iNFRADebate: Pro Trilhos – como os usuários estão se posicionando no novo ambiente do transporte ferroviário

Maria Carolina Piloto de Noronha* 

Uma mudança estrutural do ambiente regulatório e institucional do setor ferroviário brasileiro está em curso, diante dos nossos olhos. Como era de se esperar, os embarcadores estão se posicionando para assumir novos papéis. Este artigo faz uma observação pontual e relevante sobre a transição para o novo ambiente: como estão se posicionando os embarcadores e interessados no setor ferroviário diante das novas possibilidades de investimento na rede de transporte ferroviário.

O Novo Modelo Regulatório de Ferrovias
Embora a Constituição Federal de 1988 tenha aberto amplo leque para a exploração do transporte ferroviário, até a Lei nº 10.233, de 2001, só se havia positivado o caminho da exploração ferroviária pelo restrito trilho do serviço público desenhado pelo Estado. Tudo isso mudou com a mudança estrutural do ambiente regulatório e institucional materializado no Novo Marco Regulatório das Ferrovias. 

Inicialmente, o Novo Marco Regulatório das Ferrovias foi proposto no PLS (Projeto de Lei do Senado) nº 261/2018, de autoria do Senador José Serra (PSDB/SP), que tramitava há 3 anos de muita discussão no Senado Federal, sem desfecho, até ser ultrapassado pela Medida Provisória nº 1.065, de 30 de agosto de 20211, que abriu espaço para a livre iniciativa privada explorar ferrovias e preencher a lacuna que faltava. Após a ação do Executivo, em 5 de agosto de 2021, o plenário do Senado finalmente aprovou o PLS nº 261, de 2018, que na Câmara dos Deputados, passou a tramitar como o PL (Projeto de Lei) nº 3.754/20212.

De uma maneira geral, ambos os textos tratam do Novo Marco Regulatório das Ferrovias de forma similar, dispondo sobre a criação de um novo regime que expande as possibilidades de exploração do serviço, buscando viabilizar novos investimentos a partir de dois vetores principais: a flexibilidade do regime de exploração por autorização e a desburocratização de construção de infraestruturas ferroviárias de última milha. A flexibilidade do novo regime se estende ao reaproveitamento de trechos ferroviários sem operação, endereçando uma questão histórica. A desburocratização atinge unidades produtivas como fábricas, minerações, instalações portuárias, aeroportos, dentre outros, que sequer dependerão de contratos de concessão, permissão ou autorização, e sim, mero registro na ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).

A nova Política Nacional de Transporte Ferroviário criada pela MP (Medida Provisória) nº 1.065/2021, estabelece os princípios que nortearam a construção, a operação, a exploração, a regulação e a fiscalização das ferrovias no território nacional, são eles: 

  • redução dos custos logísticos e de mobilidade;
  • aumento da oferta de mobilidade e de logística;
  • integração da infraestrutura ferroviária;
  • incentivo à concorrência intramodal ferroviária;
  • regulação equilibrada; e,
  • fomento à inovação e ao desenvolvimento tecnológico. 

Além desses, aplicam-se ao transporte ferroviário, por autorização, os princípios da livre concorrência, da liberdade para a proposição de traçado, preços, níveis de serviço, bem como suas especificações. 

O Novo Marco Regulatório das Ferrovias traz para o Brasil as práticas dos principais polos ferroviários internacionais, oferecendo liberdade de mercado à indústria ferroviária, flexibilizando os negócios, tornando-o mais previsível e reduzindo o intervencionismo estatal. Adicionalmente, facilita o encontro da demanda por infraestrutura ferroviária da “porteira para fora” das principais indústrias interessadas, notadamente nos setores do agronegócio, da mineração e da celulose.

É central a oferta de infraestrutura por novas entidades prestadoras de serviços logísticos e de mobilidade. Isso não ocorre em detrimento das atuais concessionárias ferroviárias em regime de serviço público, que terão mais instrumentos para investir em suas malhas no regime privado e obterão mais vetores de alimentação a partir de investimentos de seus clientes.

