Hubports no Brasil dependem de planejamento e “escolhas difíceis”, dizem autores de estudo

Dimmi Amora, da Agência iNFRA

O Brasil tem carga suficiente e se beneficiaria caso implementasse uma política de terminais portuários concentradores de cargas para receber grandes navios, os hubports. Mas isso depende de planejamento, investimentos e ações de incentivo que estão atrasadas em relação ao resto do mundo. 

E também de “decisões difíceis” que o poder público terá que tomar para escolher onde investir para ter portos concentradores e alimentadores de carga, de acordo com os autores do estudo inédito realizado pela APM Terminals, do Grupo Maersk, A&M Infra e Navarro Prado Advogados. O white paper completo, disponibilizado na última quarta-feira (27), pode ser visto neste link.

O trabalho mostra que é tendência mundial portos concentradores de carga conteinerizada, que recebem grandes navios internacionais para que a carga deles seja depois redistribuída em navios menores para outros portos. Um dado para mostrar isso é que, na média mundial, contêineres de transbordo, que caracterizam essa operação, representam cerca de 1/3 dos movimentos. No Brasil, só 1/5.

No início deste século, só 1/20 dos contêineres movimentados no país eram de transbordo. Quando os portos foram adaptados para os navios maiores, de 300 metros, no início da década de 2010, esse número subiu rapidamente para 1/5, mas a partir disso está estacionado. Segundo o trabalho, isso ocorre porque o país não avança para a classe seguinte de navios, os de 366 metros. 

Em entrevista à Agência iNFRA para explicar o estudo, Leonardo Levy, diretor de Investimentos da APM Terminals para as Américas, Lucas Navarro Prado, sócio do escritório Navarro Prado Advogados, e Marcos Pinto, sócio-diretor da consultoria A&M Infra, explicaram que falta não apenas investimentos e incentivos para esses grandes navios, mas especialmente planejamento.

O tema dos hubports não consta nos planos locais dos portos. Nem no planejamento setorial nacional, o que é motivo de preocupação, já que esse modelo de movimentação de carga requer a escolha de uma ou algumas áreas para concentrar contêineres e outras para alimentar (chamados feeders), o que exigirá uma escolha para que não haja dispersão de investimentos.

“É uma escolha política difícil. Mas tem que ser feita, baseada em números”, explica Marcos Pinto.

Ele lembra que faltam no entanto estudos mais aprofundados sobre o tema, até mesmo para o maior porto do país, Santos (SP), que seria um candidato natural para esse tipo de operação, segundo o estudo, por concentrar muita carga que chega diretamente para ele.

Marcos Pinto lembra que foram feitos levantamentos há uma década pela USP (Universidade de São Paulo) para avaliar se economicamente valia a pena fazer vultosos investimentos no porto para prepará-lo para os navios de 366 metros. Segundo ele, o estudo mostrou que era viável no momento, mas que eles precisavam ser revistos em 2018, prazo que se imaginava que essa nova classe de navio já estaria operando em Santos.

O problema é que só em 2024 começaram a se criar as primeiras operações, quase em modelo de teste, para os navios de 366 metros no porto de Santos. E os estudos para aprofundar o canal a 17 metros, condição essencial para os navios desse porte, seguem em andamento. Leonardo Levy lembra que, apesar de Santos ter a característica natural de concentrador, são necessárias outras avaliações sobre o tema.

Ele observa que, para cada grande navio que chega ao cais, são necessários mais três ou quatro menores, praticamente ao mesmo tempo, para redistribuir os contêineres de forma ágil, o que aumentaria em muito o movimento no canal de acesso marítimo.

“Será que o canal vai ter condições para isso?”, questiona o diretor da companhia.

Incentivos regulatórios
Mas o estudo mostrou que não falta somente investimento em infraestrutura para se operar no modelo. Os terminais portuários de contêineres não têm incentivos regulatórios para o transbordo. Isso ocorre porque os contratos são modelados para que cada contêiner movimentado gere um pagamento para a autoridade portuária.

No caso dos contêineres de transbordo, os terminais recebem por eles apenas pelo movimento entre o pátio e o navio. Se o contêiner fica no terminal, eles podem ofertar outros serviços, o que aumenta a receita do terminal, gerando desincentivo para o transbordo.

Levy explica que em alguns portos no mundo que buscam ser concentradores, a autoridade portuária deixa de cobrar do terminal por movimentação de contêineres a partir de um determinado número movimentado, entendendo que essa quantidade além do previsto é do mercado de transbordo que elas desejam incentivar.

80% de navios atrasados
O modelo de concentração pode trazer “grandes benefícios” ao país, segundo a avaliação. O movimento de contêineres em transbordo no país poderia ter uma carga adicional entre 2 milhões e 4,6 milhões de TEUs (medida de tamanho de contêiner), inclusive capturando carga dos vizinhos do Mercosul. O maior volume seria quase o dobro do movimento de 2023.

O trabalho afirma que o modelo pode reduzir custo de transporte para os armadores em 13%, o que os autores defendem que se refletiria em redução de fretes, mas principalmente em maior confiabilidade dos serviços de entrega de contêineres, que atualmente sofrem com atrasos rotineiros dos navios.

“80% dos navios estão atrasados no Brasil hoje”, informou Levy.

Isso ocorre porque a média de paradas de um navio na costa leste da América do Sul é entre cinco e seis. Problemas climáticos, de falta de espaço nos terminais e outros fazem com que os navios tenham mais chances de não cumprirem a programação, segundo os autores, o que leva aos atrasos. 

O estudo mostra num modelo teórico que, em média, para os clientes atendidos nos portos feeders, a carga poderia levar dois dias a mais para chegar do que o tempo idealmente previsto num transporte direto. Mas, para os autores, na realidade os atrasos são muito maiores que esses dois dias, o que levaria a um ganho efetivo e maior previsibilidade. 

“Imobilismo”
O texto do trabalho é crítico em relação à falta de prioridade estatal para o tema, o que os autores confirmam na entrevista. “Especificamente, o tema planejamento e consolidação de hubports no Brasil requer um cuidado específico por parte das Autoridades Portuárias e formuladores de planejamento e políticas públicas no setor portuário (…). Inversamente, o que se vê hoje é um cenário em que o assunto não é endereçado no planejamento de transportes e setorial. Tal imobilismo não parecer ser uma opção de política pública”, informa trecho do trabalho.

Lucas Navarro Prado lembra ainda que nos últimos anos tem havido tentativa de imposição de barreiras para os grandes armadores mundiais, que são os principais interessados nesse modelo, aplicarem esse modelo no Brasil. Segundo ele, essas barreiras não são tecnicamente justificáveis e é necessário entender o movimento para não “remar contra a maré”.

O tamanho do mercado nacional em relação aos vizinhos e as condições geográficas nos principais portos dão a impressão aos autores de que esse modelo seria “inevitável” e “vai acontecer naturalmente”, mesmo sem incentivos do governo, apenas com soluções de mercado. Leonardo Levy reconhece que as condições do Brasil são de fato muito propícias, mas não crê que seja um destino natural para o país.

“A busca por escala e redução de custo vai sempre continuar. Se não tiver um hub aqui, o navio pode ir para outro lugar. Se não houver um plano do país, o mercado vai tomar suas decisões”, avaliou.

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