iNFRADebate: Biometano – seu grande potencial e atuais desafios

Maria Fernanda Soares e Mariele Milhorance*

O biogás e o biometano têm ganhado maior espaço no cenário nacional nos últimos anos, sobretudo em razão da equiparação do biometano ao gás natural, hoje prevista na Lei do Gás (Lei 14.134/2021) e no Decreto do Gás (Decreto 10.712 de junho de 2021). Já neste ano, os incentivos ao uso do biogás e do biometano foram reforçados com a publicação do Decreto 11.003 de 21 de março de 2022, que instituiu a Estratégia Federal de Incentivo ao Uso Sustentável de Biogás e Biometano. Na esteira do Decreto 11.003, foram publicadas a Portaria do Ministério do Meio Ambiente (MMA) 71, que instituiu o Programa Metano Zero (Programa Nacional de Redução de Emissões de Metano), e a Portaria Normativa do Ministério de Minas e Energia (MME) 37, que inclui projetos de produção de biometano no rol do Reidi (Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da Infraestrutura). 

Para o desenvolvimento de projetos de biogás é fundamental a coexistência de dois fatores: a existência de matéria-prima abundante e um arcabouço legal e regulatório que suporte adequadamente o desenvolvimento de tais projetos, conforme demonstra a experiência internacional. 

No que tange à matéria-prima, de acordo com a Abiogás (Associação Brasileira de Biogás e Biometano), o Brasil está em posição de destaque no cenário global, sendo considerado um dos países com o maior potencial de produção de biogás no mundo, a partir de resíduos da agroindústria, sobretudo sucroalcooleira, pecuária e saneamento. 

Esse cenário que reúne diversas condições favoráveis à produção de biogás e biometano no país, associado à necessidade de soluções viáveis no curto prazo para o cumprimento das metas de descarbonização e aumento da segurança energética nacional, tem feito com que agentes passem a olhar para este setor como extremamente atrativos para investimentos. E, de fato, não têm sido poucos os projetos que têm surgido no setor nos últimos tempos. 

Neste sentido, a instituição de programas e políticas voltados ao desenvolvimento de projetos estruturantes de biogás são primordiais para o aumento da atratividade de investimentos, em um ambiente com vocação natural para a produção da molécula renovável. Tal como o Programa Metano Zero, que tem como algumas das diretrizes voltadas à redução da emissão de metano: a implantação de biodigestores e sistemas de purificação de biogás e de produção e compressão de biometano; o incentivo à criação de pontos e corredores verdes para abastecimento de veículos leves e pesados, tais como ônibus, caminhões e tratores agrícolas e embarcações movidos a biometano ou híbridos com biometano; e o estímulo à implantação de tecnologias voltadas à utilização de biogás e biometano como fontes de energia e combustível renovável.

É inegável que os avanços mencionados foram significativos. No entanto, os desafios que se descortinam ainda são relevantes. Em que pese sua equivalência ao gás natural para fins regulatórios, é preciso ter em mente que toda a regulação que hoje seria, em tese, aplicável ao biometano – por equivalência ao gás natural – foi elaborada sob a lógica aplicada ao hidrocarboneto fóssil. Assim, como boa parte da regulação atual incidente sobre o biometano é “emprestada”, são notadas lacunas regulatórias ou até mesmo dúvidas relevantes que, por sua vez, podem gerar insegurança jurídica para os desenvolvimentos de projetos nesta área.

O momento de revisão regulatória é oportuno para que agentes do setor se posicionem perante à ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) de modo que a produção normativa prevista reflita as necessidades do mercado atual. Adicionalmente ao esforço na esfera federal, a ausência de regulação estadual na maioria dos estados do país indica que o desenvolvimento de políticas estaduais é urgente.

Se no passado já se chegou a discutir se os estados teriam competência para regular os serviços locais de gás canalizado relativos ao biometano, quando ainda não havia certeza a respeito da equivalência entre gás natural e biometano, hoje a ausência de regulação estadual na maioria dos estados do país revela outro importante gargalo. Apenas sete estados possuem legislação específica para o biogás e/ou biometano: São Paulo, Rio de Janeiro, os estados da região Sul e Goiás. Nota-se, portanto, que estados influentes e com altíssimo potencial produtivo ainda não se posicionaram estrategicamente para se tornar vetores do desenvolvimento de projetos de biometano. 

É mais que sabido que o biometano tem um potencial de interiorização incomparável, contribuindo com a formação de demanda em regiões não integradas ao sistema nacional de transporte de gás, o que é fundamental para a instalação de infraestrutura em novos mercados potenciais. Mas o potencial de interiorização de produção de biometano revela também uma vocação, ao menos inicial, para alcance de mercados mais restritos e locais, através de sua injeção nas malhas de distribuição. 

Isso porque a escala de produção de biometano tende a ser comparativamente menor do que o potencial de produção do gás natural, sendo seus volumes de produção diários e correspondentes vazões de injeção em gasodutos mais compatíveis com os perfis de operação dos sistemas de distribuição do que dos sistemas de transporte. Uma vez que a injeção inicial ocorra na rede de distribuição, sua comercialização ficaria restrita, ao menos em princípio, àquela área de concessão, uma vez que existe entendimento atual no sentido de que não é possível fazer a reversão de fluxo para a injeção de gás no sistema de transporte através de uma rede de distribuição.

Assim, para que o biometano alcance projeção nacional através da possibilidade de injeção em gasodutos de transporte, gargalos de natureza operacional também precisam ser superados, ainda que por meio de soluções transacionais criativas. 

Por um lado, investimentos em compressão de gás para viabilizar a injeção de biometano diretamente em gasodutos de transporte viabilizariam a formação de um mercado de escala nacional. Por outro lado, considerando que os custos envolvidos com tais soluções operacionais podem ser vultosos e desincentivar a formação deste mercado, outras soluções mais criativas podem ser consideradas. Dentre elas, há a possibilidade de realização de operações de swap (troca) de gás natural, tanto em âmbito local para a conexão de diferentes redes de distribuição, quanto em âmbito nacional, envolvendo redes de distribuição e sistemas de transporte. Ocorre que tais soluções ainda esbarram em dúvidas a respeito dos seus contornos e de sua caracterização do ponto de vista legal e regulatório para se materializar.

Apesar dos significativos avanços recentes, ainda são diversos os desafios a serem enfrentados para o que Brasil atinja o seu potencial máximo na produção de biometano no cenário global. Um dos aspectos desse caminho está relacionado à necessidade de elaboração e estabelecimento de regulações e políticas que promovam investimentos para um setor tão crítico na atual conjuntura global de busca por soluções sustentáveis nas iniciativas de transição energética.

*Maria Fernanda Soares e Mariele Milhorance são, respectivamente, sócia e advogada da área de Infraestrutura em projetos de Oil&Gas do Machado Meyer Advogados.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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