Por fim, a MP nº 1.065/2021, cria o Programa de Autorização Ferroviária – Pro Trilhos, com a finalidade de promover investimentos privados no setor ferroviário por meio de outorgas de autorizações e tendo como objetivos:

  • ampliar as oportunidades de investimento e emprego e estimular o desenvolvimento do setor ferroviário no país; 
  • incentivar a realização de pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica no setor ferroviário; 
  • ampliar a capacidade disponível e a qualidade de transporte ferroviário de cargas, de modo a buscar o equilíbrio na matriz de transporte; 
  • fomentar o investimento privado para o desenvolvimento do transporte ferroviário de passageiros; 
  • ampliar a competição intra e intermodal, de modo a buscar a diminuição dos custos de transporte; e 
  • buscar sinergia entre os objetivos estratégicos do setor ferroviário e o interesse do setor privado, com o intuito de diminuir os riscos e aumentar a atratividade dos projetos. 

O potencial de avanço setorial com o Pro Trilhos
O Programa de Autorização Ferroviária – Pro Trilhos tem entre seus objetivos o aumento da oferta de infraestrutura ferroviária para estimular a competitividade intra e intermodal, e consequentemente, aumentar a eficiência da rede e reduzir o preço dos fretes. 

Desde a implantação da atual rede ferroviária nacional surgiram novos centróides de demanda, porém locados cada vez mais no interior do país, com longas distâncias para acessar os portos de escoamento da carga, porém sem acesso a trilhos. Neste aspecto, aumentou a quilometragem percorrida para acesso aos principais portos do país, mas não houve expansão da rede ferroviária e hidroviária na mesma velocidade, restando como única opção o transporte rodoviário, que foi priorizado na política de transporte nacional nos últimos anos.

Segundo análise da CNT (Confederação Nacional do Transporte) de 2013, com o aumento da distância e do volume transportado, o modo ferroviário torna-se cada vez mais competitivo em função da distância e do volume transportado. A competitividade intermodal se dá pelo aumento da oferta da infraestrutura, permitindo ao embarcador a escolha do modo de transportes que melhor lhe convém, conforme pode ser demonstrado na figura abaixo:

Fonte: O Sistema Ferroviário Brasileiro. – Brasília: CNT, 20133

Diferentemente das iniciativas de governos passados que tentaram promover a concorrência intramodal pela cisão do empreendedor ferroviário entre gestor da malha e operador do trem, o Novo Marco procurou trazer competição intramodal pela livre competição entre ferrovias verticalmente integradas, em que é lícito a mesma empresa operar tanto trilhos, quanto trens. 

O Novo Marco seguiu modelos encontrados em países como Estados Unidos, Canadá, México, China e Japão, que adotaram, como principal estratégia para mitigar ou mesmo acabar com os efeitos do monopólio natural da firma ferroviária, a segregação geográfica associada a agregação vertical e são considerados casos de sucesso (Resor & Laird, 2013)4

Segundo a teoria dos mercados contestáveis a entrada de novos concorrentes, ou apenas a possibilidade concreta de surgimentos de novos entrantes seria suficiente para incentivar os participantes a produzir com eficiência e a preços competitivos, renunciando posturas e receitas de natureza monopolista (Merker & Henser, 2014)4.

O Novo Marco procura responder a questão chave na organização do modo de transporte ferroviário:  a obtenção da competição, pois, em ambientes competitivos, até mesmo monopólios naturais setoriais podem perder seus poderes monopolistas (Pittman, 2011)4

A promoção da concorrência é altamente desejável uma vez que a competição entre as firmas oferece fortes incentivos para aumentar a eficiência (Pittman, 2007)4. Há basicamente duas formas de produzir competição entre ferrovias, a competição pelo acesso a infraestrutura, modelo europeu, ou a competição por rotas, modelo americano, asiático e que se pretende implantar no Brasil, com o Novo Marco.

Em teoria, a melhor opção de competição, ocorre quando a malha é suficientemente grande, pois, diferentes firmas ferroviárias independentes poderiam competir pelos mesmos pares de Origem e Destino (Friebel et al., 2007; Pittman 2004)4

Em contradição a esse novo modelo de competição estava a antiga prática regulatória de se conceder os pares de Origem e de Destino a um único investidor que, por força da exploração da concessão ferroviária, que permitia acesso aos principais portos de importação e exportação do país de forma quase exclusiva, aproveitava-se desse mecanismo para monopolizar o corredor logístico, sem competição e praticando preços abusivos5.

