Urubatan Silva Tupinambá Filho*
Resumidamente, o Projeto de Lei do Senado nº 261/2018 foi formalizado pelo senador José Serra (PSDB-SP) e permite à iniciativa privada a construção e operação das suas ferrovias por autorização federal precedida de chamada pública, sem seguir o rito de uma licitação para adquirir a concessão da ferrovia.
Creio, ligeiramente, que é uma forma salutar e ágil. Não pode se tornar uma regra mas uma exceção, caso excepcional. Desde a época da primeira ferrovia no Brasil em 1854, os investimentos privados fazem parte da história ferroviária brasileira. Não podem e nem devem ser subestimados.
Agora, se irá melhorar ou piorar, depende do lado a que você esteja propenso.
Para o transporte ferroviário de cargas, sob a ótica de ter mais opções de transporte e concorrência no frete com os modais, em especial o rodoviário (predominante no país), é bom. A empresa produtora aumenta seu leque para a escolha de qual modal utilizar. Dependendo da localidade que um caminhão vá, pode-se economizar até quatro dias de viagem pela ferrovia. Torna-se mais célere para o contratante e para o transportador rodoviário – que poderá fazer mais fretes com a economia de tempo que irá adquirir e ter mais tempo de descanso. Sobre os custos, o contratante terá economia. Um exemplo bem simples: se o transportador rodoviário, caminhoneiro, percorre 1.200 km para transporte de granel sólido, o custo de transporte será de R$ 222,04. Agora, se o transporte ferroviário fizer 1.200 km, o custo será R$ 101,79¹ (considerando trajetos iguais, tendendo a distância férrea a ser menor ainda).
A concessão por autorização na ferrovia de cargas dá mais liberdade para as atuais concessionárias fazerem projetos de ampliação de ramais ou aumento de linhas. Um exemplo disso é a Vale, com a pretensão de fazer um “ramal” de 400 km da Estrada de Ferro Carajás entre Marabá e Barcarena, coincidindo com o Tramo Norte da Ferrovia Gabriel Hermes (ex-Ferrovia Paraense – FEPASA) planejada pelo Governo do Pará. Também pretende-se ampliar a Estrada de Ferro Vitória a Minas até o Porto de Açu (RJ). Isso sem contar uma ferrovia que apresenta enorme potencial para trazer as boas novas na infraestrutura: Ferrogrão. Com a concessão por autorização, a ação envolve ligar 933 km de Sinop (MT) ao Porto de Miritituba (PA) com 12,7 bilhões em investimentos das tradings Amaggi, ADM, Bünge, Cargill, Louis Dreyfus para dar escoamento dos grãos em Mato Grosso.
No ponto de vista negativo, vejo como uma forma de consolidar duas empresas no país: Vale e Rumo. Como aqui não há diferenciação entre o dono da linha (explorador da malha ferroviária) e o operador do comboio locomotiva-vagão, essas empresas consolidam o seu próprio mercado (origem-transporte-destino), fazendo um círculo bem fechado que impede outros operadores de entrarem na sua malha. O Direito de Passagem é a grande questão. Caso atinjam o denominador comum e equacionem o tempo ocioso do dono da linha para o outro operador, com o proprietário da ferrovia concordando com os termos contratuais nos seus aditivos permitindo a passagem, será ótimo. Se não, será a perpetuação da Vale e da Rumo, com a Ferrogrão podendo segregar e surgir uma nova companhia exclusiva para transporte de grãos. O mercado interno se fecha e quem dita o que transportar, e quando, serão essas duas empresas, sem ter a disputa concorrencial. É uma possibilidade.
Para o transporte de passageiros, vejo com magnitude menor. O Brasil, mais do que nunca, precisa ligar as pessoas com os lugares. O mercado aéreo e rodoviário saturam o transporte de gente. Os preços, ainda mais no aeroviário, só tendem a aumentar (embora tenha sido aprovada a MP que dá a abertura em até 100% do capital estrangeiro – mais empresas, mais ofertas, tarifas menores). O rodoviário não pesa tanto o preço, mas o tempo despendido. O transporte ferroviário de passageiros entraria bem no meio: tempo menor que o rodoviário – nem tanto pela velocidade por ser próximo, mas pelo fluxo livre – e preço menor que o transporte aéreo. Diferente do transporte de cargas, em que o principal propulsionador é o seu destino – mercado externo (exportação) –, no transporte de passageiros, o meio é o mais importante. Não há necessidade de atender terceiros (desconsiderando o concessionário) ou outro mercado, mas o próprio usuário do transporte. E sem contar que sempre terá demanda de pessoas para realizar os seus deslocamentos. Nesse caso, considero esse parágrafo positivo na oportunidade de novas vias férreas. A questão regulatória (tarifa livre x tarifa regulada) é um entrave que, assim como o Direito de Passagem descrito a priori, deverá ser sancionada para equilibrar todos os agentes envolvidos.
Enfim, o desejo é que o PLS 261/2018 entre como uma solução paliativa, uma opção viável. Não seja uma política de estado, mas de governo, no momento atual, para atender aos investimentos públicos que não pode promover por ora. É a criatividade e a ousadia que surgem pela ocasião.