Rafael Fernandes, Alexandre Mundim e André Curiati*
Foi publicada, no último dia 2 de dezembro, a Resolução ANTT 6.000/2022, que aprova a Segunda Norma do Regulamento das Concessões Rodoviárias (RCR 2). O RCR 2 dá continuidade ao movimento de reforma regulatória, iniciado em 2021 pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres), que tem por objetivo uniformizar e aprimorar a regulação setorial sobre diversos temas que, hoje, possuem regimes jurídicos diversos e definidos em contratos.
O RCR 2 trata da disciplina do regime aplicável aos bens, aos projetos de engenharia, às obras e aos serviços associados às concessões rodoviárias. As principais inovações introduzidas são sintetizadas nos pontos a seguir.
Projetos de engenharia
A norma regulamenta os ritos de aprovação de projetos de engenharia das concessões (anteprojetos, projetos funcionais e projetos executivos). O objetivo das inovações criadas pela agência foi tornar a análise desses projetos mais célere e adequada à lógica contratual de uma concessão.
Neste sentido, o RCR 2 flexibiliza, em determinadas hipóteses, a necessidade de análise e não objeção da agência em relação aos projetos de engenharia. Para tanto, em primeiro lugar, estabelece rol de situações em que se dispensa a manifestação da agência sobre o projeto (art. 24). Em segundo lugar, a norma passa a atribuir efeitos positivos ao silêncio da ANTT caso transcorrido seu prazo para manifestação, desde que os projetos de engenharia digam respeito a obras previstas inicialmente na concessão e tenham sido apresentados com certificados de inspeção acreditada (art. 29, I).
As reformas apresentadas têm o condão de reduzir a burocratização dos processos relacionados à liberação dos projetos de engenharia e facilitam o início da execução das obras das concessões. Por outro lado, asseguram que a flexibilização das manifestações da agência não resulte em riscos significativos para o projeto. Afinal, a dispensa de manifestação da ANTT é reservada para obras de menor vulto e cujos projetos tenham sido objeto de certificação prévia por organismo de inspeção acreditado pelo Inmetro.
Desapropriação, licenciamento ambiental e desocupação da faixa de domínio
O RCR 2 também disciplina a realização dos atos materiais de desapropriação, a obtenção de autorizações, as licenças ambientais e a gestão da faixa de domínio das rodovias. Nesses temas, a regulamentação introduzida pela ANTT não inova em relação às práticas já consolidadas em seus contratos. Em linhas gerais, a norma apenas trata de alocar a responsabilidade por esses atos à concessionária, passando a resguardá-la, porém, no caso de atrasos que não possam lhe ser imputados.
As principais inovações são reservadas ao tratamento do risco de variação dos custos de desapropriação e licenciamento ambiental. Nesses dois casos, a norma autoriza expressamente o seu compartilhamento entre concessionária e Poder Concedente – o que pode contribuir para a ampliação dos contratos que contam com esse tipo de solução.
O compartilhamento desses riscos é operacionalizado mediante a previsão, em contrato, de valor estimado nos estudos de viabilidade como necessário para o cumprimento das obrigações de desapropriação e licenciamento ambiental. Se a verba for superada, a concessionária fará jus a reequilíbrio contratual.
Verificador
A regulamentação da figura do verificador pelo RCR 2 foi um dos temas mais aguardados pelo setor, tendo em vista as controvérsias recentes suscitadas pelo TCU (Tribunal de Contas da União) em relação à utilização dessa figura em concessões rodoviárias.
O RCR 2 prevê que o verificador poderá aferir o cumprimento de obrigações contratuais, realizar cálculo de indenizações e dar apoio à aplicação de mecanismos de regulação do contrato, incluindo a fiscalização, reprogramação e prorrogação de obra ou serviço, cálculo dos fatores tarifários, recomposição do equilíbrio econômico-financeiro e cálculo da utilização de verbas contratuais e indenizações (art. 204).
A contratação do verificador, por sua vez, é obrigatória e deverá ser executada pela concessionária a partir de termo de referência elaborado pela ANTT e em um procedimento de chamamento público. Além disso, ocorre entre os candidatos selecionados pela ANTT por períodos de, no máximo, cinco anos consecutivos, admitida a recontratação após decorridos dois anos.
A remuneração do verificador é garantida pela chamada ‘verba de verificador’, paga pela concessionária após o ateste pela ANTT da prestação de serviço.
Comitê de Corregulação de Concessões Rodoviárias
Ponto de destaque adicional do RCR2 é a criação do Comitê de Corregulação de Concessões Rodoviárias, entidade colegiada de natureza consultiva composta por membros da ANTT, da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), da Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga) e da CNT (Confederação Nacional do Transporte).
Trata-se de experiência relevante para o setor, que busca viabilizar um modelo regulatório mais permeável aos agentes regulados e que tem potencial de gerar normas mais aderentes à realidade enfrentada por esses serviços. As competências do comitê se voltam à emissão de pareceres opinativos em propostas de atos normativos em tramitação e de aprimoramento dos contratos de concessão. Essa participação sempre se dará a partir de solicitações de consulta levadas pela ANTT aos membros do comitê.
Futuro da reforma regulatória das concessões rodoviárias federais
A publicação do RCR 2 significa um passo adicional na agenda de reforma e consolidação regulatória do setor de concessões rodoviárias, processo que está a pleno vapor.
É aguardada para o biênio de 2023-2024 a publicação de três novos RCRs pela ANTT: o RCR 3, que tratará da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão rodoviária; o RCR 4, que tem por objeto a fiscalização e penalização das concessões rodoviárias; e o RCR 5, dedicado aos temas de resolução de controvérsias e encerramento contratual.