Com o Novo Marco, caberá ao autorizado, por sua conta e risco, avaliar a viabilidade e os riscos inerentes ao seu plano de negócio, ainda que outro trecho ferroviário seja autorizado com o mesmo par de origem e destino. Neste aspecto, não há o que se falar em monopólio, a competição pode se dar por rota, melhor engenharia e estratégia comercial.

O Novo Marco Regulatório das Ferrovias não isenta o autorizado de passar por todos os trâmites legais para obtenção do licenciamento ambiental. Continuam exigíveis a elaboração de criterioso estudo de impacto ambiental, nos termos do termo de referência do órgão licenciador competente, bem como, pela obtenção de parecer que conclua pela viabilidade do traçado (LP), das obras (LI) e da operação (LO).

Do ponto de vista da demanda, passados mais de um século da sua implantação e quase 30 anos das concessões do sistema ferroviário nacional surgiram fatos que mudaram completamente o cenário econômico do país e comprovam a existência de demanda reprimida.

Se por um lado, dos 29 mil quilômetros de rede implantados, apenas 19 mil são efetivamente utilizados, segundo a declaração de rede, 10 mil quilômetros de rede estão abandonados e/ou considerados antieconômicos para o transporte de carga pelos concessionários. Ao mesmo tempo, as cidades cresceram e parte dessa rede se encontra em área urbana, podendo servir não só como memória ferroviária, mas também como equipamento urbano para mobilidade e turismo.

Ao avaliar o embarcador, a pesquisa realizada pela CNT (2015)6 identificou que a maior parte dos embarcadores (53,4%) começou a utilizar a ferrovia como meio de transporte dos seus produtos nos últimos 20 anos, período posterior ao início das atuais concessões, em 1996. Independentemente do ano de início de atividade, 86,3% das empresas ainda utilizam a ferrovia como meio de transporte de seus produtos.

Outro aspecto abordado na pesquisa é que a insuficiente cobertura territorial, apontada como um entrave por 26% dos embarcadores, decorre das dificuldades na expansão da malha e dos sucessivos atrasos na construção das novas ferrovias.

Diante do exposto, vislumbra-se 5 oportunidades de atendimento a demanda:

  • Investimento em shortlines para ligação da indústria a uma ferrovia estruturante, via competição intermodal, pois retira esse transporte das rodovias e migra para as ferrovias, reduzindo o preço do frete e otimizando o sistema de transporte como um todo;
  • Investimento em trechos para ligação da indústria diretamente a uma instalação portuária, via competição intramodal, com a expectativa de ganho de eficiência e redução de custos;
  • Investimento em trechos para acesso a TUPs (Terminais de Uso Privado): permite facilitar o acesso de cargas e aumenta a competitividade do empreendimento como um todo, pela intermodalidade;
  • Investimento por parte de operadores ferroviários, neste caso, existe a competição intra e intermodal, pois não só pretende captar a carga do modo rodoviário, mas também permite a competição por rotas para captar a demanda; e,
  • Investimento em trechos dentro da faixa de domínio abrindo alternativas para sanar gargalos apontados para acesso ferroviário em portos.

Na prática, essas oportunidades podem ser identificadas analisando o perfil dos investidores que apresentaram requerimento de autorização no Programa Pro Trilhos do Governo Federal.

Quem buscou o Pro Trilhos?
A compatibilidade do anseio do mercado por investir no setor de ferrovias se verificou pela adesão ao Programa Pro Trilhos, lançado em 30 de agosto de 2020, do Governo Federal, que até a data da publicação desse artigo, contava com 27 requerimentos de autorização, protocolados no Ministério da Infraestrutura, com a implantação dos novos trechos da ordem de 8,4 mil quilômetros de linhas e volume de investimentos calculado de R$ R$ 117 bilhões.

