Santos, que está em processo para ter uma nova administração.
A alegação é que a MRS não faria os investimentos necessários para os novos trens de 120 vagões da Rumo e que cobra um valor muito maior na Ferradura do que a média das ferrovias pelo direito de passagem dos trens de outras operadoras.
A MRS alegou que vai fazer os investimentos necessários, que não estavam previstos antes porque a Rumo mudou o tipo de trem após a proposta da MRS ter sido apresentada, e está renegociando as tarifas teto no novo contrato. A tendência no momento é que o governo mantenha a ferradura com a MRS.
Nessa região de Santos, a VLI já tinha feito um pedido para fazer uma ligação direta entre sua ferrovia da FCA que chega a Santos ao terminal que ela opera na região, o chamado Tiplam, também evitando passar pela ferradura.
Planos complexos
O fato é que os pedidos da Rumo tornam mais complexos os planos que o governo tinha, pelo menos em relação a essas duas ferrovias da VLI, de emitir as autorizações ainda na vigência da MP 1.065.
Mais de um mês depois de ter sido publicada, a MP ainda não tem uma portaria que regulamente como será o processo para autorizar ou não as ferrovias que forem solicitadas. A informação é que ela pode sair na próxima semana.
Sem a portaria, não há como fazer as análises necessárias para dar a autorização, mesmo para trechos em que não há disputa. O governo vem falando que pretende autorizar todas as ferrovias que forem pedidas, inclusive as que forem concorrentes na mesma região.
Mas, para um especialista no setor consultado pela Agência iNFRA, e que pediu para não ser identificado, autorizar ferrovias concorrentes dificilmente levará à implementação de alguma delas no futuro devido ao risco concorrencial, o que inviabilizaria qualquer tipo de financiamento.
A Agência iNFRA pediu posicionamento da Rumo, da VLI e da MRS, mas elas informaram que não iriam se pronunciar.
Ferrovias da Bracell
Além da Rumo, a multinacional do setor de celulose Bracell também fez pedidos para construir duas linhas em São Paulo, ligando suas fábricas às linhas já existentes. A Bracell está investindo em locomotivas próprias para transportar seus produtos.
De acordo com a nota do governo, a empresa solicitou autorização para “desenvolver trecho de 4 quilômetros dentro do município de Lençóis Paulistas (SP), com investimento de R$ 50 milhões, a fim de transportar anualmente carga de 1 milhão de tonelada de tora de eucalipto de sua fábrica no município ao Porto de Santos”.
O outro segmento solicitado é de 19,5 quilômetros de extensão e ligaria o mesmo município à malha ferroviária de Pederneiras (SP), sentido Porto de Santos. “Nesse caso, o objetivo é transportar carga geral de celulose calculada em 1,7 milhão de toneladas/ano. Para tanto, a empresa se propõe a investir mais R$ 200 milhões”, informou o ministério.
Redação final publicada
Com os pedidos informados na última quinta (7), chegaram a 19 as solicitações apresentadas até o momento dentro das regras da MP 1.065. Nos cálculos do governo, seriam agora R$ 82 bilhões em investimentos futuros (sem considerar as autorizações concorrentes).
O governo tenta autorizar as ferrovias dentro da MP enquanto avança o Projeto de Lei 261/2018, aprovado na última terça-feira (5) pelo Senado. Na quinta-feira, a redação final da proposta ficou pronta e foi encaminhada para a Câmara dos Deputados, onde passará por análise.