Antonio Carlos Sil, para a Agência iNFRA
A forte dependência da Europa pelo gás natural vindo da Rússia está provocando uma série de reações entre as autoridades governamentais da região, levando, entre outras decisões, à interrupção do processo de descomissionamento programado de reatores nucleares, caso da Alemanha. Esse movimento, associado ao novo fôlego que a fonte obteve a partir dos resultados da COP 26, desenha um cenário positivo para novos projetos em âmbito mundial, incluindo o Brasil, segundo disse o presidente da Abdan (Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares), Celso Cunha, em entrevista à Agência iNFRA.
“O gás natural já está muito caro. Aqui [a geração termoelétrica] chegou a mais de R$ 2.000/MWh, enquanto Angra [1 e 2] vende a menos de R$ 400/MWh”, compara o especialista, para quem o momento é de planejamento, porque usinas nucleares são obras de longo prazo.
Segundo ele, geração eólica e solar têm o seu papel, mas não se comparam às fontes estáveis, de base, como hidrelétricas e térmicas. O PDE (Plano Decenal de Expansão de Energia) versão 2031, elaborado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), prevê, por exemplo, 1.000 MW de térmica nuclear na região Sudeste, ao longo desse horizonte.
Cunha lembra que o panorama para a geração nuclear começou mudar a partir das discussões que surgiram na COP 26, no ano passado. Combustíveis fósseis e carvão foram praticamente condenados, enquanto o gás natural, menos poluente, foi eleito como combustível de transição num processo de maior escala que levaria à descarbonização programada das matrizes dos países desenvolvidos. Agora, com a crise no Leste Europeu, essa perspectiva tende a ser revista, entende o presidente da Abdan. Só a China, lembra, grande consumidora de carvão, dá conta de que planeja construir 150 reatores em 10 anos.
“Num cenário de guerra, nada é fácil. É impossível prever onde isso vai parar. Temos uma incerteza pela frente e temos que ficar monitorando”, alerta Celso Cunha, em contrapartida. Ele lembra que, recentemente, uma onda de protestos de operários que trabalham nas minas de urânio do Cazaquistão – país que é o maior exportador mundial do mineral estratégico – fez o preço da commodity disparar mais de 40% no mercado internacional, em questão de dias.
“Small reactors”
Por outro lado, Cunha também vê um futuro promissor para a tecnologia dos chamados “small reactors”, que podem ser transportados e usados em qualquer lugar. Segundo ele, há pelo menos 70 projetos em desenvolvimento pelo mundo, com ampla diversificação de potenciais fabricantes. Na Inglaterra, por exemplo, já se planeja a produção em série desse tipo de reator, o que deve contribuir para que chegue ao mercado a preços razoáveis.
Já no que se refere aos grandes reatores, segmento em que competem, palmo a palmo, pesos pesados como EDF (França), CNNC (China), KEPC (Coreia do Sul) e Rosatom (Rússia), todas essas companhias, aliás, interessadas em vender serviços e produtos ao Brasil, o presidente da Abdan aponta que todas elas têm tecnologia de primeiro nível para entrar na disputa. “Algumas têm um ou outro produto que se destaca, mas, em geral, elas estão equalizadas”, comenta.
Questionado sobre se a onda internacional de sanções contra empresas russas poderia, de alguma forma, atrapalhar os planos da Rosatom no Brasil, Celso Cunha diz que – embora existam riscos – é algo difícil de admitir num cenário em que qualquer opinião taxativa acaba sendo mera especulação.
Em relação à Rosatom, ele afirma que a maior preocupação no momento é a manutenção do suprimento de radioisótopos de uso medicinal, como para tratamento e diagnóstico de câncer. A Abdan soube que a empresa, num esforço logístico, vem trazendo o produto de uma filial fora da Rússia. “O Brasil é muito dependente de fornecimento exterior de radioisótopos. Estamos em contato quase que diário com o presidente da Rosatom América Latina”, explicou.
Consultada sobre um eventual risco de ter seus negócios, de alguma forma, interrompidos no Brasil, devido ao ambiente hostil contra companhias russas, a assessoria de imprensa da Rosatom informou que não comenta “situações hipotéticas” e que, até o momento, “não está na lista de empresas sancionadas de nenhum país”.