Rafael Fernandes e André Curiati*
Recentemente, a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) colocou em audiência pública uma nova minuta da Terceira Norma do Regulamento de Concessões Rodoviárias (RCR3), que versa sobre a gestão econômico-financeira dos contratos de concessão de rodovias federais. Após uma agitada reunião participativa, a agência volta a dialogar com a sociedade e o mercado em busca de novos aprimoramentos na norma.
Um dos pontos-chave do RCR3 é a instituição do RRR (Regime de Recuperação Regulatória). Trata-se de tentativa da ANTT de viabilizar a recuperação de concessões em crise, que apresentam alto grau de inadimplemento contratual e que, portanto, não oferecem aos usuários o serviço esperado.
Com isso, evita-se a extinção antecipada da concessão, especialmente a instauração de processos de caducidade e pleitos de devolução amigável para fins de relicitação, como vem recentemente ocorrendo com alguns ativos rodoviários federais.
Abaixo, são apresentados dois aspectos de destaque associados ao RRR que merecem maiores reflexões.
Concessionárias classe D
O primeiro aspecto relevante é que, ao menos segundo o desenho atual, apenas concessionárias classe D podem solicitar ingresso no RRR.
O RCR3 altera dispositivo do RCR1 (art. 10) e estabelece um regime detalhado de classificação das concessionárias, que podem ser categorizadas em quatro diferentes classes (de A até D), de acordo com o nível de adimplemento contratual.
Para viabilizar a classificação, a norma seleciona algumas obrigações estratégicas (que denomina de “macroindicadores”) cujo cumprimento será bienalmente aferido ao longo da concessão: (i) conservação e manutenção, (ii) obras obrigatórias e (iii) serviços de atendimento aos usuários.
De acordo com o nível de cumprimento dos macroindicadores, cada concessionária receberá uma “nota global”, que determinará a classe a que pertencerá nos próximos dois anos. As concessionárias classe D são as que possuem as notas mais baixas.
Ao restringir o RRR apenas às concessionárias classe D, a ANTT retira das demais a oportunidade de requerer ingresso no regime. Para elas, parte-se da premissa de que conseguirão, por conta própria, recuperar a situação de adimplemento contratual.
Porém, se é verdade que essa lógica se aplica para concessionárias classes A e B, cujo inadimplemento, por ser marginal, pode ser corrigido com maior facilidade, para concessionárias classe C, notadamente aquelas com notas globais mais baixas, o único destino para crises contratuais tende a ser justamente a extinção antecipada.
A ANTT poderia repensar quais são os alvos do regime e os objetivos que se pretende atingir. O ideal é que não haja restrições quanto à classe das concessionárias para requerer o ingresso; o crivo maior deve ocorrer posteriormente, mediante decisão da agência a respeito de quais casos se enquadram no RRR.
Transferência de controle
O RCR3 estabelece rol não exaustivo das medidas que podem ser adotadas durante o RRR (art. 13), destacando-se, dentre elas, a transferência de controle acionário da concessionária.
Em relação à transferência, segue sendo aplicada a Resolução ANTT 5.927/2021, que lida especificamente com o tema. O RCR3, porém, estabelece regramentos adicionais sobre o processo de escolha do novo acionista da concessionária, nos seguintes termos:
- Concessionária apresentará as informações que julgar relevantes a respeito da concessão e uma proposta de termo aditivo ao contrato, para viabilizar a transferência;
- ANTT disponibilizará as informações e o aditivo em reunião participativa, com o intuito de receber contribuições dos interessados em adquirir o controle acionário a respeito de medidas a serem adotadas no RRR;
- As contribuições, por sua vez, poderão ser tanto públicas (orais) quanto sigilosas (escritas), sem prejuízo, em ambos os casos, da atuação de órgãos de controle;
- Adequado o aditivo, se o caso, serão realizadas negociações com os interessados, permitindo-se a aquisição do controle apenas pelos inscritos na reunião participativa, vedada a celebração de cláusula de exclusividade para a negociação.
Apesar da boa intenção da ANTT com a implementação de um processo de participação e controle social, a reunião participativa a que se refere o RCR3 mostra-se inadequada.
Primeiro, em regra, as tratativas para a transferência de controle societário devem ser mantidas em sigilo até a efetivação da operação societária, uma vez que implicam em estratégias de negócio das empresas interessadas.
A necessária exposição do mercado em reunião participativa para posteriormente pleitear a negociação do ativo, nesse sentido, tende a desincentivar o interesse na aquisição da concessionária, fator que, na prática, pode inviabilizar a solução de crise da concessão.
Segundo, a limitação às empresas inscritas na reunião participativa para fins de negociação e aquisição do controle da concessionária constitui obrigação que restringe a liberdade econômica de seus acionistas.
A concessão é, antes de tudo, um negócio. Isso significa que os acionistas devem ter liberdade de livremente negociar o ativo com quem quer que seja, desde que atendidas as diretrizes legais e regulamentares.
Assim, o ideal é que a ANTT exclua a regra de submissão da proposta de transferência de controle acionário em reunião participativa. As diretrizes constantes da Resolução ANTT 5.927/2021 são suficientes para viabilizar a operação societária.
Contribuições
Em linhas gerais, a proposta do RCR3 de implementar o RRR é positiva, notadamente diante da realidade atual do setor de rodovias federais, que sofre com pedidos de devolução amigável, caducidade e relevantes inexecuções contratuais, especialmente de contratos da 3ª etapa. No entanto, conforme exposto acima, é ponderado que algumas regras associadas ao RRR sejam repensadas, sob pena de tornar o mecanismo pouco efetivo.
O prazo para envio de contribuições escritas à atual minuta da norma se iniciou em 27 de março e finda em 12 de maio, com sessão pública, presencial e virtual, em 27 de abril, na sede da ANTT, em Brasília.