Álvaro Luiz Miranda Costa Júnior*
Há quem defenda que o ovo teria de surgir antes da galinha, amparando-se na teoria da evolução das espécies de Charles Darwin. Por outro lado, há posicionamento científico indicando que a galinha seria a autêntica antecessora. A despeito da complexidade da resposta, as discussões ainda persistem: quem nasceu primeiro?
Embora a imagem seja simplória, serve de metáfora para uma importante constatação: passam os anos, mudam os governos, evoluem as leis, e continuamos sem solução para o dilema a respeito do antagonismo entre planejamento e execução de empreendimentos. Sem uma ordem definida, até hoje, não está muito clara a ideia de quem deve vir primeiro.
Recente estudo publicado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) traz importante contribuição para o tema. O documento apresenta um amplo diagnóstico sobre obras federais paralisadas e identifica que, de um total de aproximadamente 39 mil obras públicas contratadas e iniciadas, 14.403 (37,5%) estão estagnadas, o que representa mais de R$ 10 bilhões investidos em esqueletos de concreto e aço.
Entre as causas de paralisação, a mais gritante é a falta de planejamento adequado. Do total de empreendimentos analisados pelo TCU, problemas técnicos, associados à inadequação de projetos, somam 47%. Questões orçamentárias e financeiras, como a falta de recursos, somam 10%, ocupando o 4º lugar da tabela, logo após a indicação de abandono e “outros”, em 2º e 3º lugar, respectivamente.
O apontamento, contudo, não é novidade. Esse mesmo estudo foi realizado pelo TCU em 2006, com base em uma amostra de 400 obras inconclusas com emprego de recursos federais. Os maiores problemas apresentados foram: fluxo orçamentário-financeiro e defeitos no projeto e execução da obra, representando, juntos, 50% do total das causas de paralisação.
Já no âmbito do Fiscobras 2018, o plano de fiscalização anual do TCU, foi apontado que, de 1.688 fiscalizações realizadas na última década, 1.158 teriam achados sobre “Projeto básico deficiente, inexistente ou desatualizado” e, em maior número, casos de sobrepreço ou superfaturamento, também relacionados a defeitos de planejamento.
A respeito de projetos deficientes, o TCU aponta que “as deficiências nos projetos básicos são, em grande parte, causadas pelos pequenos prazos para a elaboração, baixo interesse na realização dos estudos e falta de adequado desenvolvimento e amadurecimento do projeto”.
No documento, a auditoria reconhece a mesma situação a partir de estudo realizado pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), em 2016, no qual se concluiu que “o efeito nocivo de se privilegiar o início da execução das obras em detrimento do planejamento é o anúncio de obras sem o devido embasamento técnico, resultando em atrasos e majoração dos custos inicialmente previstos”.
Sem dúvida, o trabalho do TCU lança oportuno alerta à discussão do tema. O que devemos prestigiar para melhorar o desempenho das obras públicas no Brasil? A fase de planejamento ou a execução? A resposta parece óbvia diante das constatações.
O PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), por exemplo, foi permeado pela edição do RDC (Regime Diferenciado de Contratações), criado, inegavelmente, para prestigiar a execução em detrimento do planejamento. A publicação aponta que 21% das obras do PAC estão paralisadas, o que significa um total de 2.292 empreendimentos em um montante de 8.374.
Sob o domínio do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), o documento revela, ainda, as obras excluídas do PAC. São 294 obras paralisadas em 873 contratadas – 25% do total.
Futuro
A auditoria realizada pelo TCU é fundamental para o país, especialmente em um momento de importantes mudanças para a administração pública, em relação à dinâmica de aquisição de bens e contratação de serviços. O estudo aponta a necessidade de revisão dos modelos de contratação de obras, inclusive quanto aos critérios de julgamento, de modo a se empregar maior esforço na fase de planejamento.
A Corte de Contas acena a necessidade de um estudo mais aprofundado sobre o tema, abandonando a obsessiva ideia de persecução do “menor preço” nas contratações, e admitindo a possibilidade de que os critérios da técnica e preço, ou mesmo do concurso, sejam mais adequados para a contratação de obras e projetos. Outra importante consideração trata da utilização de concursos para a contratação de projetos – é necessário concentrar maiores esforços nesta etapa dos empreendimentos públicos.
O estudo do TCU é uma verdadeira diretriz para a análise de qual tipo de gestão dos recursos públicos queremos para o futuro. Mas é preciso decidir, portanto, se permaneceremos como um verdadeiro cemitério de obras inacabadas ou se passaremos a realmente garantir que o Estado seja o indutor do desenvolvimento nacional a partir do investimento em grandes empreendimentos.