Com base no perfil das empresas que aderiram ao Programa Pro Trilhos é possível identificar a motivação de cada adesão. Existem os originadores de carga, em geral, minério e celulose; os vinculados a TUPs; e, os operadores ferroviários

  1. Os originadores de carga normalmente transportam carga própria da sua linha de produção até uma ferrovia estruturante.  O titular da planta tem interesse quase que exclusivo na implantação da ferrovia. Coincidência ou não, o primeiro e o terceiro produto mais movimentado em ferrovias, minério de ferro e celulose, foram os segmentos mais interessados nesta operação, uma vez que o transporte por rodovias encarece demasiadamente o custo de transporte desses embarcadores.  São eles: 
  • Bracell SP Celulose Ltda.:  Lençóis Paulistas (SP): 4,29 km de extensão (eucalipto) e Lençóis Paulistas – Pederneiras (SP): 19,5 km de extensão (celulose);
  • Brazil Iron Mineração (minério de ferro), Abaíra – Brumado/BA – Fiol – FCA: 120 km de extensão;
  • Morro do Pilar Minerais S.A. (minério de ferro), Colatina – Linhares (ES): 100 km de extensão;
  • Planalto Piauí Participações (minério de ferro), Suape/PE – Curral Novo/PI: 717 km de extensão; e,
  • Eldorado Brasil Celulose S.A.: Três Lagoas/MS – Aparecida do Taboado/MS: 88,9 km de extensão
  1. Os originadores de carga, visando o transporte carga própria da sua linha de produção até uma instalação portuária, via competição intramodal, com a expectativa de ganho de eficiência e redução de custos.
  • Grão Pará Multimodal (minério de ferro): Alcântara/MA – Açailândia/MA: 520 km de extensão
  1. Trechos que são originalmente vinculados a Terminais de Uso Privado (TUPs), Portos ou Centro logísticos permitindo sua conexão com a malha ferroviária federal ou novos polos geradores de carga. Esses investidores possuem interesse na atratividade da intermodalidade para ganhar competitividade e atrair demanda para seus empreendimentos logísticos. 
  • Petrocity – São Mateus/ES – Ipatinga/MG: 410 km de extensão; Campos Verdes/GO – Unaí/MG: 530 km de extensão; Barra de São Francisco/ES – Brasília (DF): 1.108 km de extensão – Trata-se de conexão ferroviária até o Terminal de Uso Privado (TUP) que a companhia administrará no Complexo Portuário de Urussuquara, em São Mateus/ES, permitindo o transporte de cargas diversas, em especial, grãos e cargas gerais. Permite uma melhor otimização da operação logística, pois neste projeto existe a previsão de diversas UTACs (Unidades de Transbordo e Armazenamento de Cargas) possibilitando a integração intermodal; 
  • Macro Desenvolvimento Ltda (Porto Central) Presidente Kennedy/ES – Conceição do Mato Dentro/MG –Sete Lagoas/MG: 610 km de extensão; e, Sete Lagoas (MG) -Anápolis (GO): 716 km de extensão. O Porto Central será um porto que servirá grandes empresas dos setores de petróleo e gás, de mineração, agrícola, de apoio à indústria offshore, assim como estaleiro e terminal de contêiner e carga geral que movimentarão cargas diversas como veículos, produtos siderúrgicos, coque de petróleo para cimenteiras, soja e fertilizantes, carvão, GNL, rochas ornamentais etc.
  • Minerva Participações e Investimentos S.A. Açailândia/MA – Barcarena/PA: 571,3 km de extensão. A ferrovia deve atender a demanda de carga da agropecuária e da mineração entre o Pará e Maranhão para escoamento via porto de Vila do Conde.
  • Fazenda Campo Grande Terminal Intermodal em Santo André/SP: 7 km de extensão. (Centro Logístico – carga geral).

4. Operadores Ferroviários. Do total de proponentes, três já operam ferrovias pelo regime de concessão – Ferroeste, VLI e Rumo. 

4.1. Esse segmento poderia fazer parte do perfil anterior, porém o fato de possuírem ferrovias estruturantes, concedidas e em operação, lhes dá um diferencial na atratividade de cargas e, nesse caso, o objetivo seria ampliar a sua competitividade. 

  • VLI: Lucas do Rio Verde/MT – Água Boa/MT: 557 km de extensão
  • VLI: Uberlândia/MG – Chaveslândia/MG: 235 km de extensão
  • VLI: Porto Franco – Balsas/MA: 230 km de extensão
  • Ferroeste: Maracaju/MS – Dourados/MS: 76 km de extensão
  • Ferroeste: Guarapuava/PR – Paranaguá/PR: 405,2 km de extensão
  • Ferroeste: Cascavel/PR – Foz do Iguaçu/PR: 166 km de extensão
  • Ferroeste: Cascavel/PR a Chapecó /SC: 286 km de extensão
  • Rumo: Água Boa – Lucas do Rio Verde/MT: 508 km de extensão
  • Rumo: Uberlândia/MG – Chaveslândia/MG: 276,5 km de extensão

