Bruna Souza da Rocha*
O governo federal deixou claro que, apesar do momento delicado de pandemia que estamos vivenciando, o andamento dos projetos de infraestrutura no Brasil não vai parar. Prova disso é a publicação do Decreto 10.330 em abril de 2020, que dispôs sobre a qualificação de empreendimentos públicos federais do setor portuário no âmbito do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), e a articulação constante do Ministério da Infraestrutura com as agências reguladoras e o TCU (Tribunal de Contas da União) para a realização de audiências públicas virtuais e a publicação de editais de licitação1.
A prioridade nacional conferida aos projetos qualificados no PPI é ponto relevante da Lei 13.334/2016, a qual objetivou retomar a confiabilidade do mercado nos projetos e na atuação do parceiro público no âmbito dos contratos de parceria mediante a institucionalização de um programa nacional de investimentos pari passu à criação de regras mais sofisticadas aplicáveis aos negócios público-privados.
Nessa linha, o status de “dever” conferido à atuação conjunta dos órgãos, entidades e autoridades estatais para viabilização dos atos e processos administrativos necessários à estruturação, liberação e execução dos empreendimentos indica o comprometimento do setor público no sentido de envidar esforços para que os projetos do PPI avancem de forma prioritária e eficiente2.
A despeito do elemento relacional constante na norma, não é previsto qualquer mecanismo que confira efetividade à atuação conjunta dos órgãos, entidades e autoridades estatais, o que abre espaço para mais um avanço legal se tornar letra morta no ordenamento jurídico vigente.
Ainda que a Lei 13.334 esteja em vigor desde o ano de 2016, sendo muitas das suas determinações ainda testadas na estruturação e liberação dos empreendimentos qualificados, é certo que não foram criados mecanismos ou gatilhos de incentivo para que o setor público honre com o dever previsto no artigo 17 da lei. Em outras palavras, nada garante que os órgãos e entidades estatais cumpram a determinação legal e ajam conjuntamente para viabilizar o avanço dos empreendimentos integrantes do PPI.
É verdade que a aprovação tácita das solicitações encaminhadas às autoridades competentes para a obtenção de atos públicos necessários à liberação de atividades econômicas prevista na Lei 13.874/2019 – Lei da Liberdade Econômica, quando transcorrer in albis o prazo para resposta, pode servir de mecanismo de incentivo para que os órgãos, entes e autoridades estatais ajam conjuntamente no sentido de possibilitar o avanço dos empreendimentos, sob pena de uma aprovação tácita. No entanto, a ampla exceção concedida por aquela mesma lei – não aplicabilidade aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios e às atividades com impacto significativo no meio ambiente, conforme determinado pelo órgão ambiental competente – certamente limita a sua aplicação aos projetos integrantes do programa de parcerias.
À vista disso, o dever de atuação conjunta dos órgãos, entidades e autoridades estatais para a viabilização de atos e processos administrativos necessários à estruturação, liberação e execução dos empreendimentos pode ser alocado como risco do contratante no âmbito dos contratos de parceria, mecanismo que deve incentivar o parceiro público a agir com os órgãos e entidades estatais competentes para possibilitar o avanço dos projetos.
A alocação do risco de obtenção dos atos e processos administrativos necessários à estruturação, liberação e execução dos empreendimentos ao parceiro público – e.g., uma licença ambiental, exceto nos casos em que o parceiro privado der causa ao atraso ou à negativa de obtenção – deve incentivar o parceiro público a diligenciar junto aos demais órgãos, entidades e autoridades estatais para, prioritariamente, e de forma eficiente, agilizar as devidas respostas às solicitações de atos ou processos dos quais dependa o avanço dos empreendimentos qualificados, sob pena de o contratante ser a parte responsável pela não obtenção do ato ou processo no âmbito do contrato de parceria3.
Além de servir de gatilho de incentivo para o poder público cumprir a determinação constante no artigo 17 da Lei 13.334/2016, a medida também contribuirá para uma matriz de risco mais eficiente aos projetos integrantes do PPI, já que o value for money da contratação pública somente é atingido por meio da transferência dos riscos inerentes ao projeto à parte que melhor tem condições de gerenciá-los ou precificá-los, o que, em se tratando de liberação de atos e processos administrativos, certamente é o parceiro público. A par disso, mostra-se importante também a criação de estratégias que visem a observância da matriz de riscos pelo poder público a fim de evitar qualquer ingerência de riscos a ele alocados que possa externar negativamente no contrato, culminando em prejuízos ao parceiro privado. A implementação de uma gestão de riscos eficiente, que passe ao largo de um simples check-list burocrático, é medida fundamental para o êxito da contratação.