iNFRADebate: Projeto prevê nova debênture de infraestrutura

Raquel Lamboglia Guimarães* e Nicole Katarivas**

Está em tramitação o PL 2.646/2020, que cria as debêntures de infraestrutura. O projeto também altera o marco legal das debêntures incentivadas e dos Fundos de Investimento em Infraestrutura (FI-Infra),  em Participações em Infraestrutura (FIP-IE) e em Participação na Produção Econômica Intensiva em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (FIP-PD&I).

As debêntures incentivadas, por vezes referidas como de infraestrutura, permitem que investidores pessoa física usufruam de benefícios fiscais sobre os rendimentos auferidos com o investimento. O projeto prevê a criação de nova modalidade, com incentivos diferenciados, usufruídos pelo emissor, para captação de investidores pessoa jurídica, inclusive sediados no exterior. O instrumento proposto foi chamado “debênture de infraestrutura” – o que poderá gerar alguma confusão em meio a quem já costumava utilizar a denominação para se referir ao tipo vigente, que fica referido apenas como “debêntures incentivadas”, as quais são também alvo de alterações pela proposta.

Propostas
Sobre a modalidade incentivada, serão admitidas não apenas para projetos novos, mas também em processo de implementação e anteriores à vigência da lei. Propôs-se a ampliação do prazo para demonstração dos gastos, despesas ou dívidas passíveis de reembolso de 24 para 60 meses a partir da oferta pública, permitindo maior flexibilidade para o desenvolvimento dos projetos. Ainda, serão permitidas cláusulas de variação da taxa cambial e a emissão direta no mercado internacional (bonds) com isenção tributária para a receita proveniente dos juros pagos.

Já as debêntures de infraestrutura poderão ser emitidas por sociedades por ações e de propósito específico, que sejam concessionárias, permissionárias e autorizatárias dos serviços públicos definidos no art. 21, XI e XII da Constituição ou por suas controladoras diretas ou indiretas, desde que assumam a forma de sociedade por ações e os recursos sejam destinados a projetos prioritários. Os recursos captados devem se destinar “especificamente à implementação de projetos de investimento na área de infraestrutura ou de produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação considerados prioritários na forma do § 1º do art. 1º da Lei 11.478, de 29 de maio de 2007”. 

Nota-se uma ambiguidade que deve ser resolvida. A qualificação “prioritários” está adstrita à produção de pesquisa ou abrange qualquer projeto?

As áreas prioritárias do dispositivo são energia, transporte, água e saneamento básico e irrigação, e, conforme a proposta, devem incluir iluminação pública, eficiência energética, resíduos sólidos, presídios, unidades socioeducativas, unidades educacionais, unidades de saúde, petróleo e gás natural, telecomunicações, unidades de conservação ambiental, habitação, mobilidade urbana e logística, infraestrutura hídrica, revitalização de bacias hidrográficas e outras áreas tidas como prioritárias pelo Poder Executivo Federal.

Por outro lado, o art. 21 da CF refere-se a serviços de competência da União, de modo que a atual redação exclui projetos que não se enquadrem como serviço público (irrigação, habitação, petróleo e gás) e serviços de competência de outros entes (iluminação pública, saúde, transporte local e saneamento, inclusive resíduos sólidos). O que não parece condizente com o objetivo de um projeto tão relevante.

Outros aspectos
Será aplicada a regular tributação do mercado financeiro, bem como a isenção para instituições financeiras, sociedade de seguro, previdência e capitalização, sociedade corretora de títulos, valores mobiliários e câmbio, sociedade distribuidora de títulos e valores mobiliários ou sociedade de arrendamento mercantil. Porém, afastou-se a alíquota zero para beneficiário domiciliado no exterior, inclusive, em país que tribute a renda por alíquota superior a 20% e definiu-se alíquota de 25% para o IR retido, caso resida em país que adote tributação favorecida.

Para apuração do lucro líquido, o emissor poderá deduzir o valor correspondente aos juros incorridos, nos termos da legislação do IR e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro), além de excluir do lucro, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, valor equivalente a 30% da soma dos juros pagos no exercício percentual, este que poderá ser ampliado para 50%, caso os valores captados sejam aplicados em projetos sustentáveis (greenbonds). Embora o incentivo fiscal neste caso destine-se ao emissor e não seja prevista isenção do IR sobre as receitas auferidas por pessoas físicas, é possível oferecer taxas de juros mais elevadas e melhor rentabilidade aos investidores, dado que os emissores poderão excluir da base de cálculo do lucro real e da CSLL as despesas de juros pagos.

Não será permitida aquisição por pessoas ligadas ao emissor, exceto em hipóteses específicas de pessoa jurídica domiciliada no exterior, conforme definido por ato do Executivo. Tais debêntures poderão ser adquiridas por fundos, aplicando-se a regular tributação do mercado de capitais e sem os incentivos do art. 3º da Lei 12.431/2011.

Por fim, ressalta-se que, caso aprovado, em vez de unificar a disciplina do tema, o projeto resultará em nova lei, aumentando a complexidade do entendimento do assunto e podendo gerar alguma insegurança.

*Raquel Lamboglia Guimarães é advogada da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. Especialista em direito societário e empresarial. Atua também em diversos projetos em setores regulados, principalmente, saneamento básico e tecnologia.
**Nicole Katarivas é advogada da Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados. Atua em direito societário, fusões e aquisições (M&A), planejamento sucessório, Wealth Management, contratos nacionais e internacionais.
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