4.2. Adicionalmente, a nova legislação possibilita a competição dentro da faixa de domínio abrindo alternativas para sanar gargalos apontados para acesso ferroviário em portos, por exemplo em Santos e Itaqui, nos termos do art. 8º. da MP 1065/2021, uma vez que a necessidade de inclusão de acesso ferroviário na faixa de domínio de outra ferrovia, inclusive para acessar portos, ferrovias ou outras infraestruturas essenciais, ou para transpor barreiras topográficas ou áreas urbanas não inviabilizará a outorga por autorização. Neste caso, por exemplo, foram solicitadas autorizações por 2 operadoras ferroviárias para acesso ao Porto de Santos, onde existe o trecho operado por uma terceira operadora, em regime de concessão.

  • VLI: Cubatão/SP-Santos/SP: 8 km de extensão;
  • Rumo: Santos – Cubatão – Guarujá/SP – 37 km

Quais embarcadores ainda não apareceram no Pro Trilhos
Dois potenciais interessados no modelo de autorização ainda não se manifestaram no âmbito do Pro Trilhos: os produtores de grãos e os embarcadores de carga geral.

Os produtores de grãos, soja e milho, representam o segundo produto mais movimentado nas ferrovias nacionais. No Brasil o produtor de grãos possui grande expertise no agronegócio, o chamado “da porteira pra dentro”, mas na maioria das vezes deixa a logística, “da porteira pra fora”, por conta das traders. A expectativa para esse segmento no que se refere a infraestrutura de transportes, no entanto, é que com maior competitividade intra e intermodal, os custos de frete sejam reduzidos.

Outro aspecto apontado pelo setor de agronegócio é que para os granéis sólidos vegetais, as projeções do PNLP (Plano Nacional de Logística Portuária)7 revelam que, até 2060, será necessário dobrar a capacidade instalada das instalações portuárias em 2018 para que se possa escoar toda a demanda prevista. Da mesma forma que as instalações portuárias precisarão ser expandidas, e novas instalações precisarão ser implementadas, o que de fato já está parcialmente em curso, os corredores logísticos para acessar essas instalações, utilizando ferrovias e hidrovias, também precisarão ter sua capacidade expandida.

Ainda tratando-se dos granéis sólidos vegetais, observa-se uma oportunidade de crescimento em todas as regiões do Brasil, e, embora os crescimentos mais pujantes previstos pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) em 2020 sejam para as regiões Norte e Centro-Oeste, os grãos produzidos no Centro-Oeste podem ser exportados por portos localizados em todas as regiões do Brasil. Sendo assim, é importante que haja um alinhamento entre o planejamento da expansão da capacidade portuária e da capacidade dos corredores ferroviários, que em muitos casos já se encontra próxima ao limite do ISF (Indicador de Saturação da Ferrovia) de 90%.

A expansão da capacidade portuária não deve se ater apenas à expansão da malha ferroviária e terminais integradores na direção do Arco Norte e Santos, que certamente têm seu papel estratégico na logística brasileira, mas também ao Corredor Centro-Leste (portos do Espírito Santo), e aos corredores conectados aos portos do Nordeste e do Sul do país. Percepção que converge com os objetivos dos projetos que solicitaram autorização no Pro Trilhos, conforme mencionado anteriormente.

Apenas para exemplificar, uma breve avaliação de 7 trechos de autorização ferroviárias, no âmbito do Cenário 7 do Plano Nacional de Logística 20358, de forma geral, observou que: dentre os trechos ferroviários atualmente inativos, vários apresentaram bons carregamentos, com acréscimo de 17,5 bilhões de TKU (toneladas por quilômetro útil) para o modo ferroviário provenientes dos carregamentos em trechos atualmente inativos, além do acréscimo correspondente à alimentação das malhas que eles integram. Além disso, os 7 trechos de shortlines simuladas no Cenário 7, junto aos trechos potenciais reativados neste e nos demais cenários futuros simulados, possuem um potencial de elevar o TKU ferroviário em 12%, ou 128 bilhões de TKU, com impacto na redução do custo médio de todo sistema de transporte em 3,5%, o que traria uma redução de R$ 8,46 bilhões ao ano nos custos gastos com transporte no Brasil.

