iNFRADebate: Uma estatal para as ferrovias

José Manoel Ferreira Gonçalves*

Estados Unidos, Canadá, Índia, Rússia, China. Em todos esses países de dimensões continentais, a ferrovia ocupa lugar de destaque na integração nacional. Falta o Brasil nessa lista. Em relação a essas nações, estamos mais de 50 anos atrasados. Somos os únicos sem oferta de trens para viagens de passageiros em longas distâncias.

Recuperar esse tempo perdido vai demandar, sem dúvida, grandes investimentos. Mas os recursos financeiros poderão ir pelo ralo se a retomada ferroviária não for apropriada às necessidades do país. É preciso disponibilidade para o diálogo junto ao poder público, em busca do modelo que melhor se adeque ao Brasil.

Governo e players – antigos e especialmente novos – devem estar munidos de boa vontade para amadurecermos um planejamento estratégico, inteligente, que favoreça não só o transporte de cargas, mas também o de passageiros.

Precisamos da sociedade civil também unida para reconhecer que o serviço poderá transformar a realidade de muitos municípios, levar desenvolvimento, gerar emprego e renda.

O debate precisa ir além das discussões técnicas e avançar para o entendimento sobre a essencialidade dos serviços e os projetos que venham a atender todos os cidadãos brasileiros.

Convém olharmos para as experiências bem-sucedidas de ferrovias mundo afora. Mesmo com realidades muito distintas, a maioria dos países já reconheceu a necessidade de o estado intervir para garantir investimentos no setor.

Estamos falando daquelas nações citadas no início deste artigo. Todos adotaram as suas respectivas estatais, que repassam periodicamente recursos financeiros para as operações ferroviárias. A estatal dos EUA, Amtrak, já prevê o repasse de US$ 3,4 bilhões de dólares em 2024. Um modelo de gestão ferroviária com mais de 50 anos, criado pelo congresso norte-americano, durante o governo Richard Nixon (1969-1974).

Aqui no Brasil, temos o cenário e as condições para um projeto dessa natureza. Ao examinar o desafio que a retomada ferroviária exige, a participação do Estado se torna praticamente imperiosa – muito por conta do abandono a que as ferrovias foram relegadas pelos sucessivos governos das últimas décadas.

O Brasil tem 21 mil km de estradas de ferro em operação. Isso é menos de 10% do que existe na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo. Considerando a extensão total da malha ferroviária no Brasil, estamos abaixo de países como a Argentina, França e África do Sul. Na comparação de matrizes de transporte de carga, os números também decepcionam: apenas 17% das movimentações são feitas aqui por ferrovias, ao passo que esse percentual atinge 37% na China, 43% na Austrália e 46% no Canadá. Enquanto nesses países é movimentada uma grande diversidade de cargas, aqui os minérios são cerca de 70% dos produtos transportados. Grãos respondem por outra parcela significativa, entre 10% e 17%.

Faltam ferrovias, faltam trilhos, faltam vagões. Por isso, a produção vai pelas rodovias, mantendo altos os índices de impacto ambiental e desfavorecendo as estatísticas sociais para o desenvolvimento das cidades. Estamos na contramão de um mundo também que olha para as condições climáticas e assume o dever de criar políticas sustentáveis. A ferrovia é um modal que acompanha essa dinâmica para o desenvolvimento, com menos carbono.

Essa realidade não mudará se não buscarmos a variação de players. Atualmente, nossas ferrovias são controladas por quatro grandes companhias – Rumo, MRS Logística, VLI e Vale. Elas percorrem menos de 40% do território brasileiro e só estão interessadas em escoar, basicamente, minérios e produção agrícola.

Se o transporte de carga vai mal, no de passageiros precisamos praticamente começar do zero, com estímulo constante à concorrência. Nos EUA, as linhas são controladas por cerca de 600 firmas privadas, mas o estado exerce um papel fundamental para garantir a expansão das ferrovias e os bons resultados das operações.

Outra fonte inspiradora pode ser vista no Japão, com seus trens de alta velocidade, As admiráveis ferrovias japonesas definiram, ainda na década de 1960, um modelo de intervenção estatal no transporte ferroviário de passageiros e cargas, que tem sido adotado com resultados variados em economias tão diversas quanto Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, Rússia, União Europeia e Tailândia.

O Brasil ainda não estruturou um modelo sólido, vivendo de iniciativas isoladas, como o sempre mencionado projeto de trem de passageiros entre Campinas e São Paulo, que foi adicionado ao PAC.

Precisamos agir e pensar o sistema ferroviário de forma orgânica, sem paliativos e investimentos esporádicos. Enquanto em muitos países a manutenção e modernização do transporte ferroviário de passageiros é uma prioridade permanente do governo, aqui esse setor foi praticamente extinto nas últimas cinco décadas. Uma estatal que pudesse pensar o transporte sobre trilhos como prioridade nacional seria o primeiro passo para recuperar o tempo perdido.

*José Manoel Ferreira Gonçalves é engenheiro e presidente da FerroFrente (Frente Nacional para a Volta das Ferrovias).
O iNFRADebate é o espaço de artigos da Agência iNFRA com opiniões de seus atores que não refletem necessariamente o pensamento da Agência iNFRA, sendo de total responsabilidade do autor as informações, juízos de valor e conceitos descritos no texto.

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