Roberto Rockmann*
A crise hídrica reforçou a necessidade de modernização do marco regulatório do setor elétrico, mas existem diversas incertezas sobre como o assunto, que ganhou tração recente, será discutido no Congresso. Uma dificuldade é que 2022 é ano eleitoral e as discussões, que se arrastam desde o governo Temer, poderão parar no colo do próximo presidente.
O governo federal trabalha com o Projeto de Lei 414/2021, que traz em sua origem vários pontos lançados pela Consulta Pública 33 de 2017. Com relatoria do deputado federal Fernando Coelho Filho (DEM-PE), ex-ministro de Minas e Energia, ele traz a separação entre lastro e energia, um ponto debatido há anos. “Esperamos que ele seja aprovado até o fim do ano”, disse a secretária-executiva do Ministério de Minas e Energia, Marisete Pereira Dadald, em painel de abertura do Enase, evento realizado na semana passada.
No evento, empresários e autoridades falaram dos desafios que o setor tem. Falou-se muito em abertura gradual e organizada do mercado livre, transparência e aperfeiçoamentos regulatórios. Falta, porém, o plano de voo. Até janeiro de 2022, deve ser lançado um estudo sobre a abertura do mercado livre de energia para a baixa tensão a partir de 2024.
Discute-se a total abertura do setor desde a década de 1990, mas agora ela parece mais próxima do que nunca. Como será feita? Como ficará a conta da transição, já que os contratos legados respondem por importante parcela da energia consumida no país até a década de 2040? E assuntos históricos como revisão das garantias físicas? E o risco de concentração de mercado nas mãos da Eletrobras com controle de capital pulverizado? O PL 414 está mesmo atualizado com as inovações atuais? E os subsídios que têm aparecido nas discussões no Congresso?
Esses são pontos ainda em aberto em um momento no qual o governo está fragilizado e o Centrão poderoso. “O vácuo regulatório abre espaço para que lobbies se organizem”, diz um consultor. “Não corremos o risco de transformar a ‘modernização’ numa simples disputa de fontes de energia por mais subsídios?”, questiona o ex-diretor da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) Edvaldo Santana.
Entre a imposição das regras pelo Executivo, como feito em setembro de 2012, e os jabutis da recente discussão da capitalização da Eletrobras, há um meio caminho. Encontrá-lo será essencial para que a modernização do setor consiga superar obstáculos históricos: conceder autonomia financeira à EPE (Empresa de Pesquisa Energética), criar as condições sustentáveis para a total abertura do mercado, resolver a questão estrutural das garantias físicas das hidrelétricas, identificar como os reservatórios têm esvaziado mais rapidamente e propiciar que o setor elétrico ganhe robustez diante do cenário de mudanças climáticas.