Nesta análise do PNL 2035 cabe uma ressalva, o potencial da rede ferroviária para o sistema de transporte nacional, incluindo as 7 autorizações, parte do princípio de que a rede ferroviária irá captar boa parte da demanda de carga geral, devido a competição intermodal, e esse é um dos principais fatores que explicam a possibilidade de redução dos custos de transporte de 17% a 39% até 2035. Certamente, se a malha ferroviária continuar carregando somente commodities, a redução de custos será bem menor, mesmo com uma rede ferroviária ampliada via autorizações, pois 66% da carga transportada pelo Brasil (em TKU), continuaria limitada ao transporte rodoviário – mais caro.

Todavia, segundo a Anut (Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga)9, as regras previstas no Marco Regulatório das Ferrovias aumentarão a competição entre operadores ferroviários e a capacidade de movimentação de outras cargas por meio das ferrovias, o que ajudará a aliviar as rodovias e contribuirá para diversificar os produtos transportados nas ferrovias.

O Novo Marco Regulatório das Ferrovias veio para ficar
O Novo Marco Regulatório das Ferrovias tem como objetivo mudar o atual cenário do transporte de cargas, permitindo a expansão da rede ferroviária pela iniciativa privada e incentivando a competição intra e intermodal, para estimular a eficiência do sistema de transportes nacional e reduzir o frete.

Neste sentido, com uma breve análise ex-ante do Programa Pro Trilhos, baseado no Novo Marco Regulatório das Ferrovias, observa-se que os 27 requerimentos de autorização, protocolados no Ministério da Infraestrutura, apresentam motivações que convergem com os princípios da Política Nacional do Transporte Ferroviário e seus objetivos.

Como toda política, é primordial o monitoramento e controle da implantação do Pro Trilhos, uma vez que sua efetividade, em uma análise ex-post, somente poderá ser avaliada, com a implantação dos projetos e a análise causa-efeito que dela poderão surgir, como por exemplo: o impacto na eficiência, no equilíbrio econômico-financeiro das atuais concessões; e, principalmente, nos preços do frete.

Diante do exposto, fica evidente que havendo intervenção regulatória mínima e segurança jurídica, o mercado privado tem interesse de emergir no setor ferroviário brasileiro, se propondo a ocupar lacunas que o Estado não é capaz de preencher por insuficiência financeira e desinteresse natural de agir. 

1 Medida Provisória nº 1.065, de 30 de agosto de 2021. Acesso: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Mpv/mpv1065.htm

2 Projeto de Lei nº 3.754/2021. Acesso: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2095190

3 O sistema ferroviário brasileiro. – Brasília: CNT, 2013.

4 FELIX, M. K. R. (2018). Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil, Publicação T.DM – 001/2018, Departamento de Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 162p.

5 “Cade condena Rumo-ALL por abuso de posição dominante no mercado de logística por transporte ferroviário.” https://www.gov.br/cade/pt-br/assuntos/noticias/cade-condena-rumo-all-por-abuso-de-posicao-dominante-no-mercado-de-logistica-por-transporte-ferroviario

6 Pesquisa CNT de Ferrovias 2015. – Brasília: CNT, 2015.

7 Projeção de Demanda e Carregamento da Malha – ano-base 2018 – PNLP. Acesso: https://www.gov.br/infraestrutura/pt-br/centrais-de-conteudo/2-8-pdf

8 Plano Nacional de Logística 2035 – Ministério da Infraestrutura e EPL. Brasília, 2021. Acesso: https://ontl.epl.gov.br/wp-content/uploads/2021/10/PNL_2035_29-10-21.pdf

9 Agenda Legislativa: O Brasil sobre trilhos. Acesso: http://anut.org/index.php/agenda-legislativa-o-brasil-sobre-trilhos/
*Maria Carolina Piloto de Noronha é administradora de empresas, MSc em Transportes, CP3P-F. Atua como consultora autônoma, especialista em planejamento de transportes; estudos de viabilidade e gerenciamento de projetos de infraestrutura, transportes e logística; Inteligência de Mercado; Plano de Negócio; e Relações Institucionais. Foi coordenadora-geral e diretora substituta do Departamento de Política e Planejamento Integrado de Transportes do Ministério da Infraestrutura, Governo Federal.
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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